terça-feira, 31 de maio de 2022

Humor negro (17)

 

Cascos de Rolha

A mulher andava à procura do seu homem há três dias. Um amigo dos copos disse-lhe que ele estava em cascos de rolha. Ela não acreditou.
Foi encontrá-lo morto na adega.


Pedro Monteiro (1969), in Galáxia de Berlindes - Textos Ultrabreves, 2012 (pg. 41).

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Esquecidos (10)


 

Imagens de um Inverno indocumentado

A vida tem lágrimas pesadas como árvores...
A sombra avança no atalho como um formigueiro.
Tuas pernas estão vermelhas de frio na paragem do eléctrico.

Felizmente existe a noite e a tua chegada.
O anjo estático não é mais do que um boneco de pedra.
O calor da tua boca reinventa o estio.


Egito Gonçalves (1920-2001), in O Pêndulo Afectivo (1991).

domingo, 29 de maio de 2022

Flagrante



Desde a tarde de sábado que a viatura está estacionada junto ao prédio outrabandista. Pergunto-me se os carteiros-biciclistas também podem levar o velocípede para casa. Ou se o carro, na imagem, será uma nova forma expedita do Banco CTT a domicílio.

sábado, 28 de maio de 2022

Citações CDXXXIV

 


A Itália é apenas uma expressão geográfica.

Príncipe de Metternich (1773-1859), em Carta de 19/11/1849.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Coscuvilhice nobre



Se não me precato, ainda acabo a comprar a Hola!...

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Ultimas aquisições (39)



Descendo quase em linha recta do recanto da Padaria das Mercês, no Bairro Alto, onde ainda se fabrica e vende o dito sério e "pão honesto" de Cesário, em direcção ao Calhariz, vamos entrar, ao lado do elevador da Bica, na minha velha e bem conhecida Livraria Antiquária de José Manuel Rodrigues. Que, ontem, não estava lá, representado e bem, no entanto, pela sua filha Catarina.
Das estantes e mesas, após cuidada visita, de lá vieram dois poetas estimáveis: Pascoaes, em estudo competente de Alfredo Margarido, e Agostinho da Cruz, arrábido quinhentista, com um pequeno cancioneiro semi-inédito. Custaram-me 10 euros e já comecei a folhear os livros, com agrado.



terça-feira, 24 de maio de 2022

Pinacoteca Pessoal 184



Por ordem cronológica, os artistas que mais marcaram a formação do pintor francês Maurice Denis (1870-1943) terão sido Fra Angelico, Puvis de Chavannes e Gauguin. Por entre o simbolismo e o fauvismo, as suas telas também lembram por vezes os pré-rafaelitas ingleses.




Com uma personalidade de forte inspiração cristã, a maioria dos seus quadros situa-se em cenários exteriores harmoniosos e de  cores quase sempre suaves.



segunda-feira, 23 de maio de 2022

Dia Mundial da Tartaruga



Para quando o dia mundial do caracol ou o da lesma, ambos aplicáveis?

domingo, 22 de maio de 2022

Aves, ainda



Se a pomba (branca, normalmente) é muitas vezes usada na liturgia católica, pela sua associação simbólica com o Espírito Santo, os outros animais voadores não gozam de tão alto estatuto, quanto eu saiba.
Havia porém uma excepção curiosa, em França, com os simples pardais. Luís XIII (1601-1648), o Justo, que era também conhecido por Passarinheiro, pelo seu grande afecto às aves, mandou soltar, aquando da sua coroação em Reims, centenas de pardais na catedral, no acto solene.
Esta tradição fez caminho, pelo menos até à coroação de Carlos X, em 1825.

sábado, 21 de maio de 2022

Passarada



Um melro dominante sobre o casario. Cantando ao meio-dia.

Lembrei-me dele mais tarde, já de noite, quando me pareceu ouvir, ao longe, o que parecia ser um muezim, repetindo por três vezes uma lengalenga que eu não entendi...

Veio-me assim à colação, também, a litania dos ceifeiros de Cuba, que Vitorino não desdenhou reproduzir, recantando:
"...Namorei uma rapariga,/ pares de meias deu-me dez!/ Quais, quais, oliveiras, olivais,/ pintassilgos, rouxinóis./ Caracóis, bichos móis./ Morcegos, pássaros negros./ Tarambolas, galinholas./ Perdizes e codornizes./ Cartaxos e pardais./ Cucos, milharucos, cada vez há mais..."

domingo, 15 de maio de 2022

Impromptu 62


Num desempenho singular de Rostropovich (violoncelo) e Britten (piano) tocando uma bonita sonata (D 821) de Franz Schubert, aqui fica este Impromptu, com uma duração maior do que o habitual, quanto a obras musicais no Arpose.

