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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Do que fui lendo por aí... 23


O que faz de Oliveira Martins (1845-1894) um caso e pessoa singular da geração de 70, é o facto de ter exercido, ao longo da sua vida, algumas funções de direcção e gestão em empresas privadas, apesar de ser um autodidacta. Assim a sua ancoragem na realidade e a sua experiência foi sendo feita de situações concretas e de problemas práticos a resolver, no dia a dia. Isso não prejudicou, antes enriqueceu, a sua obra de intelectual.
Mas, por outro lado, talvez tenha deixado a marca e o rasto, da economia e dos números, em alguns dos livros que foi publicando.
Ando a ler A Inglaterra de Hoje (1893). E, em abono do que disse acima, vou transcrever, desta sua obra, dois pequenos excertos amplamente comprovativos desse facto referido atrás. 
Seguem:

" Ouvia o palpitar gigantesco, o trovão surdo do movimento n'essas vinte mil ruas que tem Londres, e medem tres mil milhas, e dão acesso a novecentas mil casas, e correm por ellas rios de gente em mais de dez mil cabs, fóra um milhar de tramways, fóra dois milhares de omnibus, fóra as estradas ferreas de accesso, e o underground que vae a toda a parte debaixo das ruas. Só cocheiros e conductores, ha um exercito de trinta mil homens. Só na City, amendoa d'este immenso fructo chamado Londres, creada com a substancia do mundo inteiro: só na City, entram por dia, todos os dias, salvo os domingos, noventa mil vehiculos e mais de um milhão de pessoas. E n'um raio de seis ou sete milhas, a partir de Charing Cross, ha dentro do perimetro de Londres mais de quatrocentos kilometros de vias férreas em movimento."
...
" Esta grande  colmêa (Londres) de gente voraz engurgita por anno dois milhões de quarters de trigo; oitocentos mil bois; quatro milhões de carneiros, vitellas e porcos; nove milhões de aves; cento e cincoenta mil toneladas de peixe; duzentos milhões de quarters de cerveja, trinta de vinho, vinte de aguardente, que é o lume com que internamente se aquecem, queimando doze milhões de toneladas de carvão para se aquecerem contra o frio do ar, para se servirem, para se agitarem, transformando o lume em vapor, no seio de um ambiente hostil."


domingo, 1 de setembro de 2013

Algumas palavras de J. P. de Oliveira Martins (1845-1894)


"...Somos progressistas e somos provincianos.
Que valor teem estes dois adjectivos? Que laço de união os liga?
Pelo fundo das provincias, em todas as cidades e vilas afastadas, há um povo que, sem protestar ainda clamorosamente, murmura contra o desgovêrno em que vivemos. E em cada terra se encontra um grupo maior ou menor de homens cultos que, interpretando os rumores e queixumes do povo, apontam os motivos, dão as razões e esperam ansiosamente por um novo apelo às energias nacionais. Êsses homens sabem que a anarquia e a corrupção levam as nações ao destino que foi o nosso em 1580.
Dispersas essas vontades, sem coesão essas forças, ficam impotentes contra o scepticismo profundo que lavra na capital. Os homens de boa-fé escondem-se, absteem-se, principalmente nas grandes cidades onde se tornou moda não querer saber de política. ..."

Oliveira Martins, in Dispersos (pgs. 108/9).  

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Oliveira Martins, em louvor da mulher minhota


