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segunda-feira, 23 de junho de 2025

Em louvor de uma editora

 
Houve tempo em Portugal em que as editoras tinham preocupações pedagógicas, quando não éticas. Guiavam-se também pelo lucro naturalmente, mas orientavam as escolhas das suas obras por critérios de qualidade literária. De David Corazzi a Rolland & Semiond, da Portugália aos Livros do Brasil, mais recentemente, comprar livros destas editoras era uma garantia de estarmos a adquirir obras de nível cultural. Hoje, são raras as empresas que pautam os seus critérios para lá do lucro, exclusivamente.



De fora, chegavam-nos também ecos da exemplaridade estética de algumas casas editoras. Uma das que eu tenho de memória era a empresa de Albert Skira (1904-1973), sediada na Suiça, que se especializou de forma magnífica em livros de arte e sobre pintores. Aqui a lembro, por imagem, através de um belíssimo livro sobre Henri Matisse (1869-1954), de 1959, obra que me foi oferecido pelo meu amigo H. N., a quem mais uma vez agradeço a lembrança.



quarta-feira, 12 de junho de 2019

Dois ou três olhares


De Eva Mudocci (1872 ou 1883-1953) não se sabe muito, para além de ter sido uma violinista com algum sucesso. De seu nome completo, Evangeline Hope Muddock, várias nacionalidades lhe são atribuídas: inglesa, dinamarquesa, polaca, italiana ou espanhola... Há quem a diga, também, cantora, pianista e poeta. Facto indiscutível é que terá sido apresentada, em 1903, ao pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944), e nesse mesmo ano lhe serviu de modelo, para a sua obra Madonna.


Terão tido uma relação de que resultou, em 1908, o nascimento de um casal de gémeos: Isabella e Edvard. Muito embora as biografias do pintor não lhe atribuam descendentes. Mais tarde ligou-se ao pianista Bella Edwards. Mas no certificado de óbito (1953) consta como viúva de um jornalista ignorado (Louis Levy?), que poucos traços terá deixado na sua vida. Embora haja quem o nomeie como pai dos seus filhos.
Ponto assente, é que também se terá dado com Henri Matisse (1869-1954) que, em 1915, lhe terá desenhado as feições, de forma muito linear.

E eis tudo o que praticamente se sabe desta musa singular e misteriosa.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Bonnard, sim ou não?


Creio que o primeiro quadro de Pierre Bonnard (1867-1946), que vi, foi esta tela de 1925, intitulada O Banho. E não gostei. Vi depois outras com o mesmo motivo, que é recorrente na sua obra, e uma semelhante sensação  de desagrado me surpreendeu.
Talvez por essa razão é que nunca falei dele, aqui no Arpose, até hoje.


O pintor francês tem agora, na Tate Modern, e até 6 de Maio, uma grande exposição sob o título The Colour of  Memory, e o penúltimo TLS (nº 6046) fala disso, amplamente, com palavras de Gabriel Josipovici, que já em 1986 lhe tinha dedicado um livro, Contre-Jour: A triptych after Pierre Bonnard.


Nesta recensão à mostra de Bonnard, aduzem-se argumentos a favor e contra a qualidade da sua obra. O primeiro a desvalorizar os trabalhos do pintor francês, foi Christian Zervos, nos Cahiers d'Art, logo após a morte de Bonnard, em 1947. Classificou-o como um pintor menor. Matisse, pelo contrário, defendeu-o.
Mas Picasso foi mais longe, na condenação da sua obra: "Não me falem de Bonnard... não é pintura aquilo que ele fez. Ele nunca vai além da sua própria sensibilidade. Não sabe escolher. Porque pintar não é uma questão de sensibilidade..."
Quem sou eu, para discordar de Picasso?

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Pinacoteca Pessoal 140


Ao contrário da literatura, as artes plásticas, talvez pela sua maior flexibilidade de concretização, têm criado, mesmo nos últimos tempos, novas expressões para as suas diferentes (?) escolas. O denominado Neo-Expressionismo (por volta de 1980) e o mais recente Formalismo Zombie, cunhado por Walter Robinson (1950), estão aí como exemplos, em confronto com a chancela maior de Romantismo que, em literatura, já cobre, como corrente, mais de dois séculos.
Léopold Survage (1879-1968), nascido na Finlândia - país que, nessa altura, estava integrado na Rússia - desenvolveu a sua obra madura já em França, onde viveu grande parte da sua vida e veio a falecer, em Paris.

