segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Ódios de estimação literários


É curioso constatar que escritores, até reconhecidos pela sua generosidade natural, não deixam, contudo, de ter alguns ódios de estimação centrados em confrades da mesma arte. E que exorcisam esse sentimento, com alguma frequência, em conversas mais íntimas, ou mesmo em escritos. É nítida, por exemplo, a antipatia intelectual que George Steiner consagra a E. M. Cioran. Ou a que Cioran, por sua vez, dedicava a Albert Camus. É conhecida a pouca simpatia que Jorge de Sena tinha por Manuel Bernardes, e que considerava pouco inteligente; ou por António Ferreira, que achava um poeta menor - e, aqui, estou quase de acordo com Sena.
René Char (1907-1988), que dedicava uma enorme estima humana e literária a Albert Camus e Saint-John Perse, desprezava, intelectualmente, Valéry e não apreciava nada Aragon. Li, há pouco tempo, um pequeno episódio, narrado por Jean Pénard ("Rencontres avec René Char", 1971), que passo a citar: "...René Ménard n'a décidément pas de chance. Il compare Rafael Alberti à Federico García Lorca. Emportement imédiat de Char: «Comment pouvez-vous les mettre l'un prés de l'autre? García Lorca avait le chant. Alberti ne l'a jamais eu.» Il prononce ces mots avec violence et gravité. ..."

Pelos 74 anos de Philip Glass


Bibliofilia 40 : Francisco Dias Gomes



Creio que já o disse, aqui, no Arpose: o interesse e a fortuna bibliófila de um livro não acompanham, necessariamente, a sua qualidade literária. Um caso exemplar são estas Obras Poeticas de Francisco Dias Gomes..., impressas pela Academia Real de Ciências, em 1779. Este livro da "riquíssima biblioteca de Victor M. d'Avilla Perez" que integrou o leilão nº 75 (lote 2352) de Arnaldo Henriques de Oliveira, em Outubro de 1939, foi arrematado por Esc. 16$00 - que era muito dinheiro, nessa altura. O lote ostentava a indicação: "Muito apreciado e já pouco vulgar". E tinha aposto o ex-libris do conhecido bibliófilo.
A poesia de Francisco Dias Gomes (1745-1795) é, francamente, medíocre, mas as notas do autor, que a acompanham, são copiosas, eruditas e, por vezes, muito interessantes. O volume, na minha modesta opinião, salva-se por isso e, talvez, porque a tiragem não terá sido grande, tendo sido feita em bom papel, também. Comprei-o nos anos oitenta, do século passado, num leilão, em Lisboa, por Esc. 2.800$oo, ou seja, cerca de 14,00 euros.

domingo, 30 de janeiro de 2011

François-Adrien Boieldieu (1775-1834)


P. S.: para MR.

Al Mu' tamid (1040-1095)


Tudo tem o termo p'ra que corre,
Como os seres a própria morte morre.
O destino tem a cor de um camaleão
Que é variável de seu próprio estado,
Somos jogo de xadrez em sua mão:
Perde-se, talvez, o rei por causa do peão.
A terra fica erma, o homem enterrado.
Este mundo vil nunca responde
Ao enigma do Além: Agmat o esconde.

Al-Mu'tamid

Nota: Al-Mu'tamid nasceu em Beja (1040), veio a governar Silves, e Sevilha. Derrotado e exilado, acabou por morrer em Marrocos (Agmat), em 1095, onde escreveu sentidas elegias e o seu próprio epitáfio. A tradução do poema deve-se a Adalberto Alves, e está incluido na antologia "O meu coração é Árabe" (Assírio e Alvim, 1987).

Umm Kulthum

Por razões conhecidas, o Egipto está na ordem do dia. Oxalá (que vem do árabe, e quer dizer queira deus) que para bem, no futuro. Egipto lembra-me Nasser, mas também Umm Kulthum, no que diz respeito ao séc. XX. A cantora (contralto) Umm Kulthum (1898-1975) foi para o Egipto, o que Amália foi e é para Portugal. Ainda hoje a cantora, nascida no Egipto, é considerada uma das maiores cantoras do mundo árabe. Quando morreu, a 3 de Fevereiro de 1975, fizeram-lhe funerais nacionais que foram acompanhados por milhares de populares.

A obra de arte, segundo W. H. Auden


"...Uma vez mais, embora o poeta fale como uma pessoa, ele não é um anjo desencarnado, mas um membro individual da espécie humana, nascido num tempo particular e num lugar próprio. Única que ela seja, cada obra de arte genuína, comporta duas qualidades, Permanência e Presença. Por Permanência quero significar que ela continua a ser relevante para a experiência humana muito tempo depois do seu criador e da sociedade, a que pertenceu, terem desaparecido. Por Presença, eu quero dizer aquelas características da linguagem, estilo, pressuposições acerca da natureza do universo e do homem, etc., que permitem a um historiador de arte, pelo menos, poder datar, aproximadamente, a época em que foi feita. ..."