Nota : por razões pessoais, os visitantes e amigos não devem estranhar a ausência de postes e a eventual omissão de comentários, nos tempos mais próximos, muito provavelmente.

sábado, 14 de maio de 2022

Mercearias Finas 178



Registe-se, para que conste: na banca da Leonor, as de Sesimbra estavam a 6,50, de Peniche custavam 8,50 euros, o quilo. E a Tânia foi explícita: as mais baratas tinham sido pescadas de véspera e à noite, as sardinhas mais caras tinham aparecido na lota, já de manhãzinha. Mas a mim também me pareceram maiores. A banca estava muito bem fornecida. Pescadas 12,50, lulas, cantaril, carapau, peixe espada preto, linguado a 23 euros e até um peixe róseo-vivo que eu deconhecia e nunca tinha visto: salongo, a 18,50.
Mas não foi no Monte nem com a Leonor que fizemos a vernissage sardinheira, na companhia de um Fernão Pires, fresco. Mas na Trafaria, no restaurante do Rui, que nos iniciámos hoje. Se estavam boas, as sardinhas? Muito, e crescidas, embora ainda sem as gorduras habituais de Junho...

Um quadro para um aniversário



Para Margarida Elias, no 14º aniversário do seu blogue Memórias e Imagens, este Columbano, do Museu do Chiado, em música de câmara, com muitos parabéns e os nossos melhores votos de longa vida!

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Poema de Antonio Gamoneda (1931), em versão portuguesa



Existiam as suas mãos,
um dia o mundo fechou-se no silêncio,
as árvores, acima, eram amplas, majestosas
e todos nós sentíamos sob a nossa pele
o movimento da terra.

As tuas mãos tornaram-se suaves nas minhas
e eu senti a gravidade e a luz
e que habitavas no meu coração.

Tudo era verdade sob as árvores,
tudo era verdade. Eu entendia
todas as coisas, como se compreende
um fruto com a boca, a luz com o olhar.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Citações CDXXXIII



Eu creio que é preciso sempre um rasgo de loucura para construir um destino.

Marguerite Yourcenar (1903-1987), in Les Yeux Ouverts (1980).

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Assim vai a arte



Vai longe o tempo em que as obras de arte se adquiriam por gosto estético, por empatia cultural e, maioritariamente, sem ter em conta a eventual valorização do objecto. Hoje, na prática, quase tudo se compra no propósito de investimento e ganhos futuros. Esta serigrafia de Andy Warhol, semelhante a uma série de mais 4 que só diferem nas cores, atingiu um recorde, neste início do século XXI. Representante icónica da Pop Art, ultrapassou o anterior valor máximo de obra de arte, em leilão, que pertencia ao quadro Les Femmmes d'Alger, de Picasso, que também a Christie´s vendera, em 2015, por 170 milhões de euros.
A obra de Warhol foi arrematada por um conhecido galerista norte-americano (Larry Gagosian) e, o único aspecto que eu, subjectivamente, considero positivo, é que o montante apurado na venda será destinado à criação de sistemas de apoio de prestação de cuidados de saúde para crianças e programas educacionais.
Valha-nos, ao menos, isso!

terça-feira, 10 de maio de 2022

Memória 142



Por várias razões se justifica que demos destaque a este livro saído recentemente (Maio 2022). (E que, gentilmente, nos foi oferecido.) Até para que a memória não se perca, dos tempos enclausurados.

domingo, 8 de maio de 2022

Curiosidades 93



Quando temos ocasião de folhear catálogos antigos de leilões de livros, sobretudo realizados até meados do século XX, ficamos surpreendidos com a riqueza dos acervos de algumas bibliotecas do passado. Mas também acontece, por vezes, a partir dos anos 60/70 do século anterior a este nosso, os lotes em praça em outras almoedas nos decepcionarem pela banalidade dos seus conteúdos. Não assisti ao leilão da biblioteca de  José Blanc de Portugal (1914-2000), promovido pela Dinastia e organizado por Luís Burnay, em 30 de Abril e até 4 de Maio de 2001, cerca de um ano depois da morte do poeta. Mas, como consultei e analisei o catálogo, vou dar uma ideia muito geral do acervo bibliográfico e das temáticas mais representadas nessa biblioteca que, contendo muitos atados, era constituída por 2015 lotes.



