quarta-feira, 31 de julho de 2019

Comic Relief (150)


Casaquinho

A ursa polar fez uma promessa à filha: se tirasse boas notas, oferecia-lhe um casaquinho de pele de menina para as noites mais frescas de verão.

Caçador de Estrelas

Há meses que o miúdo tentava, em vão, alvejar estrelas com uma pressão-de-ar.
Preparava-se para desistir quando, após um novo tiro pouco convicto, uma estrela cadente riscou o céu.

Pedro Monteiro (1969), in Galáxia de Berlindes (2012).

terça-feira, 30 de julho de 2019

Desabafo (47)


Já sabemos como o Google é popularucho. Mas, ao menos, podia ter o sentido das proporções.
Por motivos futuros e objectivos, quis ter uma perspectiva visual da obra do pintor caldense José Malhoa (1855-1933). Usei, assim, o motor de busca. Resultado: por cada quadro que vi do Pintor, tive que suportar, bem à vontade, cerca de 10 fotos de um cantor pimba nacional, que usa o mesmo nome...
Irra!

Pinacoteca Pessoal 153


Nascido a 5 de Março de 1938, em Montpellier, a obra do pintor francês Vincent Bioulès, sobretudo a partir de 1970, por um seu lado, que eu chamaria camaleónico, tem o condão de me parecer convocar outros nomes de pintores do passado, numa assimilação actualizada de técnicas e estilos, alheios. Vêm-me à ideia, ao ver as suas telas singulares e aparentemente ingénuas, os nomes de Seurat, Dufy e até mesmo Chirico. E fico-me por aqui, para não parecer excessivo e injusto...


Em 1970, Bioulès abandonou definitivamente a abstracção, iniciando uma nova fase de arte figurativa e, em conjunto com um grupo de artistas, fundou o grupo Support/Surfaces. Em 1982, integrou a Escola de Belas Artes de Nîmes como professor.
A sua obra desdobra-se sobretudo em motivos paisagísticos e retratos. Mas a arquitectura também aflora algumas das suas telas como fonte inspiradora.


E é por aqui que me lembro de Chirico...


segunda-feira, 29 de julho de 2019

Os Opa Tsupa



Ultimamente tem-me dado para uma certa deriva musical, uma terceira margem do rio, como cunhou em título feliz de um conto o grande Guimarães Rosa (1908-1967).
Os Opa Tsupa são um quinteto de cordas, radicado em França e que esteve activo, pelo menos, entre 2000 e 2015. Apontam-lhes inúmeras referências, desde o swing até um certo revivalismo cigano.
Ao que parece, as suas aparições eram rodeadas de um certo ambiente burlesco e de bom humor, que eu, no entanto, só vejo nas fotografias que capeiam os seus vídeos no Youtube.
Deixo por aqui e de amostra uma valsa, Mamma Mia, de que gostei, particularmente.

Mudanças


Verifico, com grande surpresa, que terei lido o primeiro livro de E. M. Cioran (1911-1995) em 1966,  pela marca de posse e data manuscrita, mas não consigo lembrar-me como cheguei até ele. Creio que comprei Précis de Décomposition (1949), na 111, ao Campo Grande. Emparelhado com Camões, o ensaísta franco-romeno viria a servir-me de epígrafe (La joie n'est pas un sentiment poétique) no meu primeiro livro, em 1984. Não sei se por bonomia ou malvadez, os franceses apelidavam-no de filósofo de rua. Seja como for desde longe que Cioran me continua a acompanhar...
Ainda que muitas vezes por oposição ou para me forçar ao contraditório pelo seu excessivo pessimismo ou provocatório niilismo. Não me deixa nunca indiferente e é sempre estimulante a sua leitura. Mais agora, ainda, que um fastio pela ficção se me instalou, de há uns anos a esta parte, e a história, a poesia e o ensaio são meus únicos territórios de gosto e prazer. Assim, resolvi passar até de uma segunda fila, escondida, os livros de Cioran para a primeira linha para os ter à vista e mais à mão.
Sacrifiquei a exemplar e amena ficção de Maurice Genevoix (1890-1980), de que ainda gosto, para a retaguarda da estante, e dei o lugar ao pensador romeno. Uma mudança que ele merecia, aliás.