W. H. Auden, in Secondary Worlds (pg. 115), Faber and Faber, 1968.

O Baú dos Brinquedos 4

Depois de apresentar o nosso "tinoni", e antes de passar para as viaturas maiores de madeira, resolvemos introduzir a garagem. Ainda existem em algumas cidades, embora pouco visíveis, as garagens para recolha de viaturas.
Quem não gostaria de ter uma pequena garagem, como a da imagem, à porta de casa ?
Post de HMJ

sábado, 29 de janeiro de 2011

Salomone Rossi (1570-1630)

Citações LVIII : Jean Cocteau


" A poesia é indispensável; se, ao menos, eu soubesse a quê! "

Jean Cocteau, citado por Ernest Fischer.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Para um Aniversário, festejado mais tarde


Os anos restringem. Isolam, quase sempre. Afunilam os horizontes - até visualmente. Mas concentram, muitas vezes, os sentimentos, e fazem florescer a generosidade. Mesmo que haja exigência própria e alguma acidez natural, de uma das partes - eu, pecador, me confesso. Mas reencontrar verdadeiros Amigos é sempre uma Festa. A raposinha de Antoine Saint-Exupéry sabia-a toda...

P. S.: para Mª. H. N. e H. N., afectuosamente.

Revivalismo Ligeiro IXL : Um single perdido no tempo





Quando estive pela primeira vez na Alemanha (Ago-Set. 1963), em Bona, o grande sucesso de vendas de música ligeira era o single que se mostra na imagem, e que comprei na altura, cantado por Charlotte Marian. A canção "Casanova Baciami" teve, até, algum sucesso internacional e chegou a ser cantada pela Petula Clark. O que prova que a supremacia" estética" dos prussianos é mais cosmopolita que o barroquismo infanto-trágico-romântico dos bárvaros (da Baviera). Não consegui encontrar a versão nem da Charlotte Marian, nem da Petula Clark, e por isso vai esta versão, porventura menos boa, de Lil Malmkvist.

P. S.: para HMJ.

Pelo aniversário da morte de Yeats


A Drinking Song

O vinho chega-nos à boca
E o amor ao olhar;
É tudo o que sabemos na verdade
Antes de ser velhos e morrermos.
Ergo o copo até à boca,
Ollho para ti, e suspiro.

1910
W. B. Yeats (1865-1939)

Comic Relief (22) : 2ª Volta


Nota: com a devida vénia a JH e ao Inimigo Público do jornal "Público".

Leituras Antigas XXVI : Petit Larousse



De todos os livros que tenho, este "Petit Larousse" foi aquele que mais justificou o seu preço, e melhor se pagou a si mesmo, pelas milhares de vezes que o consultei. E ainda consulto.
É a edição de 1959 e custou, na altura, Esc. 225$00, i. e., cerca de 1,13 euros. Foi também a minha primeira Enciclopédia pessoal. A epígrafe deste volume é: "Je sème à tout vent", inscrita na lombada. Tem 1.798 páginas, para além de inúmeros mapas e ilustrações a cores. Se se pode dizer que alguns homens têm afecto aos livros, eu diria que, da minha biblioteca, é a este volume que consagro mais estima e afecto.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Gomes Freire d'Andrade





Gomes Freire d'Andrade nasceu a 27 de Janeiro de 1757, em Viena. Como militar veio a servir Portugal, a Rússia onde se distinguiu pela bravura e recebeu várias condecorações, atribuídas por Catarina II; e a França, integrado na "Legião Portuguesa" criada por Junot, tendo participado na campanha da Rússia, levada a cabo por Napoleão Bonaparte. No regresso a Portugal, sob o governo militar do general inglês Carr Beresford, foi preso e acusado de conspiração contra a Monarquia, tendo sido enforcado no pátio da torre de S. Julião da Barra, a 18 de Outubro de 1817. A sua figura controversa inspirou a Sttau Monteiro a peça de teatro intitulada "Felizmente há luar!".

Há uns tempos, adquiri um livro de capa discreta (na imagem) em que aparecia o nome de Freire d'Andrade, escrito por um anónimo e que teria sido editado, pela primeira vez, em 1883. O seu nome era um chamariz, porque o volume era um libelo denso contra os malefícios da influência inglesa, em Portugal. E era uma reedição de 1942. Pela tarjeta colada, discretamente, na 2ª página, percebi que se tratava de propaganda nazi-alemã, a fim de conquistar adeptos ou provocar rejeição à Inglaterra, no período aceso da II Grande Guerra. Há muitas maneiras de matar moscas...

P.S.( muito posterior) : às visitas sorrateiras e caladas que vierem consultar este poste, para efeitos escolares, ou para surripiar a imagem-gravura de Gomes Freire d'Andrade, aconselho vivamente que leiam integralmente, em livro, a peça "Felizmente há luar" de L. Sttau Monteiro. Será muito mais útil, proveitoso...e honesto.

