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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Mercearias Finas 97


Quando algumas mulheres começam a azedar nessa altura da vida, ao contrário, este clarete Camarate (de José Maria da Fonseca), com 46 anos, enfraquecido embora, mantinha  um equilíbrio assombroso para a idade. E um gosto de outras eras.
Esta colheita de 1969, com 12º, de Azeitão ("O vinho de Azeitão não é vinho, é vinhão."), de uvas prováveis da casta Castelão, tinha-o eu provado em 1980, pela penúltima vez, em S. João do Estoril, no mês de Junho, num jantar improvisado. Na altura - lembro-me - achei-o um pouco delgado. Também eu era mais jovem...
Assim, resolvi, algo céptico em relação ao conteúdo, dar a estocada final na derradeira garrafa que ainda restava, na garrafeira. Há dias, limpei-lhe o pó e, durante 36 horas, deixei-a de pé, cortando apenas o metal do gargalo encapsulado. Humedeci, na altura, a parte superior da rolha e deixei secar. Abri-o, depois, decantei-o e deixei o clarete a repousar.
Ontem, foi o esplendor, que dá a idade de um vinho de nobre linhagem.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Apontamento 45: A adaptação aos "novos tempos"



Por vezes, um “banho de realidade” com todo o desconfortante e decepcionante vale mais do que mil explicações. Acontece que umas viagens pelo país real nos fornecem, sobretudo aos forasteiros minimamente atentos, uma visão mais aguda do desenvolvimento perverso dos últimos anos que foi criando dois países paralelos, o das estatísticas e o outro, “de carne e osso”.

Voltei, hoje, a um palácio classificado pelo IGESPAR, chamado Quinta das Torres, situado no meio de uma mancha florestal admirável, à saída de Azeitão. A visita tinha por objectivo reencontrar um lugar onde “outrora”, ou seja, há uns anos largos, os nossos visitantes tinham sido felizes, apreciando, sobretudo, a singularidade do lugar e a diferença cultural que apreciaram.

Nesse passado, aparente longínquo, funcionava, no dito Palácio, uma Estalagem e, designadamente, um restaurante. Servindo almoços e jantares, num espaço soberbo virado para o “lago, com frescos, em forma de tempietto”, segundo a informação do IGESPAR, comia-se bem, com produtos da terra e empregados locais, atentos e educados. Sem preços exagerados, era um lugar onde se aliava o bem-estar a um ambiente marcadamente tradicional, no bom sentido do termo, que marcaria, de forma indelével, a diferença cultural dos países da Europa, mesmo durante uma estadia breve. Facto é que o nosso visitante de outrora quis voltar ao mesmo lugar !

Embora tivesse alertado os meus visitantes para o facto de o “país paralelo” dos mercados ter provocado muitos estragos, designadamente naquilo que mais nos distinguia, geográfica e culturalmente, dos restantes países da Europa, eles insistiram em voltar ao tal “lugar de excepção”.

Assim foi. Subimos a álea de acesso ao palácio, rodeado de uma vegetação frondosa. Reparamos logo no abandono e desleixo completo. No espaço fronteiriço, nem vivalma, apenas um portão entreaberto para o pátio interior, com dois cães, pachorrentos, a olhar para os forasteiros. Ainda houve tempo para apreciar, como outrora, as laranjeiras e o espaço. Surgiu-nos, então, uma daquelas figuras sobejamente incaracterísticas do “outro país” paralelo. Uma criatura, vestida de fato preto, com listas turquesa, como novas “trolhas” do patrão, a saber ao que vínhamos. Se nos servissem um almoço ou um jantar, como outrora, ficaríamos, com muito gosto e prazer.

Ah! Não, o restaurante já fechou, há quatro anos, e “adaptamo-nos aos novos tempos [sic]”, agora é só para grupos e outras coisas quejandas. Deixou, no entanto, um recado final muito explícito: “os senhores não podem circular, nem tirar fotografias”! No entanto, como a lembrança do passado foi mais forte, os meus acompanhantes ainda tentaram ver o lago. Qual quê ! Veio logo a “megera”, dando ordens para abandonar o lugar, sublinhando que não podiam tirar-se fotografias, claro está, de telemóvel na mão, em jeito de ameaça!


Obviamente não foi preciso explicar mais demoradamente aos meus visitantes que o “país da estatística, do empreendedorismo, do mundo financeiro”, afinal, a “tal adaptação aos novos tempos” tinha dado resultados. A destruição do genuinamente cultural deu lugar ao abandono completo, entregue a umas criaturas sem porte nem cabeça, porventura à espera do próximo “investidor gold” para arrasar o que ainda resta.

Os meus visitantes ficaram tristíssimos. E o país perdeu, definitivamente, como aliás, “nós por cá” sabemos perfeitamente.