domingo, 28 de julho de 2019

Revivalismo Ligeiro CCXXXVI

Bibliofilia 178


Nos meus tempos de frequentador assíduo de leilões de livros, ficou-me a lembrança de algumas figuras características, nas suas preferências apaixonadas, da singularidade de alguns comportamentos humanos, no aceso das almoedas. Se uns licitadores eram discretos, outros mostravam a sua exuberância ruidosa, outros ainda o seu mau feitio e birras. Quanto a temáticas, havia um discretíssimo licenciado em Farmácia que se abalançava, tenso, a livros quinhentistas, um general na reserva que não perdia uma camoniana, um industrial corticeiro que comprava muito e diverso, um alfarrabista sorumbático que não perdia nunca um lote de livro raro que começasse a licitar...
Quanto a camilianistas, lisboetas, nunca dei por nenhum muito importante, mas havia os que vinham do Norte, quando o leilão era significativo, como este da Soares & Mendonça, que foi organizado pelo alfarrabista portuense Manuel Ferreira. E que tem um gostoso prefácio do bibliófilo e grande jornalista Raul Rêgo (1913-2002), que aqui deixo em partilha, pela sua qualidade intrínseca.


Não faltavam nesta riquíssima almoeda de Fevereiro de 1968, as muito raras edições originais camilianas de A Infanta Capellista (1872) ou do célebre folheto Matricidio sem Exemplo..., (capa em imagem, abaixo) que terão feito porventura as alegrias dos afortunado arrematadores.
Não tive oportunidade de assistir a este importante leilão, porque me encontrava, em Mafra, a cumprir o serviço militar, mas vim a adquirir, mais tarde, o catálogo desta almoeda da Soares & Mendonça, por 9 euros, no meu alfarrabista de referência - em boa hora.

para MR, obviamente, e com estima.

sábado, 27 de julho de 2019

Meteorologias


Manhã orvalhada, de presságios tristes para quem escolheu Agosto como seu tempo livre.
Saio para a rua, ridículo, em camisa e de guarda-chuva preventivo, irmanado com outros avisados transeuntes matutinos. A menos que haja um milagre, lá se me vão as leituras na varanda a leste...
Desasado, até a bica no Café me sabe a Outubro.

Citações CDXI


Entre o bom senso e o bom gosto há a diferença entre a causa e o seu efeito.

Jean de la Bruyère (1645-1696).

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Moszkowski / Bolet

arte menor (29)


Insónia


Acordado a desoras, não sei bem
como ocupar o tempo
que me sobra.
Eram para ser minutos sossegados
de um silêncio adormecido
no vazio, mas não foram.

Ocupo-me de pequenas coisas inúteis,
tento não fazer barulho,
nem acordar a morte
a quem estes minutos pertenciam.


Sb., 16/6/2019.


para A. de A. M., fraternalmente.



quinta-feira, 25 de julho de 2019

Mauriac


O título desta obra de François Mauriac (1885-1970) serviu-me muitas vezes para classificar, sucinto, figuras excessivamente dogmáticas, com alguma ironia; e, outras, para apelidar comportamentos demasiado puritanos. Quarta-feira passada, porém, na nossa habitual tertúlia cordial da semana, o livro veio à mesa na voz de H. N., que o recomeçara a reler, por mero acaso, no meio de uma entediante função de vigilância, rural, de que a família o tinha investido, por rigoroso e sabedor.
O romance de Mauriac logo se lhe impusera pela qualidade narrativa, sobretudo em cotejo com o que vai aparecendo por aí... Vieram-me à memória, por associação, os densos ambientes das minhas leituras passadas dos livros do romancista católico e francês, mas também a obra de Graham Greene (1904-1991) que tinha a mesma confissão religiosa, mas cenários geográficos mais alargados de configuração romanesca. Creio que não é apenas, por cronologia, mas Mauriac está mais esquecido.
Injustamente, creio. Se o inglês Graham Greene, pelos vários continentes, instala no Homem um inato pecado original ou sentimento de culpa que ele carrega inexoravelmente, talvez sem lhe saber a causa, Mauriac é sobre a Mulher que se debruça, quase sempre. Provinciana e prepotente, dominadora e malsã. Manipuladora de famílias e sentimentos num perímetro que se situa, com frequência, em redor de Bordéus. Como se essa geografia trouxesse consigo a raiz do Mal, como marca de um destino fatal.