Recomendado : dez - Crónica do Condestável

É, no mínimo, curioso, este livro impresso em Madrid, pelo ano de 1640. Foi escrito por Rodrigo Mendes da Silva (Lusitano), português ao serviço da corte espanhola de Filipe IV (terceiro de Portugal). Se é um facto que o volume terá sido editado meses antes da Restauração de Dezembro de 1640, são também notórios os enormes elogios que o autor faz a Nuno Álvares Pereira. Que, como se sabe, venceu tantas vezes os espanhóis, nas batalhas que com eles travou. A crónica pouco adianta, em factos novos, ao já existente e conhecido, mas acrescenta, em detalhe, elementos sobre a descendência europeia do Santo Condestável.
Esta reedição (Outubro de 2010) foi coordenada pelo Prof. Dr. Fernando Cristovão e foi impressa pela Esfera do Caos, editora. Além da reprodução fac-similada, o livro apresenta uma tradução da Crónica "Vida e Feitos Heróicos do Grande Condestável" para português.

Para JP, com os melhores votos


No aniversário de JP, esta gravura do Codex Manesse (séc. XII-XIII), que ilustra o serviço, ética e ideais dos Cavaleiros. Parabéns, JP!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Democracia e Responsabilidade


No próprio dia das Eleições Presidenciais, 23/1/2011, fiz-me eco no Arpose ("As novas corporações: psicólogos e informáticos") das dificuldades, ridículas, que muitos eleitores não conseguiram ultrapassar para votar, decorrentes da dicotomia Cartão do Cidadão/ Cartão de Eleitor. É evidente, pelo menos para mim, que esta anomalia não se devia à eventual sobrecarga, mas à implantação de um programa informático desadequado da realidade previsível. O erro, até que me provem o contrário, deve-se à equipa de informática ( do Governo, ou não) que o implementou, com a incapacidade profissional e responsabilidade correspondente.
Ontem, o Ministro da Administração Interna pediu desculpas no Parlamento e anunciou a abertura de um inquérito, para apurar responsabilidades. Hoje, pelas notícias, soube que o Director-Geral da Administração Interna e o Director de Administração Eleitoral pediram a sua demissão em virtude dos erros e anomalias verificados nas recentes eleições. Até aqui, considero que houve um procedimento correcto, e que só honra a Democracia portuguesa.

Mas agora, pergunto: e a inefável equipa informática fica na mesma?

Osmose (7)

Como um menino mimado, ele estava à espera de reconhecimento, quando interpretou ao piano, de forma muito empenhada e sentida, autêntica nos seus recentes nove anos, o "Für Elise" de Beethoven. Não sabia que os adultos têm outras conveniências, razões e disfarces, uma crueldade mais sofisticada. Por isso, achou as palmas poucas, a emoção distante, ou nenhuma. Só muito mais tarde, compreendeu.

Christina Rossetti (1830-1894)


Canção

Quando eu morrer, meu bem amado,
Não cantes canções tristes para mim;
Não plantes rosas na minha cabeceira,
Nem ciprestes sombrios:
Sê tu a verde relva sobre mim
Com breves aguaceiros, pequenas gotas húmidas.
E se quiseres, lembra-te,
E se quiseres, esquece.

Eu não verei as sombras,
Nem sentirei a chuva;
Não poderei ouvir o rouxinol
Continuar, dorido, a cantar:
E, sonhando pelo crepúsculo
Que não desaparece, nem levanta,
Talvez, por acaso, me recorde,
Talvez me possa esquecer.

Christina Rossetti, 1848/1862.

A Batalha de Montjuic

Por razões afectivas, há duas comunidades autonómicas espanholas, que se sentem, ou nós sentimos, mais próximas de Portugal do que de Castela. Refiro-me à Galiza e à Catalunha. A raíz comum do galego-português na poesia, no iño, nos sentimentos quase minhotos (Rosalía), na gastronomia, explicam, em parte, essa afectuosidade recíproca com a Galiza.

Da Catalunha, e do pouco que conheço, talvez a maneira de ser que é menos alacre e orgulhosa ( e não estou a falar de sentimento de independência que os catalães têm arreigado) do que a castelhana, a recordação do Condestável D. Pedro, filho do homónimo português das-sete-partidas, que lá foi rei. Mas os portugueses devem, também, em parte, à Catalunha, a sua re-independência de 1640. Porque os dois movimentos independentistas ocorreram no mesmo ano (1640), na Catalunha com els segadors (os ceifeiros) e, em Portugal, com boa parte da nossa nobreza. E Filipe IV (terceiro de Portugal) teve que dividir as suas tropas para tentar sufocar as duas rebeliões simultâneas, e Portugal ganhou com o facto.

Por isso, hoje, recordo a Batalha de Montjuic (26 de Janeiro de 1641), ganha por Pau Clarís, herói catalão que morreu pouco tempo depois. E a versão alargada do hino da nação catalã: Els Segadors, em homenagem aos campesinos que iniciaram a revolta, no séc. XVII.