Ainda expôs na Rússia, em conjunto com Wassily Kandinsky, mas os seus caminhos de expressão seguiram rumos diferentes. Em Paris partilhou o estúdio com Amedeo Modigliani, que lhe fez o retrato, em 1918. Atraído pelo Cubismo, veio a ser influenciado, também, por Cézanne e Matisse.
A sua obra é multifacetada e, por isso, difícil de ser contida apenas numa escola de Pintura...

sábado, 4 de novembro de 2017

Adenda ao poste sobre a exposição de Matisse, em Londres


Por associação, muito subjectiva e intricada, lembrei-me há pouco deste quadro de Henri Matisse (1869-1954), The Open Door, Britain, que o artista pintou em 1896.
A tela não constava da mostra que eu vi em Londres. Mas, hoje de manhã, no Escritório, perante um céu azul, com poucas nuvens, hesitei se havia de abrir a janela de par em par, ou deixá-la fechada.
Optei pelo meio termo, receando a chuva repentina...

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Onde me apetecia estar... e estive, realmente


Com os anos, vamos sendo mais frugais. Vamos sendo mais discretos e comedidos, deixando de ter mais olhos do que barriga - como diz o provérbio, aconselhadamente. Inscrevem-se neste aspecto os livros a ler, as coisas por fazer, os países a visitar, os filmes a não perder, os quadros que queremos ainda ver... Mas um dos aspectos secundários, que me levou a Londres, era ver, realmente, na Royal Academy of Arts, a exposição Matisse in the Studio, aberta até 12/11/2017. E vi-a.



Por alturas do início da II Grande Guerra e posterior ocupação nazi de parte da França, houve, pelo menos, dois pintores que se deslocaram para fora de Paris, vindo a usar outra residência. Henri Matisse (1869-1954), que já habitava Nice desde 1917, episodicamente, por uma questão de tranquilidade criativa, provavelmente, e Chaim Soutine (1893-1943), de origem judaica, por questões de segurança física. Ambos tiveram, também, problemas de saúde, graves, por essa altura, no início dos anos 40.



Curiosamente, na sequência da mostra de Matisse, na Royal Academy (Londres), seguia-se uma exposição de Soutine, que eu já não tive oportunidade de visitar, infelizmente. Sendo, como é, um dos meus pintores europeus preferidos.
Soutine, em 1943, na sequência do rebentamento de uma úlcera de estômago, foi transportado, em condições urgentes e adversas, para Paris, onde veio a falecer, pouco depois. Matisse teve mais sorte. Levado  de Nice para Lyon, foi operado, de urgência, a um tumor no duodeno, e apesar de muito fragilizado, sobreviveu. Esteve algum tempo acamado e foi durante esse tempo, na impossibilidade de pintar, que começou a recortar  pedaços de papel colorido, e intensificou o seu período inovador e pioneiro de colagens, que tinha iniciado de forma incipiente, nos anos 30.



A exposição de Matisse, que ocupa algumas salas da Royal Academy, é muito coesa e, sobretudo, intimista na sua sobriedade. E a existência de objectos domésticos cria uma envolvência muito peculiar, de outro tempo, e de interior, que quase nos faz esquecer que estamos numa galeria pública. Reconstitui parte do ambiente do seu estúdio: as obras preferidas do Pintor e de que ele nunca se quis separar, um bela cadeira veneziana que comprou, fascinado, duas cafeteiras antigas, uma das quais oferecida como presente de casamento, colagens, têxteis norte-africanos, alguns objectos de uso pessoal, e um pequeno acervo de esculturas africanas do Mali. Além dos quadros.


Gostei muito de ver a mostra. E, para concluir, devo dizer que valeu a pena, apesar das 13 libras que esportulei pelo ingresso. Que os ingleses são austeros, e só descontam 1 libra para quem é sénior...


sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Últimas aquisições


Eu nunca tinha ido à Foyles, em Charing Cross. E W. H. Auden era um motivo maior.
Mas Emily Dickinson também colhe as minhas preferências. Colhia-a na British Library.
E o livro sobre Matisse, de Alastair Sooke, veio da Royal Academy of Arts, quando visitei a exposição Matisse in the Studio, em muito boa hora.


terça-feira, 3 de outubro de 2017

Pinacoteca Pessoal 129


Aos que nos estão mais próximos, muitas vezes, nem damos por eles.
E eu nunca me lembrei de  incluir o artista francês nesta pessoal temática de Pintura.
Henri Matisse (1869-1954), a quem eu me referia,  dizia que um quadro era uma lenta deliberação.
Os vários retratos da sua filha Marguerite têm atenuantes compreensivas e afectuosas para as suas  experiências e a justificação da sua reflectida tirada, até pelo acompanhamento das diversas idades da sua descendente. Mas penso que ele se referia a cada um dos quadros, em si, fosse qual fosse o motivo que desse origem ao acto da criação.



