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segunda-feira, 5 de junho de 2017

Da leitura (22)


Vou a cerca de 4/5 do fim de uma leitura que me tem sido extremamente agradável. E é muito pouco provável que a parte final do livro me venha a anular o prazer de o ter lido. A obra, do escritor Mário de Carvalho (1944), tem o enorme título de: Quem disser o contrário é porque tem razão - Letras sem tretas, e foi editada, pela primeira vez, em 2014.
Quanto ao grafismo da capa, não será de meu agrado, mas a qualidade do produto, que embrulha, faz-me esquecer aquele desatino foleiro da Porto Editora. Por outro lado, eu teria grandes dúvidas em classificar este livro, assim ambiciosamente, como de ensaio e, para entre família, eu diria que é, apenas, (um livro) de conselhos a um futuro escritor.
Assim um pouco como as Cartas a um jovem poeta, de Rilke, mas destinado a um público de promissores prosadores e, ao contrário da seriedade rilkeana, aquele está recheado de uma quase constante ironia, de fundo. E bem actualizado, pela referência (sorridente e compassiva) a Workshops e a essa ciência oculta a que, nas modernas universidades, se dá o nome disciplinar e esperançoso de Escrita Criativa (que vai dando de comer a muitos publicitários-escritores-catedráticos, de terceira divisão da nossa paróquia literária nacional). 
Perene boa disposição é o que este livro de Mário de Carvalho nos traz, com a frescura de uma escrita num português limpo, claro e divertido. Vou transcrever três pequenas citações da obra, só para aguçar o apetite de algum futuro presumível leitor:

"Problema diferente é o da procrastinação. Significa, literalmente, «deixar para amanhã», mas aplica-se a toda a vontade de adiar o trabalho da escrita. Vergílio Ferreira disse, em tempos velhos, que nunca escreveria tal palavra. A verdade é que ela actualmente tem curso desenfreado." (pg. 67)
...
"Conta-se que a velha criada de Alexandre Herculano, quando um jornalista lhe perguntou o que fazia o mestre desterrado em Vale de Lobos, respondeu: «Nada. Nadinha. Passa os dias a ler e escrever.»" (pg. 70)
...
"Em Portugal costuma mencionar-se a este propósito (distracções de escritor) o caso de uma escritora (não sei quem foi) que deixou uma personagem grávida durante vários anos." (pg. 120)

Quem quiser balancear, a contrapeso, as agruras destes nossos tempos, pois que compre e leia este livro, em que irá encontrar leveza divertida, mas também palavras sábias, durante algumas horas de leitura. Em suma: eis uma obra bem escrita, e de qualidade muito acima das burundangas que se vão publicando (e lendo, infelizmente), em Portugal.

domingo, 20 de março de 2016

Desconversa de Domingo


Letão é o habitante da Letónia, se dúvidas houvesse, bastaria lembrarmo-nos do título do primeiro livro de Simenon, em que entra Maigret. Quanto à Lituânia, é seguro que é povoada pelos lituanos; mas, em relação ao Burkina Faso, não estou certo. Será que era mais fácil quando o país se chamava Alto Volta?
Ao que parece, Rilke considerava os gatos uma espécie de animais imateriais, pelas suas aparições e desaparições súbitas. No que dizia respeito aos cães era, porém, mais severo. Considerava-os uns bichos híbridos ou, nas suas palavras: "nem homem nem besta: um mestiço lamentável e comovente."
As datas de morte de escritores, quando se nos conscencializam na cabeça trazem-nos (pelo menos, a mim) alguma perplexidade. Saber que Cervantes morreu no mesmo ano que Shakespeare (1616), é estranho. Ou que Eça, Nobre e Oscar Wilde faleceram, os 3, em 1900, pode parecer improvável. Qual nos parece mais antigo? E qual, o mais moderno?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A par e passo 160


Mas como fazer para pensar - quero eu dizer: para repensar, para aprofundar aquilo que parece merecer ser aprofundado - se nós temos a linguagem por essencialmente provisória, como é provisória uma nota de banco ou um cheque, a que nós chamamos "valor", que exige o esquecimento da sua mesma natureza, e que é apenas a de um bocado de papel habitualmente sujo? Este papel que já passou por tantas mãos... Mas as palavras que também já passaram por tantas bocas, por tantas frases, por tantos usos e abusos, que as preocupações mais sérias se impõem para evitar uma excessiva confusão nos nossos espíritos, entre aquilo que pensamos e procuramos pensar e o que o dicionário, os autores e, de resto, todo o género humano, desde a origem da língua, querem que nós pensemos...