P. S.: para os 3 Amigos prosimetronistas, que andam por terras de Espanha.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Virgínia Woolf

Correndo embora o risco, pela quase sucessão dos últimos postes, de o Arpose parecer excessivamente british, não queria deixar de lembrar Virginia Woolf (1882-1941), cujo aniversário de nascimento (25/1) passa hoje.
Faço-o com as imagens do seu retrato pintado pela irmã, Vanessa Bell, e da capa da sua obra que prefiro: "Orlando - A Biography", traduzido, para a Colecção Miniatura (nº 136), exemplarmente, por Cecília Meireles. A escritora brasileira fez também uma pequena introdução que antecede o prefácio de Virginia Woolf. A quem não conheça, recomendo.

Música e Poesia XXXII : Karl Jenkins

Este excerto coral está integrado na obra "The Armed Man : Mass for Peace" de Karl Jenkins (1944), compositor galês, e foi dedicado às vitimas do Kosovo. A letra fala do regresso a casa, dos sobreviventes.

Somerset Maugham : "uma secreta primavera"


Somerset Maugham, inglês, formado em medicina, mas conhecido sobretudo como escritor e dramaturgo, nasceu a 25 de Janeiro de 1874. Foi um escritor de referência, na minha juventude. O primeiro livro que li dele, "The Moon and six-pence" ( "Um gosto e três vinténs", traduzido na Colecção Miniatura, nº 49), em parte baseado na vida de Gauguin, deixou-me uma impressão tão agradável que fui comprando, ao longo do tempo, todos os livros que podia, de Maugham. Esse primeiro livro, que li aos 14 anos, foi-me recomendado por um professor de Inglês, no liceu, de nome Fabião, e que mais tarde vim a reencontrar, na Faculdade de Letras de Lisboa, como professor de holandês. Na Faculdade, também, havia uma obra de Somerset Maugham, de leitura obrigatória - não me recordo é do título. Para lá das peças de teatro, contos e romances, Maugham escreveu ainda livros de reflexões e memórias: "Points of view", "The Summing-Up", entre outros. Deste último, que é uma espécie de balanço da sua actividade de escritor, passo a traduzir o início do capítulo XLVI, da edição da Penguin Books de 1963 (pg. 116):
"Sou escritor, como poderia ter sido médico ou advogado. É uma profissão tão agradável que não surpreende que um vasto número de pessoas a tenha seguido, mesmo que não tenham especiais qualificações para a exercer. É excitante e variada. O escritor é livre de escrever onde quer que seja e na altura que escolher; pode permitir-se preguiçar se se sentir adoentado ou com falta de inspiração. Mas é também uma profissão que tem desvantagens. Uma delas é que, embora o mundo todo e cada homem nele, e todos os pontos de vista e acontecimentos sejam a sua matéria-prima, o escritor só poderá abordar aquilo que corresponde a uma secreta primavera que está nele. A mina é incalculavelmente rica, mas cada um de nós apenas pode retirar uma pequena parte desse minério. Por isso, no meio da fartura, o escritor pode morrer de fome. ..."

Citações LVII : João Pedro Ribeiro


"Não basta escrever História em boa phrase, mas he necessário que o fundo della seja exacto."
João Pedro Ribeiro (1758-1839).

P. S.: para JAD, dois dias depois.

Liszt por Ashkenazy : "Fogos fátuos"

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Percursos Literários : Londres e Peter Pan





Por feliz acaso adquiri, há uns tempos, o livro cuja imagem encima este poste, e que faz referência aos locais do Reino Unido por onde andaram e viveram artistas e escritores britânicos.
Por outro lado, a minha zona londrina de referência, e onde sempre me hospedei, fica num perímetro que vai de Notting Hill a Bayswater Road e Queensway. Por razões objectivas e pragmáticas: melhor conhecimento dessa área, transportes, proximidade do Hyde Park. Mas também porque nunca costumo perder a oportunidade de ir ao mercado de Portobello Road, aos sábados de manhã, nem à exposição-venda de artistas amadores, na Bayswater Road, na manhã dos domingos. Mas da leitura do livro "The Oxford Literary Guide to the British Isles" (1980) fiquei também a saber que, no nº 100 de Bayswater Road, foram escritas muitas das páginas da peça teatral "Peter Pan and Wendy", por Sir James Berrie, que lá viveu entre 1902 e 1909.
E que veio a dar origem, mais tarde, ao livro homónimo.

Subitamente, o "Sunshine award" 2011


Com inesperada e grata surpresa recebi do Blogue Memórias e Imagens, de Margarida Elias (a quem agradeço, reconhecido), o Sunshine Award 2011, que ela achou por bem atribuir ao Arpose. Devo passar - é essa uma das obrigações - o testemunho, que me foi conferido, a 12 blogues que eu aprecie. Por uma questão de autenticidade, conhecimento fundado e gosto, só poderei passar o troféu a 4, que são aqueles que visito diariamente, mas explicarei, ao mesmo tempo, a razão da minha escolha. Por ordem alfabética, aqui vão:
1. A Casa Improvável - pela sábia aliança entre música e textos;
2. do erro autográfico - pela irreverência criativa;
3. Memórias e Imagens - pela estética notável associada a citações bem escolhidas;
4. Prosimetron - pela diversidade estimulante dos seus postes.

