Num pequeno ensaio intitulado "Reflexões sobre Sá de Miranda ou a arte de ser moderno em Portugal", Jorge de Sena (1919-1978), entre outras coisas, refere o seguinte:
"...Todos esses altos espíritos sofreram a contradição entre uma lucidez e uma cultura que os fazia viver como seus os problemas e as soluções da Europa do seu tempo, e as formas da sociedade em que viviam de facto, na qual a situação era sempre grave em função de contradições anteriores, para eles já intelectualmente ou até socialmente resolvidas. A arte poética de Sá de Miranda, que aflora logo como um sopro novo nos seus poemas «tradicionais» do «Cancioneiro Geral» é precisamente esta, de que não digamos que estamos isentos, apesar dos suicídios expiatórios de Antero e Sá-Carneiro terem propiciado a heteronímia conservada em álcool até aos limites do fígado de Fernando Pessoa: a arte, dolorosa e triste, de ser «moderno» em Portugal." (...)
Sá de Miranda é, na poesia portuguesa, não, como se tem insistentemente dito para salvá-lo de quanto na sua obra irremediavelmente morreu - as alusões, as exposições e discussões de princípios sob o disfarce pastoril, etc., mais importantes para uma história viva das ideias que para uma sobrevivência autêntica da poesia - não um poeta filósofo (isso é reservado aos Dantes e aos Lucrécios e aos Goethes nas suas horas melhores), nem especificamente um poeta moralista (isso é inevitavelmente peculiar a todo o poeta português que se eleva acima da condição de «poetisa», tão certeiramente assacada por Pascoaes ao típico António Nobre), mas um poeta especulativo, isto é, um homem em que a meditação social do concreto é indissolúvel da emoção lírica. Há nos seus versos um condão de abstraccionismo, um dom de ascender do factual que o inspira à metafora que o exprime, um tipo de metaforização não imagética mas discursiva, que todos em um só o definem como um lírico de primeira plana, suficientemente «impuro» para sobreviver ao peso morto do lirismo fácil ou do intervencionismo ingénuo e virtuoso, que ainda hoje, apesar de tudo e pelo muito que do seu tempo terrivelmente subsiste (nós ainda não vimos acabar o que ele angustiadamente viu começar), nele nos comove e toca profundamente.
A sua humilde consciência de não conseguir dominar, embora nem sempre saiba porquê, as contradições implícitas por uma forma extrema no homem solitário e eminentemente social que ele foi (« ora o que eu sei tão mal, como o direi?»);..." (1958)
Não conheço Sá de Miranda com profundidade, apenas li alguns poemas. Congratulo-me por encontrar um ilustre conimbricense. Achei graça a esta sua afirmação: "poeta filósofo (isso é reservado aos Dantes e aos Lucrécios e aos Goethes nas suas horas melhores)".
ResponderEliminarLi mais Dante do que Sá de Miranda e nunca tinha verbalizado o que verbalizou.
É interessante este post.
Faz mal, faz mal...,Ana.
ResponderEliminarSá de Miranda é um dos grandes poetas portugueses e, para mim, aquele de que eu gosto mais. É uma arquinha de tesouros, tem sempre mais uma preciosidade a revelar. Muna-se de paciência, de concentração e tempo ( umas férias, por exemplo), paciência e vai ver que é compensador. Aconselho a edição da casa da Imprensa Nacional- Casa da Moeda, fac-símile da de Halle,de Carolina Michaëlis. Ou então a edição da Universidade do Minho (1994), prefaciada por Vitor Aguiar e Silva, que reproduz a "princeps" de 1595. São, para mim, as melhores. Mesmo assim vou voltar, indirectamente ao Poeta, hoje...
Obrigada, vou seguir o seu conselho.
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