Paul Valéry, in Variété V (pgs. 133/4).

sábado, 22 de agosto de 2015

A par e passo 145


Nós vemos rarefazerem-se diversas palavras, ou diversas locuções, que qualificavam ou designavam antigamente aquilo que se julgava de melhor ou de mais precioso e mais delicado no ser humano moral. Já não se diz que ele é um homem de bem; honra, ela mesma, periclita; a estatística já não lhe é favorável. Homem honrado, palavra de honra, ponto de honra, já são locuções moribundas, e não vemos facilmente, na linguagem actual, algo que as substitua.

Paul Valéry, in Variété IV (pg. 170).

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Um livro


Há já largos meses (mais de um ano?) que não leio um romance, novela ou um conto que me agrade inteiramente. Uma obra de ficção, em suma.
Será uma verdade, à marechal de La Palice, eu dizer que o que distingue uma obra ficcional, de uma biografia, é sabermos que, nesta última, as personagens que a integram existiram e os factos foram reais. Há, no entanto, em toda a literatura, obras híbridas, em que a ficção e a realidade se entrelaçam, numa harmonia perfeita. Estou a lembrar-me, por exemplo, de "Viagens na minha Terra", de Garrett, ou de "Os cadernos de Malte Laurids Brigge", de Rilke, para referir apenas dois casos.
É este hibridismo perfeito, segmentado, embora com maior peso biográfico, e que, pela antologia valeriana (ficção, poesia e ensaio) se torna compósito, que caracteriza o livro que ando a ler, com imenso agrado. Intitula-se "Paul Váléry" (Editions Pierre Charron) e foi (bem) escrito e organizado por Pierre Caminade. E que recomendaria, não fora o facto de ter sido publicado em 1972, sendo por isso, decerto, difícil de encontrar.
Para além disso, é um prazer folheá-lo: é uma edição cuidada, tem ilustrações invulgares e bonitas, vendo-se que foi produzido por quem tinha muito bom gosto estético.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Robert Musil, sobre Rilke


"Rainer Maria Rilke adaptava-se mal à sua época. Este grande poeta lírico nada mais fez do que elevar à perfeição a poesia alemã; ele não foi uma celebridade de agora, mas um destes cimos sobre os quais o destino do espírito avança de século em século..."

Robert Musil, in Rede zur Rilke-Feier.

sábado, 9 de novembro de 2013

Para nascer um verso


"...Ah, mas que significam os versos, quando os escrevemos cedo! Devia-se esperar e acumular sentido e doçura durante toda a vida e se possível durante uma longa vida, e então, só no fim, talvez se pudessem escrever dez versos que fossem bons. Porque os versos não são, como as gentes pensam, sentimentos (esses têm-se cedo bastante), - são experiências. Por amor de um verso têm que se ver muitas cidades, homens e coisas, têm que se conhecer os animais, tem que se sentir como as aves voam e que se saber o gesto com que as flores se abrem pela manhã. É preciso poder tornar a pensar em caminhos em regiões desconhecidas, em encontros inesperados e despedidas que se viram vir de longe, - em dias de infância ainda não esclarecidos, nos pais que tivemos de magoar quando nos traziam uma alegria e nós a não compreendemos (era uma alegria para outro - ), em doenças de infância que começam de maneira tão estranha com tantas transformações profundas e graves, em dias passados em quartos calmos e recolhidos e em manhãs à beira-mar, no próprio mar, em mares, em noites de viagem que passaram sussurrando alto e voaram com todos os astros, - e ainda não é bastante poder pensar em tudo isto. É preciso ter recordações de muitas noites de amor, das quais nenhuma foi igual a outra, de gritos de mulheres no parto e de parturientes leves, brancas e adormecidas que se fecham. Mas também é preciso ter estado ao pé de moribundos, ter ficado sentado ao pé de mortos no quarto com a janela aberta e os ruídos que vinham por acessos. E também não é ainda bastante ter recordações. É preciso saber esquecê-las quando são muitas, e é preciso ter a grande paciência de esperar que elas regressem. Pois que as recordações mesmas ainda não são o que é preciso. Só quando elas se fazem sangue em nós, olhar e gesto, quando já não têm nome e já se não distinguem de nós mesmos, só então é que pode acontecer que, numa hora muito rara, do meio delas se erga a primeira palavra de um verso e saia delas. ..."