Nota: é do regulamento que os escolhidos façam, por sua vez, a sua própria escolha, e a publicitem, avisando, os Blogues eleitos.

Salão de Recusados XXXIII : Fartos!


Os belgas perderam a paciência com os seus políticos, sejam eles de esquerda, ou de direita. Porque não se conseguem entender, para constituirem um governo estável e duradouro, mesmo que em coligação, desde Junho de 2010. Como atenuante, relativa, há o facto de que, para além da dicotomia Esquerda/Direita, há ainda uma outra divisão: flamengos e valões. A situação política de não haver governo, raia o absurdo. E os belgas estão fartos.
Já fizeram uma manifestação pacífica de cerca de 30.000 pessoas, em Bruxelas (onde havia valões e flamengos, à mistura), para gritar, bem alto: "Queremos um Governo!" E até houve uma sugestão original de protesto, da parte do actor belga Benoit Poelvoorde, que incentivou os seus concidadãos a deixarem crescer a barba, até os políticos se entenderam para formar governo. Se calhar, até o rei Alberto II e o Rampuy vão aderir, porque já devem ter perdido a paciência. Coitados dos barbeiros belgas que, se a ideia pegar, vão ter muito menos clientes...

P.S.: para a Rosane e para o Gerhard, afectuosamente, e com os melhores votos.

Rescaldo


Dos discursos da noite de ontem, retive algumas palavras e o tom de dois deles.
Um, teve a dignidade e grandeza do vencido; o outro, a acrimónia da vendetta (como aliás um comentador político referiu) e o horizonte pequenino do ajuste de contas.
Como diz o povo, sabiamente: "Se queres ver o vilão, mete-lhe a vara na mão."

domingo, 23 de janeiro de 2011

As novas corporações : psicólogos e informáticos


Para lá de alguma mágoa política que este dia me deixa, e que saberei digerir, democraticamente, queria abordar um outro assunto que, também, se deverá e poderá relacionar com estas Eleições Presidenciais de 2011. Não quero, antes, deixar de reter e referir a enorme abstenção verificada de que, Rui Rio, tirou a conclusão lógica e clarividente: "...é preciso fazer uma ruptura com este sistema" (político). Mas vamos ao tema do título deste poste. Porque a vida continua...
Nos últimos 30/40 anos, em Portugal, houve 2 segmentos corporativos que ganharam evidência, grande visibilidade mediática e importância, i. e.: as corporações dos psicólogos e a dos informáticos. Deixemos os psicólogos para um outro dia. Os informáticos têm sido os gurus portugueses, nos últimos tempos, mais idolatrados. Mas têm sido, também, responsáveis, por exemplo, por chegarmos a uma dependência bancária, e nos dizerem: "Não temos sistema!"; e nós darmos meia volta e sair, sem resolvermos ou tratarmos aquilo que queríamos. Onde, a eficácia desse Banco? Na minha opinião, nenhuma, pelo menos na escolha da équipa informática por que optou. A sua eficácia ficou demonstrada, amplamente. Mas há que relembrar, também, aqui há uns anos, a ridícula telenovela da colocação dos professores, no consulado de Santana Lopes e ministério Bustorff, da Educação. Ou o Estado não sabe escolher os informáticos, ou os informáticos portugueses são, mesmo, muito maus e pouco eficazes. Valha a idolatria, analfabetismo informático dos portugueses, ou a sua falta de sentido crítico, em relação à informática. E fechemos o círculo, voltando ao princípio. Hoje, muitos dos eleitores portugueses não conseguiram votar. Até a ex-ministra Maria de Belém, para votar, foi obrigada a esperar para "desembrulhar" a dicotomia informática Cartão do Cidadão/ Cartão de Eleitor. Conseguiu votar, depois de 2 horas gastas para resolver a questão. Concluiria: o Governo deveria mudar, totalmente, a sua équipa de informática, ou os informáticos portugueses têm de fazer, rapidamente, um reciclagem de competências, eliminando o lixo abundante desta corporação.

Édouard Manet



Édouard Manet nasceu em Paris a 23 de Janeiro de 1832. Do seu quadro, porventura mais conhecido, Olympia (1863), cujo modelo foi Victorine Meurent, mostra-se um esboço prévio. A pintura remete, irresistivelmente, para a Vénus de Urbino, de Ticiano (1490?-1576), que se guarda nos Uffizi. E, de algum modo, para as Majas, de Goya (1746-1828), pintadas entre 1800 e 1803, de que se diz que o modelo terá sido a Duquesa de Alba. Edouard Manet morreu, em Paris, a 30 de Abril de 1883.