para H. N., com as melhores lembranças.

Divagações 151


O supérfluo pode ser o que os norte-americanos chamam: a pain in the ass, com propriedade.
Mas os redundantes com frequência nem se apercebem da sua incontinência ou dos seus despropósitos, que nada acrescentam ao que foi essencial. A auto-crítica não faz parte do seu ADN.
A sra. Charlotte Johnson Wahl (1942), pintora inglesa, poderia ter-se limitado a pintar os seus quadrinhos e ficar na história apenas como mais uma artífice estimável.
Mas não quis ficar por aqui. Também teve 4 filhos. Um deles ainda mais incontinente do que ela. E como incontinente vai levar a cabo o Brexit, mesmo sem condições...
No entretanto, o Boris vai fazendo comentários e declarações - supérfluos, despropositados, redundantes. E nós a termos que ouvi-lo.


Livrinhos 26


O pequeno livro cujo título, de forma simples e doméstica, se poderia traduzir por "Dicionariozinho de Mitologia e de Cultura Clássica" foi editado em Florença, em finais dos anos quarenta. Com 168 páginas, tem as dimensões de 10,5 por 7,5 centímetros e, inicialmente, custava 5 liras. Em 30/3/1951, terá sido vendido por Esc. 10$00, em Portugal, ao sr. João Rodrigo Narciso Furtado, que nem chegou a abri-lo inteiramente. A obrinha teve como autor Enrico Bianchi, é ilustrada e foi impressa pelo editor italiano G. S. Sansoni, em reedição. A impressão original era de Outubro de 1917.




terça-feira, 23 de julho de 2019

Sentimentos



Tenho reparado que os cães aguentam até à última, ainda que com grandes peladas e escanzelados, mas também reconhecem os donos, na agonia. Homero, na Odisseia, deixou um bom exemplo desse facto. As pombas retiram-se para um canto, e ali ficam para morrer, já com muita falta de penas e sem dono.
Mas não deixa de ser comovente ver a matriarca do jardim zoológico de Amesterdão, Mamma (com 59 anos) recolhida a um canto também para acabar os seus dias, reconhecer o seu amigo, Jan van Hoof (de 81 anos), e expressar o seu afecto e grande alegria, pelo reencontro. Mamma morreu uma semana depois.

Curiosidades 75


Até 11 de Agosto de 2019, a Tate Gallery expõe a mostra Van Gogh and Britain.
O título da exposição poderá colher desprevenido quem não saiba que o pintor holandês passou em Londres dois anos da sua vida, de Maio de 1873 até 1875, antes de se dedicar à profissão por que é mais conhecido. Aí trabalhou na Goupil & Cie, firma de origem parisiense, que pertencia a um tio de Van Gogh (1853-1898) e que se situava muito próximo da Tate Gallery, instituição que Vincent visitava com frequência. A loja produzia e vendia gravuras e litografias de arte muito diversas.
Pelas cartas ao irmão Theo, e não só, se nota e destaca o gosto de Van Gogh por dois quadros que ele refere frequentemente. Um do pintor neerlandês Meindert Hobbema (1638-1709), The Avenue at Middeharnis, de 1689; o outro, do inglês John Everett Millais (1829-1890): Chill October (1870).
Ambos de paisagens, e que se reproduzem no início e final deste poste, para que constem.