No entanto, os cerca de 50 esquissos, que fez, sobre a italiana Laurette (ou Lorette), para além das várias telas que a têm como motivo, comprovam indiscutivelmente a sua afirmação, de experiência feita. Na elaboração pictórica de um mesmo rosto, através das suas múltiplas perspectivas. E também idades e momentos próprios. Do pintor e do modelo.
Não disse o crítico de arte Andrew Forge (1923-2002):... porque uma paisagem por Van Gogh ou uma natureza morta são também um auto-retrato ?



Informa-nos o TLS (nº 5972) que, na Royal Academy of Arts (Londres), estará patente uma exposição de Henri Matisse, até 12 de Novembro de 2017, subordinada ao tema: Matisse in the Studio. Apesar do preço de ingresso ser exorbitante (17 libras inglesas), penso que não irei perdê-la...



Nota: o retrato de Matisse, que encima este poste é da autoria do seu amigo André Derain (1880-1954).  

domingo, 9 de julho de 2017

Em louvor da Velhice (criativa e irreverente) : David Hockney


Tenho, para mim, que a velhice é, normalmente, mais do mesmo, passado. Ou como dizia o outro: é chegar ao fim do dia, e ver que nada aconteceu. Mas há curiosas excepções, mais raras ainda com artistas ou criadores. Estou a lembrar-me, por exemplo, de Herberto Helder que inflectiu, de forma poderosa, a sua poesia, nos últimos anos de vida. Menos, talvez Picasso, mas, com certeza, Matisse. Sá de Miranda é outro bom exemplo. Porque, na maioria dos casos, o que sobra é uma penumbra habituada, uma sombra pálida do que se fez, já sem o fulgor e pujança madura dos melhores anos. Como que uma desistência direccionada ao apagamento. Júlio Pomar disse, numa relativamente recente entrevista, que já andava cansado...


David Hockney (1937), que hoje faz 80 anos, é também um bom exemplo dessa vitalidade criativa que se renova, teimosamente, apesar da idade. Em 2012, em Colónia (Alemanha), tive a felicidade de ver uma exposição das suas últimas obras, que me surpreendeu pela frescura e qualidade estética, até mesmo, pela inflexão profunda do itinerário que tinha seguido até ali. É certo que ele tinha voltado à infância, voltara às paisagens juvenis da Inglaterra (East Yorkshire), onde tinha decorrido a sua adolescência, para pintar de novo. Alguns dos vídeos-instalações eram surpreendentes. E deixaram-me fascinado. Não os esquecerei tão cedo, como soberbas realizações de velhice ou maturidade tardia. E de apuramento estético, naquilo de que um criador é capaz.


É canónica e foi consensual a teoria de Leon Battista Alberti (1404-1472), durante muito tempo, para que o centro de um quadro organizasse os motivos de tal forma que obrigasse ou fizesse convergir o olhar do espectador para o tema central da obra. Muito poucos pintores, e ainda assim muito raramente, desafiaram esta teoria sobre a perspectiva, ou "desmanchar(am) a regra" - como disse, em verso e muito bem, o meu amigo António.
David Hockney tem, presentemente, no Centre Pompidou, uma exposição das suas obras, patente ao público até 23 de Outubro de 2017. A propósito da mostra, concedeu a Le Monde (22/6/2017) uma interessante entrevista em que explica a sua glosa (Annonciation 2) sobre o quadro de Fra Angelico (1395-1455), "A Anunciação a Maria", pintado em 1437. Recriando o interesse do presumível espectador pelo lado esquerdo, onde acrescentou uma paliçada diferente, e pelo lado direito, com o negro da noite. Por outro lado, modificou a posição da paliçada, de modo a alargar o campo de visão do observador. Levando-o para outros caminhos. A geometria do quadro de David Hockney é também totalmente diferente da de Fra Angelico, et pour cause...


Hockney refere também na entrevista que o que vinha pintando, natural e inconscientemente, numa tendência de inversão das perspectivas, se lhe esclareceu com a leitura da obra de Pavel Florenski (1882-1937), "A Perspectiva Inversa", em que o teórico russo advogava uma concepção da pintura totalmente contrária às ideias renascentistas do italiano Leon Battista Alberti. Daí os seus vídeos- instalações dos últimos anos, que, pelo seu movimento contínuo, obrigavam à participação acompanhada do olhar do observador.