O Baú dos Brinquedos 3


Escolhemos do nosso baú - juntando os objectos da imagem - os brinquedos de lata. Curiosamente todos eles têm uma coisa em comum. Serviam para emitir sons e não ruídos como tem sido hábito ultimamente. Assim, a cornetinha é uma sombra frente às "vuvuzelas" recentes, o guizo não tem comparação com os gritinhos gravados das criancinhas nos telemóveis. O "tinoni" do carro parece suave, não podendo ser confundido com as modernas viaturas das campanhas eleitorais. A gaita de beiço não dava para incomodar a vizinhança.
No entanto, era assim que a pequenada se divertia e brincava. Os artefactos não escondem a alegria subjacente.
O que mudou, certamente, foi o espectáculo à volta que, infelizmente, confunde a emissão de sons com ruído e alarido indiscriminados.
Post de HMJ

Para um Domingo Alegre

P. S.: para MR, cordialmente.

sábado, 22 de janeiro de 2011

De "Uma Campanha Alegre"...



...um pequeno excerto, das palavras de Eça de Queiroz:
"...Portugal, não tendo principios, ou não tendo fé nos seus principios, não pode propriamente ter costumes.
Fomos outr'ora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Comprehendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sahir d'ella. Ficamos exactamente em condições identicas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outr'ora uma multidão pittoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vae buscar alegremente, ao meio dia, cantando o Bemdito; é uma classe inteira que vive d'elle, de chapéu alto e paletot. ..."

Eça de Queiroz, in Uma Campanha Alegre (pg. 31), Aillaud & Lellos, 1933.

Favoritos XLVII : Conan Doyle



Creio que o primeiro livro policial que li, terá sido um conto em que entrava Sherlock Holmes, de Arthur Ignatius Conan Doyle (1859-1930). Antes dele, houve Edgar Allan Poe (1809-1849) e, depois, S. S. van Dine e Georges Simenon - que fazem o meu quadrado perfeito em literatura policial, com alguns mais (poucos), em segunda linha.
Conan Doyle nasceu em Edimburgo, a 22 de Maio de 1859, de pais irlandeses. Foi oftalmologista, escritor, e morreu a 7 de Julho de 1930, de ataque cardíaco. Dizem que as suas últimas palavras terão sido para a sua segunda mulher. Terá dito: "You are wonderful!" Eu sempre achei que Sherlock Holmes era um detective romântico...

Em louvor do Peneireiro



Nos jornais, recentemente, li que o francelho ou peneireiro das torres foi reintroduzido nos ares e céus de Évora. Fiquei contente, porque gosto muito de Évora e não gosto menos destas pequenas aves de rapina. Mas Évora foi apenas pragmática e natural, na resolução de um problema citadino. No centro histórico da cidade abundam, para além do razoável, os pombos e os ratos. E o peneireiro "sabe tratar" deles...
O primeiro peneireiro das torres, ao vivo e em liberdade, que vi, foi - por incrível que pareça - no coração de Lisboa. Julgo que em 1999. Acoitava-se num enorme edifício devoluto, de memória sinistra. E, numa manhã de Verão, aqui há cinco ou seis anos, quando começavam a construir, nesse edifício, um condomínio fechado, pareceu vir despedir-se de nós, do alto duma chaminé já desactivada. Olhou-nos sobranceiro e, passados 2 ou 3 minutos, levantou voo, alto, e nunca mais apareceu. Apetece-me, sempre, pensar que terá ido para o arvoredo de Monsanto. Felizmente, teve sucessor, para alegria do nosso olhar.
Há três ou quatro anos, da varanda a leste, apercebi-me do voo alto, ao fim da tarde, duma ave inesperada que logo me pareceu de rapina. Com os binóculos, consegui identificá-la: era um peneireiro das torres, ou francelho, outrabandista. Mais tarde, compreendi que era uma família: um casal e uma cria pequena. E, por aqui, ainda ele tem Natureza que farte, bichos aos montes e horizontes largos. Por isso, também, e apesar deste outrabandista ser mais esquivo do que o citadino, voltou-me o contentamento, de os ver altos, no seu voo elegante e nobre de aves de rapina.
P. S. : para H. N., por variadíssimas razões.

Mozart por Heifetz

Creio que era Jascha Heifetz (1901-1987) que dizia, ironicamente, que, alguns dos ouvintes dos seus recitais, iam lá, não para o ouvir, mas para ver se ele se enganava nalguma nota. Heifetz foi criança prodígio, e notável violinista na idade adulta.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Eleições Presidenciais 1976 (VIII, e último)


Com absoluto respeito pelas regras que governam as eleições democráticas, encerra-se, hoje, a mostra de propaganda eleitoral para as Presidenciais, com execução gráfica, muita sugestiva, de Vitor Peón. As folhas de propaganda são de 1976, e esta é a última que se coloca, no Arpose. Amanhã, sábado, será dia de reflexão para o voto que se deverá exercer, no domingo, 23 de Janeiro de 2o11.