Em geminação com M. F., no seu "madame nostalgia"

Já não há prosas silvestres


As novas gerações, maioritariamente, abandonaram os campos, as vilas e aldeias. Dificilmente os jovens reconhecerão, hoje, o cheiro do estrume de cavalo ou saberão identificar, à vista ou pelo cantar, um rouxinol. Longe vai o tempo dos romances bucólicos de Júlio Dinis ou da tensa ironia rural da prosa camiliana, feita a transição adequada de Aquilino e depois do paroxismo ideológico dos neo-realistas, que também se mudaram para ficções citadinas, um pouco mais tarde. Ainda que alguns jovens artistas alternativos, agora, talvez por razões de sossego, poupança e marca distintiva de diferença, possam habitar Santiago do Cacém ou Ourique, Vila do Conde ou Bobadela, é de Nova Iorque, Veneza, Trieste ou Reiquiavique que eles gostam de falar, para se darem a ares de cosmopolitas e viajados. Mas também com os potenciais leitores se deve passar o mesmo. Embora seja sempre gratificante batermo-nos, rija e saudosamente, com as poesias e prosas límpidas e autênticas de um J. Riço Direitinho, agrónomo, ou de um Pires Cabral, transmontano, ainda vivos, que são talvez os últimos abencerragens desses cenários de ruralidade literária portuguesa de antanho, ainda que presente.
Mas aos novos, falta muitas vezes o nervo, as causas, a ossatura do real e até verdadeiros motivos para prosas maiores. Perdeu-se, entretanto, o cheiro das urbes, dos cafés fumarentos e linguarudos, da exiguidade das caves suburbanas que ainda povoam alguns dos romances de Cardoso Pires e Nuno de Bragança, por exemplo. E parece que nada se ganhou em troca. Até a poesia é etérea e voltou a ser domínio e obra de finos nefelibatas ou de obesas associadas das casas de Sta. Zita.
Desse abandono dos campos, em parte, se herdou também essa fogueira cíclica dos incêndios desmesurados no Interior português. E eu pergunto-me se algum destes novos prosadores seria capaz de ensaiar alguma novela de jeito com cenário sobre esse flagelo maior e real que, todos os anos, nos atinge nessas zonas rurais de quase total ermamento. Mas será isso deveras importante?
No plano intelectual é bem provável que não...

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Antonio Vivaldi / Lucie Horsch

Mercearias Finas 147


De pêras, mais do que a Rocha, na memória gustativa ficou-me a saborosa Passe-Crassane, só que se dava muito mal com a minha crónica, ainda que suportável, colite. Vim depois a saber que era um híbrido enxertado de marmeleiro, ainda no século XIX, na Normandia (França). Daí o seu tamanho, talvez. E sabor muito especial.
Quanto a Pêras Bêbadas, de sobremesa, só as provei, pela primeira vez, em Lisboa. E, quando bem feitas, passaram a ser um dos meus terminais predilectos para coroar e sublinhar, principescamente, uma boa refeição aconchegada. Mas já não as provava há muito.
Ora, aconteceu que, de surpresa, nos ofereceram um cestinho de pêras médias, criadas com desvelo, numa quintinha lá para as bandas de Constância, por onde dizem que Camões também andou... Cruas e experimentadas por HMJ, provaram ser muito boas, tanto que resolveu embriagá-las, para mim. E abrir, nas suas manufacturas domésticas, um novo capítulo - veio a sair-se lindamente.
Cozidas num tachinho de Dão tinto Grão-Vasco (colheita de 2016), acompanhadas de 2 paus de canela e 5 cravinhos da Índia, com raspa de laranja e açúcar q. b., ficaram um primor, as pêras bêbadas. E já marcharam 3...

domingo, 21 de julho de 2019

Lembrete 69


Pelo início do Verão, saíu o sexto número da revista Electra. Apostando numa certa exigência, não será contudo de fácil adesão e simpatia imediata. Puxa-nos para cima e alerta-nos para situações de futuro que ainda mal afloramos nas nossas reflexões banais e quotidianas. Depois, as colaborações são de gente escolhida e o aspecto gráfico de grande cuidado estético.
Uma advertência: é para se ler devagar...