Naturalmente, a poesia era predominante e, só em atados, contava com 124 lotes. O poeta mais representado era António Botto com 17 livros. Seguia-se Ruy Cinatti, com 15 obras, 7 delas com dedicatória para Blanc de Portugal; Ruy Belo com 9 volumes, todos dedicados. 8 de Sophia, também.
No leilão, havia dois livros do século XVI, sendo o mais antigo de Terêncio, impresso em Paris, no ano de 1552 (lote 1826). O século XVII contava 5 lotes. A estimativa mais alta de preços pertencia à 1ª edição (1934) de Mensagem, de Fernando Pessoa, lote 1474, que apontava para valores entre Esc. 200.000$ / 300.000$00.
Quanto a temáticas: Música e Ballet estavam representados por mais de 200 lotes; Seguia-se a Etnografia. Livros sobre Ciências Ocultas eram 149. Sobre a China havia 57 lotes, 5 dos quais de poesia.
Estranhei que, neste leilão da biblioteca de José Blanc de Portugal, só houvesse 3 obras de Camilo e que Sá de Miranda não estivesse representado, embora houvesse muitos lotes com obras de Camões.

Excerto e nota



"O primeiro  dever de um escritor é escrever aquilo que pensa, custe o que custar. Aqueles que preferem mentir não têm senão que escolher um outro ofício - o de político, por exemplo."

Georges Bernanos (1888-1948), in Le Chemin de la Croix-des-Ames.

Nota pessoal: católico e monárquico, posições ideológicas de direita que explicam, porventura, a diatribe contra os políticos no final da citação (acima), o escritor francês George Bernanos era, eticamente, um homem livre (Camus dixit) e isento, qualidades que o levaram a denunciar a barbárie do franquismo (Les Grands Cimitières sous la Lune, 1938) na Guerra Civil Espanhola, e a opor-se ao regime de Vichy e a colaborar, durante a II Grande Guerra, com a Resistência.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Realismo mágico ?



O título deste poste socorre-se do nome de uma corrente de ficção sul-americana que teve em Gabriel García Márquez um dos seus mais célebres cultores. É que, se não fora este livrinho (Cobras, lagartos e baratas, 2020) ter sido editado por uma instituição credível e séria, eu teria uma extrema dificuldade em acreditar em tudo o que lá vem escrito, a propósito de animais de estimação, em Portugal.


Pois logo no início do exergo deste pequeno volume, como se pode ler, João Loureiro, biólogo do ICNF,  refere insolitamente que:
"Há muita gente que tem muito mais do que trinta cobras em casa. (...)"
Parece inacreditável!

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Fragmento hospitalar


À minha frente, Orlanda S. começou a deslizar, sub-repticiamente, do assento hospitalar para o solo, sem ruído, ainda ligada à garrafa de oxigénio. O seu telemóvel foi o primeiro a bater no chão, motivando a atenção de uma e depois duas enfermeiras, magras, elegantes que, acorrendo e apesar da boa vontade, não conseguiram suster o corpanzil, enorme, da paciente até ao chão. Entretanto, José Z., gutural na fala arrastada, e na cadeira de rodas direccionada pelos pais, começou também a demonstrar alguma aflição visível. D. Eugénia M, na coxia direita do corredor central, começou a suspirar com desespero audível.
Para meu espanto e incredulidade, à porta da sala de espera, apareceram então, surreais, duas palhaças de bata azul a fazer momices e trejeitos toscos, para os pacientes. 
E José Z. , serenando, começou a bater palmas. Orlanda, depois da injeção, acalmou também um pouco, deitada no chão. Eu demorei, naturalmente, um pouco mais tempo...

