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quinta-feira, 22 de abril de 2021

Recomendado : noventa



Creio que todos concordaremos que o JL já teve melhores dias. Graficamente, em textos, na qualidade dos seus colaboradores. Mas este último número dedica o seu dossiê ao soneto, como forma literária - uma boa lembrança sem dúvida, ao recordar também Sá de Miranda, como seu introdutor em Portugal. Claro que ao recomendar o jornal literário, eu terei de passar por cima de algumas bacoquices parolas que denunciam um certo terceiromundismo cultural. Como, por exemplo, este subtítulo pindérico, a propósito da poesia do poeta do Neiva: "E há uma reescrita em devir, com a sua reactivação artística no contexto performativo da música pop e rock" (pg. 7).

melhores agradecimentos a MR, pela dica amiga.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Em torno de uma fotografia


Por que se calam os poetas?
Eu diria que por várias razões, como dizia Camus, a propósito do suicídio, que ele apontava ter, normalmente, mais do que um motivo. Mas voltando à questão inicial, creio que os poetas emudecem por já ser ralo e intermitente o fiozinho de água que lhes resta (como disse, poeticamente, Vergílio Ferreira, por outras palavras), por amor ao silêncio (referido por Eugénio de Andrade, num arroubo confessional, em entrevista), mas por desencanto, também. E tão só pela simples desaparição física - método mais frequente e natural.
Pensei, hoje, em Antonio Gamoneda, em Echevarría, em Manoel de Barros, como poetas que me apetecia reler. Como poderia ter pensado em Sá de Miranda ou Ruy Belo. Porque me vão sempre dizendo coisas novas, apesar de os já ter lido muitas vezes. E também me lembrei de um Amigo.
A fotografia serviu apenas para fechar o círculo virtuoso.

para A. de A. M..

sábado, 9 de janeiro de 2016

A propósito do próximo leilão de livros


Como em qualquer sociedade secreta, a iniciação na atmosfera específica de leilões, sobretudo de livros antigos, raros e usados, cria no neófito alguma incomodidade, uma prévia timidez de não estar à altura destas cerimónias nem das suas regras ortodoxas, bem como uma certa insegurança, pelo menos, da primeira vez. Senti tudo isso, quando em 1976 (passam 40 anos, no mês de Maio próximo), decidi ir ao primeiro leilão de livros promovido por Arnaldo Henriques de Oliveira, ali para as bandas do Príncipe Real. Fui confrade iniciático, independente e sem ligação, é certo, se bem me lembro e mais ou menos por essa altura, com Helena Roseta, Jorge Couto (ex-director da BNP), Marcelo Rebelo de Sousa, Ferreira do Amaral (o volumoso ex-ministro cavaquista) e Pedro Roseta, que tinha sido meu colega de tropa - como diria Pessoa: "...tão jovens, que jovens eram..."
Desenganem-se os não experimentados, que basta ser prudente, observar as regras, dominar a emoção nos lances, para não cometer asneiras. Devo confessar que cometi algumas leviandades ingénuas, por amor aos livros... mas são erros passados de que pouco me arrependo. Que as obras ficaram comigo, até hoje.
Anuncia-se, para breve (1, 2 e 3 de Fevereiro de 2016), no Palácio da Independência (às Portas de Santo Antão), em Lisboa, mais um leilão de livros, manuscritos e gravuras, promovido pelo competente livreiro-alfarrabista José Vicente, com um rico acervo de várias proveniências. Enchem-me os olhos duas edições mirandinas que, felizmente, possuo: a 2ª edição (1614) de As Obras (lote 928) de Sá de Miranda (com uma estimativa de venda entre 1.000 e 1.800 euros) e a impressão Rolandiana de 1784, em dois volumes pequenos, com previsão de venda entre 50 e 100 euros, ambas encadernadas. Mas há mais que, por gosto pessoal, queria destacar, por lotes e preços previstos:
- 108. Azevedo, padre Torquato Peixoto d' - Memórias Resuscitadas da Antiga Guimarães, na sua edição primeva de 1845, feita no Porto, com uma indicação entre 40 e 80 euros.
- 668. Helder, Herberto - Poemacto, da Contraponto, edição original e rara (1961): 120/ 200 euros.
- 1169. Régio, José - Os Poemas de Deus e do Diabo (1925), na sua impressão inicial, com uma previsão de venda entre 800 e 1.600 euros.
Mas também há obras muito em conta, para neófitos. Não tenham medo!, pelo menos, de ir e assistir...