Interlúdio 69


Temática menor do nosso blogue, os pacotinhos de açúcar não deixam de ser, por vezes, bem apanhados, nos seus motivos. Como é o caso destes dois, da Tofa, que têm a sua graça...

sábado, 20 de julho de 2019

Palavras de anteontem...


(Final do obituário sobre Franco Zeffirelli, de José Cutileiro, no jornal Expresso de 6/7/2019.)

Retro (105)


Estes dois pequenos livros, editados em Espanha, há 61 anos, resultaram provavelmente do grande sucesso alcançado pelos filmes de Jacques Tati (1907-1982): Les Vacances de M. Hulot (1951/2) e Mon Oncle (1958). Traduzidos para a colecção castelhana de humor El Gorrión, da versão original (francesa), tiveram desenhos de Pierre Étaix (1928-2016) e textos do escritor, actor e roteirista Jean-Claude Carrière (1931). Os livrinhos custavam na altura (1958) 15 pesetas. E devem ter feito a alegria de muita gente...

com os melhores agradecimentos a H. N.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Gioachino Rossini (1792-1868)

Recuperado de um moleskine (33)


Dizia Eugénio de Andrade (1923-2005), a abrir um poema:

Não se aprende grande coisa com a idade.
Talvez a ser mais simples,
a escrever com menos adjectivos.

Eu acrescentaria que, apesar dos anos, os advérbios de modo são ainda, e muitas vezes, a minha perdição e a minha fraqueza. Nem sempre lhes consigo resistir ou iniciar uma abertura de hostilidades contra eles.
Os anos trazem-nos porém a consciência das nossas debilidades com que, apesar de tudo, vamos convivendo. Assim como Andorra, a Suiça e San Marino que, por não terem um exército próprio e em moldes clássicos, evitam qualquer acto bélico, para evitar incómodos posteriores.
Embora destes três países europeus me pareça que apenas San Marino, que é considerada a mais antiga república do mundo, mantenha uma estrutura de imbatível coerência. Pois a Suiça republicana, na sua neutralidade militante, fornece ao Papa mancebos para a Guarda Suiça e Andorra, considerada um principado, se deixa governar, ambígua e duplamente, pelo cristianíssimo Bispo de Urgel e pelo PR do estado mais laico da Europa: a França.
Para não abrir mais hostilidades hoje, qualquer dia falarei do Vaticano...

Exposição


Diz-me, quem viu a exposição, que ela é muito interessante e elucidativa sobre alguns aspectos da Lisboa medieva e dos seus abastecimentos essenciais.
E, embora a Torre do Tombo não seja uma instituição muito frequentada, bem merece uma visita, sobretudo por este motivo. Porque não aproveitar as férias, do ponto de vista cultural?
Já só falta uma semana para a exposição encerrar...


quinta-feira, 18 de julho de 2019

Retratos (24)



Esguio, muito seco de carnes, pele muito branca, o que nele mais surpreendia era o aperto de mão musculado e forte vindo de uma tão aparente fragilidade corporal. 
Naquela vilória desengraçada e repetida, encontrá-lo era um oásis de frescura, no meio das minhas deambulações profissionais desinteressantes. E o prólogo apetecido de dez dedos de conversa estimulante. Bancário reformado, viúvo, pertencera à tertúlia lisboeta de José Marinho, era um ledor compulsivo e os seus diálogos tinham quase sempre um pendor filosofante.
Ele no início dos seus 80, eu a entrar nos sessenta, apesar da diferença de idades, fizémo-nos amigos leais, porque nos entendíamos facilmente. Trocámos muitas ideias e livros, mas há mais de 5 anos que o não vejo. O mais provável é já ter falecido, seguindo talvez o seu amigo Luís Amaro que lhe morava perto e de quem me falava muitas vezes.
O que eu não posso esquecer é que referindo-lhe eu, esmorecido, as leituras de Cícero (De Senectute) e Simone de Beauvoir (La Vieillesse), nos preparatórios para a velhice, J. Braga me tivesse oferecido, alguns dias depois, os Comentarios sobre la Vejez..., de Blanco Soler. Que foi, até hoje, o melhor livro que li sobre o assunto. E que conservo, religiosamente.
E já que falei de coisas santas, e a ele, que era crente, lhe desejo daqui a tranquilidade filosofante, lá, no assento etéreo, para onde provavelmente subiu.