Post de HMJ

sábado, 11 de setembro de 2010

Mercearias Finas 16 : fígados e a Quinta das Torres


A Quinta das Torres, cujas edificações, de estilo renascentista, datam da segunda metade do séc. XVI, está situada próximo de Azeitão. O conjunto arquitectónico, lago e jardins envolventes foram, ao que parece, idealizados por D. Diogo d'Eça. São uma espécie de Palácio da Bacalhôa menos sumptuoso. Além disso, há na Quinta das Torres um acervo de azulejos, com motivos da Eneida, muito belo. Funciona, desde há anos, como estalagem e restaurante.
A Quinta, no entanto e neste caso, é apenas o ponto de partida para abordar uma especialidade culinária que aprecio muito: fígado e, no caso particular, fígados de aves. Foi lá que almocei, há uns bons anos, uns magníficos fígados de aves acompanhados, creio, por um branco "Catarina" produzido, maioritariamente com Chardonnay, na Quinta da Bacalhôa. À sobremesa, o inevitável queijo babão de Azeitão, servido à colher. De fígados de aves, ainda me sirvo e escolho, no restaurante adstrito ao C.N.C., perto do Chiado, sempre que lá vou. Não será tão bom como o da Quinta das Torres, mas vale a pena prová-lo. Se se preferir vinho tinto, sugiro um "Maria Mansa" (da Quinta do Noval), se a opção for branco, o "Incantum" duriense porta-se com galhardia, com toda a certeza.
Mas passando do aéreo ao terrestre, sou também apreciador - quando bem feitas - de umas democráticas Iscas de Vitela. E mais. Num modestíssimo restaurante de Almada, que descobrimos e onde pontificam o Sr. Ribeiro e a Dª. Helena, senhora baixíssima mas alta cozinheira, provei, há cerca de dois anos e pela primeira vez, umas magníficas Iscas de Borrego. Laminadas na oblíqua, para lhes aumentar o comprimento. É raro haver, mas quando há, nunca as perco - são um autêntico manjar!
E, finalmente, aqui fica exarado para que conste, umas Iscas de Ganso, também laminadas e finas, preparadas pela vocação poética do meu grande Amigo António. Cortadas à fieira, grelhadas na chapa, com um polvilho de sal e pimenta - e a benção divina. Que requintada e excelente entrada!...

P. S.: obviamente dedicado ao António de Almeida Mattos.

sábado, 17 de abril de 2010

Mercearias Finas 6




O vinho foi por acaso. Não lhe gostava do nome: "Egoísta". O mesmo que o Casino do Estoril produz, em revista literária. Mas foi ele (o vinho) que me colheu, numa média-superfície destas novas igrejas ou catedrais de consumo. É nelas que, nas manhãs de domingo, os subúrbios, em vez irem à missa, vão às compras e se despejam em massas contínuas, ávidas, com a fome de séculos do campesinato pobre que a C. E. E. promoveu, ilusória e temporariamente. E de lá saem com os carros atulhados de sumos, cerveja, etc. Mas voltando ao "Egoísta" de 2005, tinto. O preço era jeitoso, mesmo para mim, que não sou grande apreciador de vinhos alentejanos tintos. Eu explico: sempre me dei mal com a casta de uvas "castelão" (ou periquita) - sabedoria de alguns anos de experiência feita: cai-me mal. E os vinhos tintos "alentejões" têm, muitas vezes, castelão ou periquita, este último nome tomado de uma quinta ("Quinta da Periquita"), na margem sul do Tejo, próxima de Azeitão. Que pertenceu a José Maria da Fonseca. Ora, este cavalheiro trouxe, em tempos já antigos, duma viagem que fez a França, alguns bacelos de Bordéus (castelão francês, também lhe chamam) e plantou-os na Quinta da Periquita. A casta é e foi generosa para com o viticultor. E, como era resistente e pródiga, cresceu, proliferou. Os vizinhos pediram-lhe cepas e ele, também generoso, foi dando. E a casta castelão (francês) foi inundando as Terras do Sado, o Ribatejo e o Alentejo. Em abono da justiça e verdade, os vinhos lotados com castelão, e mesmo os monocasta, são sempre sápidos e gulosos. Mas chega quanto a vinho tinto e castas de uvas.

Passemos a queijos de pasta mole, amanteigados, e de ovelha. Num pequeno supermercado, aqui à beira, enamorei-me, à primeira vista, dum queijo de Fornos de Algodres, de aspecto pejado e pródigo que me olhava da vitrine frigorífica, com os seus olhinhos interiores, pequenos e matreiros. Pesadinho, carote, mas não muito...Não resisti. E fiz bem. Em casa, casei-o, ao almoço, na sexta-feira, com o tal "Egoísta" do Alentejo. E foi casamento perfeito (vide Clássicos Sá da Costa) como o do Diogo de Paiva de Andrada. Quem me acompanhou, concorda. Eu recomendo. Vivamente.