sábado, 19 de setembro de 2015

A flutuação e as vicissitudes dos clássicos


A propósito da citação do poste anterior, de Bulwer-Lytton, convirá sublinhar que a cotação dos clássicos, ou a sua importância, estará sempre sujeita a modas e às vicissitudes do tempo. Será que a nossa admiração actual pela obra de Bach seria a mesma, se Mendelssohn não tivesse recuperado as suas partituras, do limbo? Julgo que não. A reabilitação de Sá de Miranda muito deve aos trabalhos de Carolina Michaelis sobre as poesias do Poeta do Neiva. Trabalhos que mais tarde, em meados do século XX, foram prosseguidos por Pina Martins. E que ancoraram, poderosamente, no apreço que lhe dispensaram Jorge de Sena, David Mourão-Ferreira, Ruy Belo, Gastão Cruz... Cada geração recupera, quase sempre, gostos e tiques do passado, que respondem ou abordaram, noutras épocas, questões e problemas semelhantes aos do tempo presente.
Por isso me parece pertinente um texto que Malcom Schofield (TLS, nº 5867) dedicou ao filósofo estóico Séneca, de origem ibérica. E que, parcialmente, vou traduzir. Assim:
"Séneca tornou-se moda. O mercado foi inundado de novos livros sobre alguém que, na minha juventude, se dizia que fora um hipócrita, em vida, um filósofo de segunda ordem, o autor de absurdas tragédias irrepresentáveis ou dificilmente postas em cena, e, ainda por cima, durante vários anos o mentor do jovem imperador Nero. A sua reabilitação foi fomentada a partir de várias fontes. Séneca era um estóico em filosofia. O velho estoicismo, em si mesmo, tem sido objecto de um renascimento de interesse e respeito, não só por parte da Academia, mas até por parte de um público e audiência mais vastos. A sua abordagem das emoções, especialmente no que à terapia cognitiva diz respeito, acabou por provar-se particularmente atractiva. ..."

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O tempo, a forma e o conteúdo


Ao ler em "Le Monde" (29/11/13), um pequeno texto sobre a perda  de influência e esquecimento a que foi votada a obra da poetisa Anna de Noailles (1876-1933), outrora muito lida em França, dei-me a pensar em como os poemas, ou grande parte da poesia, fica indefesa perante o Tempo. Muitas vezes por ser excessivamente datada ou porque dedicada a um motivo que, com os anos, vai perdendo importância.
Em tempo de veleidade juvenil, eu costumava dizer, peremptoriamente, que um poema, para subsistir, não devia conter palavras demasiado actuais e concretas, como por exemplo: telefone ou máquina de escrever que, no futuro, poderiam assumir novas formas ou, pura e simplesmente, desaparecer. E que para os leitores vindouros seriam objectos obsoletos, sem significado, nem simbologia perpétua.
Porque, de algum modo, uma peça de teatro ou um romance adaptado ao cinema, até mesmo uma ópera, cujo tema com o tempo se tornou desajustado ou naïf, através de uma nova encenação imaginosa e inteligente, poderá adaptar-se aos nossos dias. Um poema dificilmente ressuscita. A menos que nele haja algo de misteriosamente intemporal ou mágico. Lembremos:

O sol é grande, caem co'a calma as aves,
...