No seu "Portugal Contemporâneo", Oliveira Martins (1845-1894), no capítulo que dedica ao movimento e sublevação da Maria da Fonte, tece algumas considerações sobre as características das mulheres minhotas que, embora pecando pela generalização excessiva, não deixam de ter algum fundamento. Demos, então, a palavra ao historiador novecentista:
"...No Minho, como em todas as regiões de stirpe celtica, a mulher governa a casa e o marido; excede o homem em audacia, em manha, em força; ara o campo e jornadêa com a carrada de milho á frente dos boisinhos louros. Requestada em moça nos arrayaes e romarias pelos rapazes que a namoram, conversando-a com as suas caras paradas, basta vêr um d'esses grupos para descobrir onde está a acção e a vida: se no olhar alegre, quasi ironico da moça garrida, luzente de ouro, se na phisionomia molle do rapaz, abordoado ao cajado, contemplativo, submisso, como diante d'um idolo. A vida de pequenos proprietarios põe na família uma avidez quasi avarenta e na educação dos filhos instinctos de governo. Quando se casam, as moças conhecem o valor do dote que levam, e os casamentos são negocios que ellas em pessoa debatem e combinam.
Não é uma esposa, quasi uma serva, que entra no poder do marido, á moda semita que se infiltrou nos costumes do sul do reino: é uma companheira e associada em que o espirito pratico domina sobre a molleza constitucional do homem desprovido de uma intelligencia viva. A mulher parece homem; e nos attritos da dura vida de pequenos proprietarios, quasi mendigos se as colheitas escasseiam, cercados de numerosos filhos, apagam-se as lembranças nebulosamente doiradas da luz dos amores da mocidade, e fica do idolo antigo um rudo trabalhador musculoso, com a pelle tostada pelos soes e geadas, os pés e as mãos coriaceas das ceifas e do andar descalça ou em soccos nos caminhos pedregosos, ou sobre a bouça de urzes espinhosas. Não se lhe fale então em cousas mais ou menos poeticas: já nem percebe as cantigas da mocidade no desfolhar dos milhos! ..."

J. P. Oliveira Martins, in Portugal Contemporaneo (pgs. 186/7), Parceria Antonio M. Pereira (1925).

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Palavras de Oliveira Martins


O pequeno excerto de Oliveira Martins (1845-1894), que vou transcrever, está incluído num texto mais longo, intitulado "O Ideal e a Política", publicado no jornal Província, de 7/9/1886. Segue:
"É facto resultante da larga observação da história que à existência dos povos não basta, não chegam para lhe dar vitalidade os instintos de conservação. É mister uma aspiração, ou, por outra, um ideal, que levante, congregue e tonifique o espírito dos cidadãos. Quando isto falta, as nações definham, a craveira da política baixa, a maré da corrupção sobe.
É obvio que assim seja. Falta nesse caso aos homens públicos um impulso, um estímulo que, ou lhes aqueça os instintos generosos, ou os obrigue a levantarem-se acima de si próprios. A política torna-se rotineira, a administração torna-se inepta, formiga o parasitismo, aparecem, como nódoas filoxéricas numa vinha, as nódoas da corrupção alastrando-se, levadas as suas sementes no ar pelas virações mornas da cobiça, da vaidade, da mesquinhêz de alma, filha do vazio da inteligência.
Perde-se a noção da realidade das cousas. Confunde-se a ferramenta com a manufactura, o instrumento com o fim, os meios com as obras; e em lugar da felicidade de um povo, como objectivo da política, põe-se a fortuna dos políticos. ..."

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

República : (2) Perspectivas e razões - Oliveira Martins


Na sua pequena brochura "Bosquejo da História de Portugal", editada pela Biblioteca Nacional (2ªedição, 1923), António Sérgio (1883-1969) socorre-se de palavras de Oliveira Martins (1845-1894), para sintetizar alguns erros da Monarquia. Assim:
"...uma sociedade vivendo de recursos estranhos ou anormais, e não do fruto do seu trabalho e economia. Porque enquanto o scenário do fomento dava a Portugal a aparência de um país rico, o facto é que a balança económica acusava um deficit sempre crescente e de alcance inverosímil quasi. Como se sustentava, pois, o castelo português? De um modo simples: 1º, suprindo a escassez do trabalho interno pelos subsídios oficiais, salariando a ociosidade e pagando-a com o produto de empréstimos; 2º, saldando anualmente a conta económica da nação com a exportação de gado humano. Outrora vinham quintos do Brasil para o tesouro, hoje veem saques para particulares. ..."