Terminemos com uma nota mais ligeira, e de humor, de David Hockney que, quase no final da entrevista a Philippe Dagen, em Le Monde, afirma:
"Sim, eu sou um pintor feliz, e continuo a fumar. Na minha idade, não faria muito sentido parar: já não arrisco grande coisa. Sabe o que dizem na Califórnia? Que a opção, em breve, será entre fumar e a imortalidade. A imortalidade..."

domingo, 6 de dezembro de 2015

Em retribuição de um Matisse...


A canção "Danny Boy" é do início do século XX irlandês, e tem variadíssimas versões de diferentes intérpretes. Foi usada pelos irmãos Coen na banda sonora do filme Miller's Crossing (1990),  numa interpretação de Frank Patterson (1938-2000), que me parece das melhores.

sábado, 18 de outubro de 2014

Natureza viva, ou desmontando a instalação


Uma fotografia vale um poste? A minha resposta é não, mas há quem assim os faça. Penso, ao contrário, que há que juntar-lhe palavras. Em tempos de retraimento e recolhimento outoniços, porém, elas não surgem com facilidade. Ensaiemos as diversas opções de "legenda":
1. Eu podia falar do Outono.
2. Podia referir e nomear os frutos.
3. Talvez pudesse juntar à foto, uma catadupa de naturezas mortas (Cézanne, Matisse...) para deslumbrar os visitantes desconhecidos, que ficam quase sempre pasmados com a quantidade das imagens e com a pretensa erudição cultural.
4. Não dizendo nada, eu podia falar, até, de outras coisas...
5. Mas, mais concretamente, posso referir os dados acontecidos, com fidelidade real: a fruteira continha 2 maçãs "riscadinhas" e a bela romã, acabada de comprar, na Ribeira, pela HMJ. Lembrei-me que, numa outra fruteira, havia ainda uma laranja junto de três limões. Juntei a laranja para completar o quarteto, como se um verso final para acabar uma quadra. Depois, pedi a HMJ que tirasse uma fotografia, o que ela fez. Em prol da verdade, teria de dizer que, no frigorífico, ainda ficaram 3 diospiros, bem maduros, que não constaram da fotografia.

Será que terei dito, realmente, alguma coisa? De substancial - quero eu dizer...

domingo, 17 de agosto de 2014

Os azúis de Dufy


Ainda mais do que Matisse, Raoul Dufy (1877-1953) tem o condão de me convocar para o ar livre, ou lembrar férias à beira-mar. Até porque, nas telas deste Pintor, o azul tem, quase sempre, um lugar preponderante.

com agradecimentos renovados a H. N. .

Nota: perdoe-se, no texto de Lassaigne, do lado direito da imagem, uma citação inconsequente de clamorosa inexactidão, que passo a traduzir - "...René Jean observou que nas suas tapeçarias, o velho pintor português Nuño Gonçalvez, dava da mesma maneira as ondas banhando a costa africana."
Quem será este ignorante pseudo-erudito do René Jean?
Será que não haverá, por aqui, uma grande confusão com Jean Lurçat, que era francês?

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Para os nossos leitores, em primeira mão



Na sequência da informação, dada por FVN no Prosimetron, sobre o "Achado sensacional de Munique", uma estação de televisão alemã apresentou, hoje, alguns quadros que são dados como desconhecidos do público.
Para os nossos leitores seleccionei a imagem de dois quadros. Em cima um Chagall e, a seguir, um Matisse.


Post de HMJ

sábado, 3 de agosto de 2013

Henri Matisse e a geometria na pintura


"...Eu não dou a indicação de uma curva, por exemplo de um ramo de árvore na paisagem, sem ter consciência da sua relação com a vertical. As minhas curvas não são loucas. ..."

Henri Matisse (1869-1954).

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Citações CXV


"...en Art la verité commence, quand on ne comprend plus rien à ce qu'on fait..."
(...em Arte a verdade começa, quando já não se compreende mais nada daquilo que se faz...)

de um músico anónimo, citado por Henri Mattisse, em Jazz. E, em epígrafe, de um quadro de Pedro Chorão (1945), nesta sua recente mostra.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Favoritos LXVI : Henri Matisse



É um quadro que, à partida, dificilmente atribuiríamos a Henri Mattisse (1869-1954), porque ainda não tem a marca do seu estilo, nem o despojamento e simplicidade das suas obras de maturidade e velhice. É um quadro de juventude, feito antes de completar 30 anos, e intitula-se "Marine à Goulphar" e, a propósito da sua estadia na região, Matisse referiu que "foi seduzido pelo clarão da cor pura".