Revivalismo Ligeiro CCXXXV



Ocasião, também, para rever, num breve flash, a saudosa beleza de Ursula Andress...

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Citações CDX


Os problemas do mundo, possivelmente, não podem ser resolvidos por cépticos ou cínicos, cujos horizontes estão limitados pelas realidades mais óbvias. Precisamos de pessoas que saibam sonhar com coisas que nunca existiram.

John F. Kennedy (1917-1963).

Uma fotografia, de vez em quando... (129)


A qualidade do trabalho do flamengo Harry Gruyaert (1941) desde cedo foi reconhecida, com a atribuição do Kodak Prize, em 1976, e a sua integração na Agência Magnum, no ano de 1981.
Nascido em Antuérpia, o mar sempre foi elemento e cenário preponderante nas suas fotografias, mesmo quando das suas peregrinações pela Irlanda, Coreia, Ilha de Ré ou Espanha.
A sua obra tem agora (de 21 de Junho a 18 de Agosto) a consagração de uma ampla exposição em Bordéus, intitulada Rivages.

Das praias quase desertas às personagens de costas e longínquas ressuma uma espécie de silêncio e melancolia que as instala numa intemporalidade definitiva. Ainda que os locais denunciem uma época, como por exemplo na foto do Hotel das Termas de Ostende (1988), ou uma actividade concreta de pesca no oceano, Mar da Irlanda, que Harry Gruyaert fixou no já longínquo ano de 1970.


terça-feira, 16 de julho de 2019

Osmose 107


As afinidades criam-se, muitas vezes, de sobreposições, ainda que ténues. Um gesto que reconhecemos também nosso, uma palavra que nos irmana pelo significado distinto e próprio, um gosto partilhado intimamente, um desprezo oculto que aflora simultâneo, geminado e natural, depois de expresso.
É assim, ainda que cada vez mais raro com o passar dos anos, que reconhecemos a fisionomia de um amigo possível. E a hipótese, nem sempre concretizável, de uma relação para sempre. Embora possa ter demorado muito, até o vazio ter reconhecido uma presença real de ocupação merecida.

Filatelia CXXXI


É imprevisível saber à partida ou aquando da emissão de um selo qual será o acolhimento posterior que ele virá a ter por parte dos coleccionadores. O apreço ou o interesse que despertará nos filatelistas.
Mas posso afirmar, com alguma segurança, que a estampilha detentora do número 43, no catálogo da Stanley Gibbons, e que foi produzida a partir de 1864, com a efígie da rainha Victoria, é das mais populares e coleccionadas pelos filatelistas avançados da Grã-Bretanha. Conhecem-se-lhe 154 cunhos emitidos, entre os números 71 e 225 (este último, sendo o mais raro e caro), com omissão dos algarismos  75, 77, 126 e 128, que surgiam em posição vertical em ambos os arabescos laterais ( o da imagem pertence ao cunho 208, como pode ver-se). Para além disso, o selo de 1 pence tinha nos quatro cantos, com fundo branco, 4 letras alfabéticas variáveis, de forma a evitar falsificações.