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Retratos por palavras


Tenho um particular apreço por retratos, em prosa (e em verso), de vultos históricos, sobretudo quando a iconografia, sobre eles, é escassa ou até inexistente. As palavras podem suprir, em parte, essa falta. Como é o caso do retrato, por palavras, de Sá de Miranda, que vem no início do volume das suas "Poesias", na edição de 1614. De Garrett, há já uma razoável iconografia, mas não deixa de ser útil o retrato que dele traçou Guedes de Amorim, para melhor o imaginarmos. Também nas antigas crónicas há alguns retratos interessantes, por exemplo, de D. João II e D. Manuel I, cujas iconografias não são abundantes. Mas estes retratos, por palavras, são relativamente sucintos e pouco desenvolvidos pelos cronistas portugueses.
Há dias, no entanto, deparei-me com um interessante e minucioso retrato, em prosa, feito por Fernán Pérez de Guzmán (1376-1460), cronista castelhano do rei Juan II, de Castela. O retratado é Fernando I de Aragão (1380-1416), que foi regente durante a menoridade do sobrinho Juan II, no período entre 1406 e 1416. Vou reproduzi-lo, em parte, traduzindo, livremente, as palavras de Guzmán, como seguem:
"Foi este rei D. Fernando formoso de semblante, homem de corpo elegante, mais alto que mediano. Tinha os olhos verdes e os cabelos da cor da avelã bem madura. Era branco e levemente rosado, tinha pernas e pés de gentil proporção, as mãos largas e esguias. Era gracioso, tinha fala pausada e recebia a todos os que vinham saudá-lo ou negociar qualquer coisa. Era muito devoto e casto, rezando continuamente as horas de Nossa Senhora, por quem tinha grande devoção, e dava sempre espirituosas e boas respostas. Era homem de muita verdade, lia com vontade as crónicas dos feitos passados, dava-se muito a todos os trabalhos, levantava-se normalmente muito cedo, dormia pouco, e comia e bebia moderadamente. E foi muito franco, manso e justiceiro, honrado como todos os bons. Muito piedoso, muito esmoler, homem de grande coração, esforçado e ditoso nas coisas da guerra."

terça-feira, 1 de junho de 2010

Em sequência : Sá de Miranda



A fazer fé nos dados mais credíveis, Francisco de Sá de Miranda terá nascido, em Coimbra, nos finais de Agosto de 1481, o que significa que cresceu e se fez homem durante o reinado de D. Manuel I. Pese, embora, o lado polémico da minha afirmação, faço desde já uma declaração de interesses: considero-o um dos maiores poetas portugueses de sempre, ao lado de Camões e de Pessoa. É, porém, uma "frauta ruda" no seu cantar enviezado, nas suas elipses, nos seus versos nem sempre claros, delicados ou fluentes, mas que apontam para longe e para o fundo de nós mesmos.
Esteve em Itália, provavelmente entre 1521 e 1526 - era ainda familiar afastado dos Collonnas, e de Vittoria Collonna (1490-1547), mulher influente, amiga de Miguel Ângelo -, onde tomou contacto com a "modernidade" da época: o Renascimento. Dessa viagem ficou, pelo menos, a "Cantiga feita nos grandes campos de Roma". Quando regressou a Portugal, estadiou em Buarcos (onde também dizem que terá nascido), pousou, reflectiu e voltou, depois, à vida activa. Era um homem de Leis (formado em Lisboa), e a Justiça sempre foi uma das suas questões próprias. A sua poesia faz-se eco disso. E era um varão desassombrado, o que tinha a dizer, dizia: a amigos, a príncipes ou reis. Nunca se coibiu de dizer "não" o que é, sempre, um indício de maturidade mental, sobretudo num país de brandos costumes que inventou o "nim".
A sua ida para o Minho, próximo de Amares (Quinta da Tapada), está envolta em mistério, pelas causas que a originaram, até porque Sá de Miranda era um homem do Paço. Arrisco, especulativamente, uma hipótese insuficientemente documentada, ou por provar: o clima criado pela Inquisição. Há versos sibilinos ("...Não vejo o rosto a ninguém;/ cuidais que são ou não são...") vários pelas suas "Poesias" que denunciam uma perseguição ("...mente cad'hora espia;..."). O reinado de D. João III, com a criação da Inquisição, foi muito diferente do período manuelino anterior. Percebe-se que, com D. João III, houve menos liberdade, havia receios, tudo foi mais domesticamente cristão, mais pequenino e mais conforme...
Sá de Miranda casou tarde. Esse facto deve, também, ter-lhe dado uma visão mais ampla da vida. A morte de um dos dois filhos que teve, em combate, próximo de Ceuta, e o falecimento de sua mulher afectaram-no profundamente. Fragilizado ("...porque se conta dele que, estando sem gente de cumprimento [ e ainda com ela ], se suspendia algumas vezes, e de ordinário derramava lágrimas sem o sentir;..."), vem a morrer em 1558, em data desconhecida, mas posterior a 16 de Maio. De Sá de Miranda, na lição de Pina Martins, escolhi por gosto o seguinte soneto:

Alma que fica por fazer desd'hoje
Na vida mais? se a vã minha esperança
Que sempre sigo, que me sempre foge?
Já quanto a vista alcança a não alcança.

Fortuna que fará? Roube, despoje,
Prometa doutra parte, em abastança:
Que tem com que m'alegre, ou que me anoje?
Tanto tempo há que dei mão à balança!

Chorei dias e noites, chorei anos,
E fui ouvido ao longe, pelo escuro
Gritando, acrescentar muito em meus danos.

Agora que farei? Por Amor juro
De tornar a cantar fora d'engano
E por muito do mal, posto em seguro.
P.S. : para Luís Barata, com estima.

sábado, 29 de maio de 2010

Dante : 745 anos



Menos que a sua poesia (hoje tão distante do nosso tempo), que, muito sinceramente, me diz pouco e, tirante as versões portuguesas de David Mourão-Ferreira, são normalmente más, gostaria de lembrar o Homem, do signo dos Gémeos, que nasceu, em Florença, a 29 de Maio de 1265. E, sobretudo, reproduzir o retrato que dele fez Sandro Botticelli. Magnífico como pintura (tirado ao natural, ao que dizem, do crâneo do florentino; ou copiado de toscos desenhos coevos da morte de Dante...). Ainda para mais com aquele nariz " com cavalo", como tinha o nosso Sá de Miranda.É evidente que a "Divina Comédia" merece todo respeito e, até pelo título, a devida reflexão... Florentino, mas nunca copiador : lídimo ouro de lei, puríssimo- autêntico e original.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Camões por José Afonso

Nem todos os poetas serão cantáveis. Mas Quevedo que, às vezes, parece áspero, como o nosso bom Sá, já o foi. Fundamental é que a voz encontre as palavras, no sentimento certo. Como fez José Afonso ou Amália.

P. S.: para o Luís, com as melhores lembranças.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Almeida Garrett : retrato em palavras



