quarta-feira, 31 de março de 2010

Guilherme de Faria, ainda



Já tinha falado (Bibliofilia 11) no poeta vimaranense Guilherme de Faria (1907-1929), mas vou voltar a ele. Foi sempre, na sua curta vida, católico convicto e monárquico fervoroso (daí o seu entusiasmo pelo sidonismo), tendo até feito um poema à morte de D. Miguel II e outro a saúdar o novo "Príncipe", poesias que vieram a integrar o livro "Manhã de Nevoeiro", a última obra que publicou (1927) em vida. "Desencanto" e a colectânea "Saudade Minha" são já póstumos (1929), embora tenham respeitado as indicações que o Poeta deixara. Aliás, os seus pequenos livros são de grande apuro gráfico e qualidade estética; bem como os que editou de Teixeira de Pascoaes: "Londres", "Sonetos", "Cânticos"...Afora a colectânea "Saudade Minha" que inclui uma escolha de toda a poesia publicada de Guilherme de Faria, os dois últimos livros revelam já uma voz própria. Os primeiros ("Poemas", "Mais Poemas" e "Sombra") são ainda muito devedores de influências. Entre um Nobre, sem ironia, um Mário de Sá-Carneiro, menos ousado, e um Pessanha, um pouco menos subtil. Também há um ligeiro eco de Pessoa ("Eu próprio me desconheço, / E, nesta hora em que vou, / Desconhecendo, aborreço / O nada inútil que sou...").

Nota-se, na sua poesia, uma sensibilidade excessiva, quase mórbida, e um grande desencontro com a vida real, pequenos tiques de aristocratismo. Mas também aquela intuição quase feminina que denuncia o poeta e que, na verdadeira acepção de "vate" (profeta, aquele que faz vaticínios), adivinha o futuro pelo passado ("A minha alma - noite morta - / Crucificada nas ondas, / Morreu nas ondas do Mar..."). A morte não o deixou, no entanto, evoluir até uma maturidade poética já anunciada e pressentida:

Enquanto a vida perpassa
Pela tua indiferença,
Em risos de sol que passa
E se morre em névoa densa,
Tu nem reparas, de ausente
E em vagos sonhos perdida,
Nos encantos que ela tem...
E, a sonhar eternamente,
Não tens esperança na vida
Nem saudades de ninguém.

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