Duas cores predominaram (rose-red e lake-red), ao longo das várias emissões deste selo do Royal Mail. Se conjugarmos o número de cunhos com as cores e as letras alfabéticas, nos cantos, deparámo-nos com uma quantidade apreciável de variedades, para além dos erros de impressão, que eram frequentes nos primeiros selos de qualquer país e constituem variantes sempre muito procuradas e, normalmente, valiosas. Se, aos coleccionadores principiantes, bastará ter um selo usado ou novo, ao filatelista mais avançado interessará conseguir um exemplar de cada cunho emitido. Ou mesmo - proeza dificílima de atingir - obter um conjunto completo das letras, nos cantos.
A minha tentativa não ultrapassou a ambição de tentar ter um selo de cada cunho, usado. Consegui apenas 108 cunhos, faltando-me, por isso, 46. Encerro este poste filatélico com a imagem de uma folha (das mais completas) da minha colecção, no que diz respeito a este selo inglês (S. G. 43).


Jacopo Peri (1561-1633)

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Humor negro (14)



Provérbio ou ditado, quer seja citação de Chamfort ou de Voltaire, como alguns pretendem, esta pequena BD ou cartoon, bem poderia ter como legenda, por acerba ironia, a conhecida frase: Les beaux esprits se rencontrent. Ou, à portuguesa e noutra perspectiva, o adágio: "Quem espera sempre alcança."

Desencontros


A menina da caixa do pequeno supermercado citadino, loura por adopção e bem tratada, embora um tanto ou quanto perliquitetes, após passar o terceiro artigo pelo visor da caixa, perguntou-me:
- É só, meu amigo?
Era ainda manhã cedo e eu não estava predisposto para tanto afecto. Retorqui-lhe:
- Mas eu não a conheço de lado nenhum: é a primeira vez que a vejo. Um amigo demora anos a fazer!...
E ao recolher o troco, ainda acrescentei:
- Tem que ser mais rigorosa com a língua.
Mas não deixei de ficar com o resto da manhã estragada.
Embora ela me tivesse pedido desculpa.

domingo, 14 de julho de 2019

Novidades


Embora tenha perdido a Partex, por venda a uma empresa oriental, em Junho passado, a Fundação Gulbenkian vai ganhar 8.000 m2 de novas áreas verdes e com o prolongamento do CAM. O projecto é do arquitecto japonês Kengo Kuma (1954).

Terceiras vias


Tenho a convicção enraízada de que grande parte das traduções que lemos, em Portugal, durante o século XX, de obras de escritores russos, foram feitas directamente das versões francesas. Duvido que houvesse muitos tradutores portugueses, por essa altura, que dominassem a língua eslava. O mesmo se poderia talvez dizer de obras originais chinesas e japonesas que, provavelmente, foram vertidas, já em segunda mão, de traduções inglesas. Raramente as editoras portuguesas tinham a franqueza de informar, no entanto, os leitores desse aspecto que, hoje, me parece ter alguma importância e que seria uma forma de honestidade intelectual.
Lembrei-me disto ao tomar conhecimento que Yukio Mishima (1925-1970), sendo um anglófilo conhecido, nunca facilitou nem permitiu que os seus romances fossem, em primeira mão, traduzidos para outra língua que não fosse a inglesa. E assim aconteceu até há bem pouco tempo: todas as obras publicadas em França, do escritor japonês, eram traduzidas do inglês. Só recentemente, e após a morte da sua viúva, que continuou a respeitar a vontade dele, apareceu em francês uma obra de Mishima traduzida do original. Trata-se de um dos seus primeiros livros, Confession d'un Masque (1949), que foi editado agora pela Gallimard, em tradução de Dominique Palmé, feita directamente do japonês.

Citações CDIX


Nunca se deve discutir à mesa, porque aquele que não tem fome leva sempre a melhor.

Richard Whately (1787-1863).

sábado, 13 de julho de 2019

Em consequência do "rol"



Corrija-se, por uma questão de rigor, uma data, interrogada no poste anterior. O filme Aldeia da Roupa Branca foi realizado em 1938 e estreado no Cinema Tivoli, em Janeiro de 1939. O realizador Chianca de Garcia (1898-1983) teve colaboração, no argumento, de José Gomes Ferreira e Ramada Curto. A canção homónima, em que a palavra rol surge várias vezes, tem autoria de Raul Ferrão e Raul Portela. E aqui fica, na voz fresca de Beatriz Costa (1907-1996).