Adagiário XXVIII : Janeiro (3)


1. Por S. Vicente (22) alça a mão da semente.
2. Se o vilão soubesse o sabor da galinha em Janeiro, nenhuma deixaria no poleiro.

Setenta anos de uma Voz

Que me desculpem a vulgaridade de escolha da ária seleccionada que, aliás, é muito bonita. Por outro lado, não poderia esquecer os 70 anos de Placido Domingo.

Ilse Losa, de viagem


Até pouco depois de meados dos anos setenta e, com particular incidência, nos anos 50 e 60, a publicação de livros de viagens, por parte de escritores portugueses, era abundante. Estou-me a lembrar, por exemplo, de "Embaixada a Calígula" por Agustina, "Jornadas na Europa" de Urbano Tavares Rodrigues, "Descobri que era Europeia" de Natália Correia, entre outros livros.
A partir dos anos 80, creio, e muito embora o tema Viagens tenha ganho foros de alforria e destaque, até numa importante cadeira universitária ("Literatura de Viagens"), a edição deste tipo de livros decaíu, substancialmente. A Universidade, em Portugal, vai sempre muito atrasada em relação à realidade, habitualmente...
Entenda-se que, nos finais do séc. XX, as viagens se foram democratizando. Melhores salários, em geral, inter-rail para a Juventude, viagens aéreas low-cost, o programa Erasmus. Conhecer o estrangeiro passou a ser, quase, normal, até entre os jovens. Não falemos de Cancun ou da Praia das Galinhas, por uma questão de caridade cristã...
Em conclusão: o tema Viagens perdeu força e interesse, na leitura. Foi por isso talvez que, ontem, resolvi comprar, num alfarrabista amigo ( o Bernardo), um livro que desconhecia da bibliografia de Ilse Losa (1913-2006), escritora discreta, esquecida, mas que, afectuosamente, estimo. O livro intitula-se "Ida e volta, à procura de Babbitt", e fala de uma viagem aos Estados Unidos (1959) desta escritora nascida na Alemanha, de origem judaica, naturalizada portuguesa, que se fixou (1934) e casou, no Porto, com um arquitecto português, e de quem teve duas filhas. É também autora de histórias infantis muito interessantes e que revelem uma sensibilidade generosa e atenta aos outros.
O livro de viagens de Ilse Losa lê-se bem... Embora a surpresa ingénua da descoberta da modernidade da sociedade americana, que se nota na escrita de Ilse Lose, hoje, na época da globalização, quase nos faça sorrir. Julgo que este livro nunca foi reeditado. Mas estou a lê-lo, com muito agrado.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ao findar do dia, e para quem não saiba

Falei, no poste anterior, de Nuno Salvação Barreto (1929-1996), que chefiou muitos anos o Grupo de Forcados Amadores de Lisboa. Talvez nem toda a gente saiba que a sua companheira, nos anos 6o, era a fadista Teresa Tarouca (1941), hoje, um tanto ou quanto esquecida. Vi-os, muitas vezes, na desproporção enorme dos seus corpos (ela, pequenina, ele, corpulento), sair de uma casa, à noite, nas Avenidas Novas, por esses anos. O nome completo de baptismo da fadista é Teresa de Jesus Pinto Coelho Telles da Silva.

Eleições Presidenciais 1976 (VII)


A feliz imagem de autoria de Vitor Peón, na sua execução e traço, remete para uma cena do filme "Quo Vadis" (1951), de Mervyn LeRoy, baseado no romance homónimo de Henryk Sienkiewicz, na sua imaginativa adaptação à epoca conturbada do PREC, e de apoio à candidatura de Pinheiro de Azevedo à Presidência da República Portuguesa.
Ursus (o actor Buddy Baer, no filme) transforma-se em Pinheiro de Azevedo nesta pega de caras que, nas filmagens do filme de LeRoy, foi executada, na verdade, por Nuno Salvação Barreto, chefe de forcados português, corajoso e bem conhecido. Lygia, papel desempenhado por Deborah Kerr, no filme, é aqui a República Portuguesa. E Nero (Peter Ustinof), o imperador romano, é personificado pelo General Costa Gomes, na altura, Presidente da República, provisório.
A força física exuberante de Pinheiro de Azevedo, na imagem, não tinha correspondância exacta com a realidade. No dia do principal comício em Lisboa, no Pavilhão Carlos Lopes, o Almirante Pinheiro de Azevedo teve um enfarte, e entrou em coma, não podendo participar no evento, para grande consternação dos seus apoiantes. Creio que o comício não chegou, sequer, a realizar-se.

A República


Ainda no Centenário, esta República, com ar algo intransigente ou decidido, mas muito singular, de Leal da Câmara (1876-1948).

P.S.: para MR, naturalmente.

As imagens falsas


"A falsa imagem que fazem de nós próprios, é melhor não a corrigir. O elogio que nos fazem, ao lado, vale a calúnia. Deixemos o erro circular. Sobretudo não fazer desmentidos. A verdade acaba por prevalecer, um dia; ou talvez não, jamais. Que importa!"