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Um poema de John Burnside (1955), em terceira mão



Dando de comer aos peixes

Os peixes
são cépticos.
Já viveram neste mundo
e sabem o que lhe falta;

como poderiam eles evitar
o desejo e o medo,
magoando-se pelo mistério do vidro,
nas vibrações da minha voz, pelas minhas mãos desastradas,

se não tivessem atingido
uma distanciação real?
Pergunto-me muitas vezes o que pensam eles percorrendo
a superfície do bocal; observei-os, procurando um clarão de fé,

impaciência, terror, consternação, alegria
- mas nada transpira, nem mesmo
a memória.
                  Durante todo este tempo, creio
que nunca terão adormecido,

por isso, nunca sonharam
- a menos que o sonho deles seja aquilo
que eu já nem vejo, cenário veloz de que se duvida:
a mesa à entrada, a segunda passagem do correio,

as luzes do outro lado do estuário, o prado vazio,
as crianças que regressam a casa, chamando no escuro,
o perfume do teu lenço ao pescoço
temperado pela chuva.

Nota: o poeta escocês John Burnside nasceu a 19 de Março de 1955 e foi galardoado com o prémio T. S. Eliot, em 2011. O poema, traduzido da versão francesa de Françoise Abrial, pertence ao livro "A Normal Skin", de 1997. O quadro, em imagem, é de Matisse.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Henri Matisse


Até 18 de Junho de 2012, e sob o título de Paires et Séries, estará aberta ao público, no Centro Pompidou, uma grande exposição da obra de Henri Matisse (1869-1954).
" A espontaneidade não é o que procuro. Assim, a Dormeuse en Blouse Romaine (...) exigiu-me seis meses de trabalho." (Henri Matisse, 1945)
"Tomemos um exemplo: penso que nada é mais difícil a um verdadeiro pintor do que pintar uma rosa, porque, para o fazer, precisa primeiro de esquecer todas as rosas pintadas. Aos visitantes que vinham ver-me a Vence fiz  muitas vezes a pergunta: «Viram os acantos, no talude que bordeja a estrada?» Ninguém os tinha visto; todos teriam reconhecido a folha de acanto sobre um capitel coríntio, mas ao natural, a lembrança do capitel impedia de ver o acanto. É um primeiro passo para a criação ver todas as coisas na sua verdade, e isto supõe um esforço contínuo." (Henri Matisse, 1953)

Exposição de Pintura


Nascido em Oeiras, o jovem pintor Manuel Caldeira (1979) inaugura uma exposição de trabalhos sobre papel, na Galeria Arte Moderna e Contemporânea ( Rua Ivens, nº 38, em Lisboa), no próximo dia 15 de Março. O traço simples com elegância estética faz-me lembrar algumas obras de Matisse.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Circunstância e solidariedade


Num tempo de macro-assimetrias gritantes, de um pan-egocentrismo internacional e de um individualismo feroz há, por vezes, pequenos oásis de solidariedade natural, mas militante, onde apetece pousar.
Esta humanidade pode encontrar-se, por exemplo, em pequenos clubes onde se vai tomar o café, à noite, depois do jantar; pode albergar-se sob a sigla de agremiações amigas que, por um motivo próprio, criam momentâneas cadeias de concordância e calor humano, inesperados. Ou até pode, esta solidariedade de afectos, nascer e fortalecer-se num grupo dissonante, discretamente unido, que amesende em conjunto mas nem sempre, num pequeno restaurante modesto e familiar, situado numa rua incaracterística e vaga duma vila de província ou cidade de subúrbio - os milagres acontecem, quase sempre, em sítios improváveis...
No minúsculo restaurante, alguém disse: "- Como o Rui costumava contar..." Em tempo passado. Percebi, o Rui tinha morrido. Realmente, eu já não o via há mais de dois meses. Só tinha 57 anos e eu, que gosto de alcunhas, chamava-lhe o "Trotsky" - barba, óculos, movimentos, ideologia que lhe fui notando.
Ficamos nós, dos mais assíduos: o Engenheiro, a Dª Alice (com 92 anos, que não parece), o "Fala-barato", e uma outra senhora que poderia ser da família, pelas parecenças, do Tomaz de Figueiredo (alcunhava-a de "Tomázia") que hoje teve um comentário misterioso. Disse: "- Falou a foca!" E, ao mesmo tempo, sorriu com elegância. Eu não percebi o uso da frase mas, qualquer dia, ganho coragem e pergunto-lhe, com delicadeza, o que é que ela quis dizer com aquilo. Neste pequeno grupo de singela, e não expressa, solidariedade, é possível, de vez em quando, sermos curiosos, mesmo que, habitualmente, não dialoguemos uns com os outros.