Róis


Rol, ou lista, queria eu dizer, se me referisse ao singular da palavra que serve para título deste poste. Francesismo que já Beatriz Costa usava numa canção ("... que a freguesa deu ao rol...") de um filme, Aldeia da Roupa Branca, dos anos 40 (?).
As listas servem bem os pressupostas da Silly Season, são ligeiras, permitem discordâncias, mas são também inclusivas e servem propósitos alargados de preferências. E lembram coisas e pessoas, para quem as quiser revisitar. Deparei-me com 2 róis, ultimamente.
Um do Expresso, elegendo 50 figuras influentes portuguesas, que não vou discutir. Outro rol, ou lista, saído de Le Monde, abordava 100 romances importantes do século XX. Relação que me pareceu muito mais exclusiva, parcial e ligeira. Desses, tinha eu lido apenas 16 obras.
A ausência de Camus pareceu-me uma injustiça clamorosa, sobretudo quando incluíram, no rol, Sartre (Les Mots) e, sobretudo, Françoise Sagan (Bonjour tristesse). Mas perdoei a Le Monde por ter repescado, em contrapartida, um grande romance dos anos 70 que devia estar esquecido de muita gente: Mars (1975), de Fritz Zorn (1944-1976).
Para alguma coisa havia de servir a silly season...

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Panteísmo e política, uma miscelânea a despropósito


Anda por aí um partido, sem ideologia que eu saiba, oportunista e vago de ideais, mas que aproveitou bem o nicho português da causa, que estava vago, para conquistar terreno e eleitores nessa amálgama  de gente lusa que faz manifestações por tudo e por nada e segue, fanaticamente, aquela adolescente sueca e autista, que é filha de boas famílias e se arrisca, com grandes probabilidades, ao Nobel da Paz (depois de Dylan, na Literatura, o que é que poderemos esperar?).
Bem fez o nosso simpático e realista Jerónimo que pôs Os Verdes com dono e a render, ao empurrar a estridente Heloísa para a difícil conquista de Leiria, nas próximas legislativas. Esse partido, pioneiro em terras lusas, nunca foi capaz de ganhar espaço nem implantar bandeira efectiva nas questões do Ambiente. Veio assim um Silva de nenhures, um pouco bronco e limitado no pensamento, primário e populista nos discursos, a ocupar o  terreno vago, com a sua tenda de acampamento verde. Burro não é ele, mas gosta de animais.
Embora, se calhar, nunca tivesse lido Baruch Spinoza, nem seja particularmente panteísta...
Mas passemos a outro assunto, em sequência.
Tenho para mim, embora sem fundamentos de absoluto rigor, que o panteísmo teve, desde há muito, como pioneiros europeus e terrenos de eleição a Grã-Bretanha e os Antigos Estados Alemães. A mera agricultura e subsistência subiu neles cedo à prática idealista de uma filosofia e de uma exigência de vida e respeito pela Natureza. Adiante.


Ora, uma nossa amiga, que vive numa pequena aldeia nas proximidades de Colónia, encontrou na rua, quase ainda implume e caída do ninho, uma pequena pega (-rabuda? pernilonga?) piando, abandonada.
E, embora essas aves tenham associada uma certa má fama de ladras e destruidoras de ninhos e ovos alheios, logo a recolheu caridosamente e a levou para casa, onde já tinha duas pombas. Uma de asa quebrada, outra, de pata partida, assim fazendo jus ao intrínseco sentimento panteísta dos lídimos alemães. Só que agora tem um trabalho acrescido todas as duas horas, porque as pegas são muito vorazes e esta está a crescer (normalmente, chegam ao comprimento de cerca de 45 centímetros). E a nossa amiga, pontualmente, tem que lhe dar de comer ou ela reclama, de forma estridente...