Uma fotografia, de vez em quando... (158)



A atenção humana é, sem dúvida, uma das virtudes maiores de uma boa amizade. 
O meu amigo H. N. teve a grata lembrança de me remeter esta fotografia, acima, que reúne, algures (França?, Portugal?, Itália?, Espanha?...), cinco políticos socialistas que se davam bem. Não deixa de ser uma foto histórica, que muito estimei e que aqui fica.
Só lhe posso agradecer este seu gesto atento e amigo.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Divagações 179



Não terei visto muitos filmes de Michel Bouquet (1925-2022), actor falecido recentemente. Talvez Clouzot, talvez algum filme de Chabrol. Mas, aquele que mais me impressionou, terá sido Le Promeneur du Champs-de-Mars (em português: "O último Mitterrand", 2005), de Robert Guédiguian. Era uma interpretação magnífica deste grande actor francês, sobretudo de teatro. Uma experiência de vida semelhante, com a guerra pelo meio, ajudou talvez a compor melhor a figura de um dos últimos grandes Presidentes da República francesa. 
Dele dizia Michel Bouquet: Mitterrand é uma figura de romance. Olhos negros, rosto pálido, máscara de gesso, um homem muito diferente do animal político.
De si mesmo, entretanto, o actor traçava um retrato: Não me acho interessante. Mas terno, banal, insosso. São os desempenhos que acabam por me dar espessura.




segunda-feira, 2 de maio de 2022

Caves presidenciais



Não me lembro de ter lido ou visto alguma informação sobre os vinhos que porventura se guardam na adega do Palácio de Belém, para serem servidos nas refeições presidenciais. Será que existem, ou serão só comprados na altura para um uso definido e concreto?
Ao contrário, o último número fora de série de Le Point (referido no Arpose, recentemente - Les secrets de l'Elysée) consagra cerca de 2/3 da página 66 às caves do Palácio do Eliseu e às preferências e saberes enológicos dos oito presidentes da 5ª República francesa. O artigo destaca Giscard d'Estaing como o mais sabedor e apreciador de vinhos franceses. Pompidou especializara-se e gostava sobretudo dos grands crus do Médoc. Se Mitterrand era um gastrónomo conhecido quanto a comida (lembremos as hortulanas...), não era muito esquisito quanto a bebidas. Sabe-se da preferência de Chirac pela cerveja e dos gostos modestos de De  Gaulle quanto a vinhos. Sarkozy e Macron, ao que parece, não são grandes conhecedores. Hollande embora aprecie e conheça de vinhos, dada a acumulação de garrafas nas caves do Eliseu, e à crise, resolveu vender, em 2013, alguns excedentes vínicos, que totalizaram a considerável quantia de 700.000 euros. Entre eles, contavam-se alguns Petrus 1961, colheita famosa que fez a alegria de alguns coleccionadores que os vieram a adquirir.
Regressando a Portugal, sabe-se da preferência de Américo Thomaz pelo tinto Dão Terras Altas. Na nossa recente e democrática República, não estou a ver grandes enólogos ou conhecedores. Talvez Mário Soares, porventura. Dos restantes, quase todos eram comedidos como o rei D. Duarte, que até talhava o vinho com água - o que, no séc. XV, até se compreendia. Mas não hoje em dia...

Revivalismo Ligeiro CCCV

domingo, 1 de maio de 2022

Ora, aqui há 60 anos...



... Contava  Luiz Pacheco (no blogue Esplanar, e posteriormente no livro O Crocodilo que voa: entrevistas a Luiz Pacheco, de João Pedro George [Tinta da China, pgs. 214/5] o seguinte:

"Era um 1º de Maio (1962). Havia uma manifestação muito grande em Lisboa... havia greve, talvez... opá houve mortos e tudo, houve polícias que foram parar dentro do lago do Rossio... aquilo foi a sério... foi a primeira manifestação a sério que houve em Lisboa... foi a primeira vez que apareceram carros de água com metilene para marcar as pessoas, tinta que não saía... eles aí apanharam muita porrada, na rua da Madalena, no Largo da Anunciada... então a malta do Gelo, estava lá o Virgílio Martinho, que disse: «O que é que a gente veio cá fazer?» Respondi-lhe: «Então a gente veio cá mostrar o casaco... dar porrada? o que é que se pode vir a fazer...» e de facto estivemos no dia 1 de Maio muito sossegados. Eu sentei-me num cantinho, [...]"

Em sequência



Não terão sido só as cepas, por aí (como diz o rifão), a dar sinal de vida e alegria pelos finais de Abril. Também a sempre cumpridora Amaryllis, da varanda a leste, nos surpreendeu ao abrir em quatro frentes, florescendo radiosa. Até hoje, no passado, só o tinha feito com flores trigémeas...

Adagiário CCCXXXV




A boa cepa, Maio a deita.