E. M. Cioran, Cahiers, 1957-1972 (pg. 450), Gallimard, 1997.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Um rapaz da Moody's


Aqui há uns tempos, ao falar das agências de rating, uma espécie de cáftens (ver Houaiss) da nossa global sociedade, traduzi Moody's, em português literal, por "dos mal-humorados". Mas, hoje e pela primeira vez, tive oportunidade de ver um dos seus rapazes, na TV. Parece que é sub-director, e dá pelo nome de António Tomás (Anthony Thomas) - o que me tranquilizou. É certo que é um pouco monossilábico, parece dizer, mas diz pouco ou nada. É loiro e parece frio - como diz o poema - e, à primeira vista, parece um pouco anoréxico, no aspecto físico. Se ele cá passasse um mês, em Portugal, melhoraria o seu look, com certeza. Dieta mediterrânica e sol, dar-lhe-iam um aspecto mais agradável. E aperceber-se-ia da economia real portuguesa ( de que ele falou, não falando, na TV), com mais propriedade. Mas o que mais me tranquilizou neste rapaz loiro da Moody's foi o nome: António Tomás. O que indicia, seguramente, uma ascendência plebeia pura - graças a deus! Em Portugal, quando o apelido é um nome, isso significa, normalmente, que a gleba está próxima, e os pais do detententor, vieram do campo. A menos que fossem reis, que só costumam usar nomes próprios (o que não será o caso do jovem António Tomás, com certeza).
Entretanto, com Moody's ou sem Moody's, parece que a economia portuguesa vai indo um pouco melhor. Pelo menos, as subscrições do Tesouro foram colocadas a 4%. Valha-nos deus, e quem acredita nos portugueses.

(este poste vai dar uma trabalheira para o Google traduzir, convenientemente..."Dá-lhes trabalho, dá-lhes trabalho!..."- como dizia o João César Monteiro.)

O hábito faz o monge


Os campos iluminados de verde natural davam lugar, de vez em quando, a tufos extensos de azedas amarelas e outros, bem mais pequenos, com manchas de flores brancas e simples, anónimas de que nem sei o nome. Ao sol, parecia Maio ou Junho, pela quentura amena, mas os charcos não deixavam enganar, que ainda estávamos em Janeiro. Pareciam pequenos lagos sucessivos, onde pequenos pássaros vinham beber, talvez uma ou outra avoceta (pareceu-me) e, mais raramente, uma gaivota, que viera de mais longe.
Os nomes estranhos sucediam-se: Pedrulhos, Matos Velhos; até havia uma Gibraltar, pequena aldeia que nem sequer ficava à beira-mar. Uma placa indicava, ao longe, Varatojo, onde António da Fonseca Soares (1631-1682), depois de muita aventura e licenciosidade, se veio acoitar e transformar em Fr. António das Chagas, barroco, a sermonar, e poetando, nas horas que os ofícios divinos lhe deixavam livres. Depois, A-dos-Cunhados onde eu bivaquei a céu aberto, em 1968, vindo de Mafra, na semana de campo da recruta.
Mas entre a Praia Formosa e Caixeiros, numa pequena localidade de que esqueci o nome, 2 clones, que pareciam gémeos, iguaizinhos aos que vejo no Chiado ou no Rossio, atravessaram-se-nos à frente, pela passadeira de peões da estrada. Com o seu corte de cabelo bem alinhado, o cinzentismo dos seus fatos, as suas sempre estandardizadas gravatas. São tão inconfundíveis como as testemunhas de Jeová, embora estes apologéticos vistam muito mais modestamente. Os clones vinham do BPI, porque uma colega lhes disse qualquer coisa, gritada, da porta da dependência bancária, do lado esquerdo da rua. Bancários, gestores, CEO's vestem, quase sempre da mesma maneira, sem grande imaginação, usam corte de cabelo igual (devem ir ao mesmo barbeiro), usam calçado, sempre, do mesmo formato - as "fardas" são iguais, no serviço: "o hábito faz o monge". É facil conhecê-los à légua.
O mar estava bravo na Praia Formosa, mas não em marés vivas. E as falésias cor de cobre - douradas que pareciam pelo sol - belas, altas, majestosamente assimétricas: nenhuma igual à outra. Apetecia ficar por ali, com o sol a aquecer-nos as costas, só a olhar o mar nas suas ondas cíclicas de espuma branca, quebrando na praia deserta.

Pelo aniversário de Eugénio de Andrade


Coração Habitado

Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.

Ponho neles a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.

Alguns pensam que são as mãos de Deus;
- eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.

Não lhe toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva!
São o primeiro homem, a primeira mulher
E amanhece.


Eugénio de Andrade, in Até Amanhã.


Nota: Eugénio de Andrade nasceu em Póvoa de Atalaia (Fundão), a 19 de Janeiro de 1923.