A iconografia portuguesa de cidadãos ilustres é pobre, se comparada com a de muitos outros países europeus. Camões tem apenas dois retratos tirados do natural e considerados fidedignos, creio. De Sá de Miranda existe apenas uma gravura que o retrata, ainda em vida. Claro que há depois as efabulações e fantasias imaginadas, mas não é o mesmo. Felizmente, existe uma descrição física (e não só) do Poeta da Tapada, por palavras, incluída na 2ª edição das suas obras, em 1614, feita a instâncias, ao que parece, de D. Gonçalo Coutinho. A partir do séc. XIX, a situação iconográfica portuguesa melhora. Mas também é sempre vantajoso o complemento de um retrato por palavras que supre algumas lacunas do retrato pintado. De Almeida Garrett existem vários retratos pintados, e gravuras, mas é interessante dar a palavra a Gomes de Amorim, seu devotado biógrafo, que o conheceu e com ele conviveu, pessoalmente. Diz o biógrafo sobre Garrett:
"Completara a esse tempo quarenta e sete anos. Estava no vigor da idade; se tivesse tido sempre boa saúde, poderia dizer-se que era moço ainda. (...) Descobria-se o valetudinário, disfarçado em homem robusto. (...) Era de estatura regular ou antes mais alto do que baixo; tinha agradável presença, ar distinto e composto; a fronte alta e saliente; o nariz e a boca, apesar de grandes, não desarmonizavam as feições do rosto, que era comprido. Os olhos, entre garços e verde-mar, grandes, cristalinos, límpidos, e de um brilho ao mesmo tempo esplêndido e sereno! Estes e os lábios delgados, onde parecia, quando conversava, pairar de contínuo o sorriso de fina e delicada ironia, davam-lhe a pronunciada expressão de soberania, que a inveja e a ignorância traduziam por orgulho. Tinha cor pálida morena; usava suiça muito curta, e pequenina pera ou mosca; a cor preta da barba e a meia palidez do rosto realçavam-lhe certo ar de melancolia simpática. (...) Usava cabeleira postiça desde muito moço, em consequência de ter ficado com a cabeça defeituosa, pela queda que dera de um cavalo; mas não era calvo, como muita gente supunha." (Memórias, I, 10/11).

O mais moço dos anjos



"No dia 5 de Dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart entrou no céu, como um artista de circo, fazendo piruetas extraordinárias, sobre um mirabolante cavalo branco./
Os anjinhos atónitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam em linhas suplementares superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais moço dos anjos."

Este poema, (quase) em prosa, pertence ao livro "Lira dos Cinquent'anos" de Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, mais conhecido por Manuel Bandeira, poeta brasileiro, que nasceu no Recife a 19 de Abril de 1886, e veio a morrer no Rio de Janeiro, em 1968. Deixando saudade. Para mim, é um dos pouquíssimos poetas de infância, como Sá de Miranda é dos raros poetas de velhice. Manuel Bandeira teve uma evolução poética lenta até chegar a ser um dos expoentes mais significativos do modernismo brasileiro. Os poemas dos seus primeiros livros devem muito a António Nobre e a um certo romantismo decadente. Ao poeta português, a quem Bandeira dedica um poema, unia-o uma mesma doença, a tuberculose. E ambos estiveram em sanatórios da Suiça. Manuel Bandeira conseguiu, no entanto, sobreviver e andar na Terra até aos 82 anos. Alexandre O'Neill apreciava-lhe a poesia, pelo humor e simplicidade dos seus versos ("Estou farto do lirismo comedido / Do lirismo bem comportado..."- dizia Bandeira). E disse também:

A arte é uma fada que transmuta
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Em Louvor de Buarcos



Há quem diga que Sá de Miranda nasceu, não em Coimbra, mas em Buarcos. No entanto, é certo que lá passou grande parte da meninice e, quando regressou de Itália, lá estacionou, reflectindo e compondo. Está, com certeza muito diferente, de quando a conheci, em 1977. Fiquei-lhe afeiçoado, por aqueles quase 15 dias, que por lá andei, com alguns banhos de mar frios (era Junho), pelos passeios tranquilos que dei, pela faina piscatória que vi e por outras coisas " que terei pudor de contar seja a quem for...",como dizia o José Régio. Mas também pela " raia de pitau", especialidade gastronómica local de Buarcos, que nunca tinha provado e muito gostei. E nunca mais voltei a comer, para saudade e pena minhas.
P. S.: Para a Ana, que mora lá perto.

terça-feira, 9 de março de 2010

Jorge de Sena sobre Sá de Miranda






Num pequeno ensaio intitulado "Reflexões sobre Sá de Miranda ou a arte de ser moderno em Portugal", Jorge de Sena (1919-1978), entre outras coisas, refere o seguinte:


"...Todos esses altos espíritos sofreram a contradição entre uma lucidez e uma cultura que os fazia viver como seus os problemas e as soluções da Europa do seu tempo, e as formas da sociedade em que viviam de facto, na qual a situação era sempre grave em função de contradições anteriores, para eles já intelectualmente ou até socialmente resolvidas. A arte poética de Sá de Miranda, que aflora logo como um sopro novo nos seus poemas «tradicionais» do «Cancioneiro Geral» é precisamente esta, de que não digamos que estamos isentos, apesar dos suicídios expiatórios de Antero e Sá-Carneiro terem propiciado a heteronímia conservada em álcool até aos limites do fígado de Fernando Pessoa: a arte, dolorosa e triste, de ser «moderno» em Portugal." (...)


Sá de Miranda é, na poesia portuguesa, não, como se tem insistentemente dito para salvá-lo de quanto na sua obra irremediavelmente morreu - as alusões, as exposições e discussões de princípios sob o disfarce pastoril, etc., mais importantes para uma história viva das ideias que para uma sobrevivência autêntica da poesia - não um poeta filósofo (isso é reservado aos Dantes e aos Lucrécios e aos Goethes nas suas horas melhores), nem especificamente um poeta moralista (isso é inevitavelmente peculiar a todo o poeta português que se eleva acima da condição de «poetisa», tão certeiramente assacada por Pascoaes ao típico António Nobre), mas um poeta especulativo, isto é, um homem em que a meditação social do concreto é indissolúvel da emoção lírica. Há nos seus versos um condão de abstraccionismo, um dom de ascender do factual que o inspira à metafora que o exprime, um tipo de metaforização não imagética mas discursiva, que todos em um só o definem como um lírico de primeira plana, suficientemente «impuro» para sobreviver ao peso morto do lirismo fácil ou do intervencionismo ingénuo e virtuoso, que ainda hoje, apesar de tudo e pelo muito que do seu tempo terrivelmente subsiste (nós ainda não vimos acabar o que ele angustiadamente viu começar), nele nos comove e toca profundamente.


A sua humilde consciência de não conseguir dominar, embora nem sempre saiba porquê, as contradições implícitas por uma forma extrema no homem solitário e eminentemente social que ele foi (« ora o que eu sei tão mal, como o direi?»);..." (1958)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sá de Miranda em Itália



Dado como autêntico existe apenas conhecido uma gravura-retrato de Francisco de Sá de Miranda (1481?-1558). Da sua descrição física e parecer, há o seguinte texto considerado fidedigno: "Foi homem grosso de corpo, de meã estatura, muito alvo de mãos e rostro, com pouca cor nele, o cabelo preto e corredio, a barba muito povoada, e de seu natural crecida, os olhos verdes bem assombrados, mas com alguma demasia grandes, o nariz comprido e com cavalo, grave na pessoa, melancólico na aparência, mas fácil e humano na conversação, engraçado nela com bom tom de fala, e menos parco em falar que em rir; ..."

Da sua presença e estadia em Itália (cca. 1526), ficou-nos um poema intitulado "Cantiga feita nos grandes campos de Roma":

"Por estes campos sem fim,
onde a vista assim se estende,
que verei, triste de mim,
pois ver-vos se me defende?

Todos estes campos cheios
são de saudade e pesar,
que vem para me matar
debaixo de céus alheios.

Em terra estranha e em ar,
mal sem meio e mal sem fim,
dor que ninguém não entende,
até quam longe se estende
o vosso poder em mim!"

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Boas Entradas



Não queria acabar 2oo9 sem citar o meu poeta português preferido: Sá de Miranda. Dele, o começo de um soneto dedicado a Diogo Bernardes:


"Neste começo de ano em tão bom dia,

tão claro, porque não faleça nada,..."


para desejar a Todos umas boas Entradas!