Rainer Maria Rilke (1875-1926), in Os Cadernos de Malte Laurids Brigge (pgs. 41/2) - trad. de Paulo Quintela.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Rainer Maria Rilke


O grande poeta alemão nasceu a 4 de Dezembro de 1875, mas a sua influência ainda hoje se faz sentir na poesia europeia. Além da sua obra em verso, um dos seus livros mais importantes é "Os Cadernos de Malte Laurids Brigge", que Paulo Quintela traduziu em 1953/54, tendo sido publicado em 1955. O Professor de Coimbra chama-lhe "romance", classificação que tenho alguma dificuldade em aceitar, preferindo-lhe o original "cadernos", ou diário em prosa, muito embora não constem datas nesta obra de Rainer Maria Rilke.
Paris é o cenário omnipresente, muito embora o livro tenha sido iniciado em Roma, no ano de 1904. De lenta maturação, a obra atravessa o período conturbado em que Rilke foi secretário de Rodin, até se dar a ruptura, tendo sido publicado apenas em 1910, em Leipzig. Verlaine, Baudelaire e a "Dame à la Licorne" são referidos, mas também revisitações à infância e adolescência do Poeta. E uma lenta aprendizagem da Arte e da Vida.
No dia em que passa mais um aniversário do nascimento de Rainer Maria Rilke, venho lembrá-lo, na versão portuguesa de Paulo Quintela, através de um pequeno excerto da obra referida acima:
"...Já disse? Aprendo a ver. Sim, estou a começar. Ainda vai mal. Mas vou aproveitar o meu tempo.
Por exemplo: que nunca tinha tido consciência de quantas caras há. Há muitas pessoas, mas há ainda muitas mais caras, pois cada uma tem várias. Há pessoas que usam uma cara anos seguidos; gasta-se naturalmente, suja-se, quebra nas rugas, alarga como as luvas que se usaram em viagem. São as pessoas simples, poupadas; não mudam de cara, nem a mandam lavar. Serve muito bem, afirmam elas; e quem é que lhes pode provar o contrário? Mas perguntar-se-á: Se têm várias caras, que fazem das outras? - Guardam-nas. Serão para os filhos. Mas acontece também os seus cães saírem com elas. E porque não? Uma cara é uma cara. ..."

sábado, 4 de dezembro de 2010

Memória 47 : Rainer Maria Rilke



É um dos maiores poetas da língua alemã, e o meu preferido. Rainer Maria Rilke nasceu a 4 de Dezembro de 1875. Muito embora, da sua obra, a poesia seja a parte mais conhecida, a sua prosa tem uma limpidez e fascínio admiráveis. Da tradução de Paulo Quintela, trancrevo o início do capítulo "Bibliothèque Nationale" de Os cadernos de Malte Laurids Brigge:
"Estou aqui sentado a ler um poeta. Há muitas pessoas na sala, mas não se dá por elas. Estão nos livros. De vez em quando mexem-se nas folhas, como gente a dormir que se volta entre dois sonhos. Ah! como é bom estar no meio de gente a ler! Porque é que os homens não são sempre assim? Podes ir a um deles e tocar-lhe de leve: não sente nada. E se ao levantar-te deres um leve encontrão num vizinho e pedires desculpa, então ele acena a cabeça para o lado donde ouviu a tua voz, o seu rosto volta-se para ti e não te vê, e o seu cabelo é como um cabelo de um homem adormecido.. Que bem que isto faz! E eu estou aqui sentado e tenho um poeta. Que destino! Há agora talvez trezentas pessoas na sala, a ler; mas é impossível que cada um tenha um poeta. (Sabe Deus o que elas têm!) Não há trezentos poetas. Mas vê lá que destino: eu, talvez o mais mísero destes leitores, um estrangeiro: eu tenho um poeta. Apesar de eu ser pobre. Apesar de o meu fato, que trago todos os dias, começar a estar coçado aqui e além, apesar de se poder dizer isto e aquilo contra os meus sapatos. ..."

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Auguste Rodin



Auguste Rodin nasceu a 12 de Novembro de 1840. Para além de várias, célebres e pessoalíssimas esculturas (Balzac, Os Burgueses de Calais, O Beijo, O Pensador...) que levaram a que fosse considerado o pioneiro da escultura moderna, há dois nomes de artistas que, culturalmente, lhe estão associados. De grande qualidade, também: Camille Claudel e Rainer Maria Rilke. O poeta checo, de língua alemã, foi seu secretário entre 1905 e 1906. Mas Rodin, ao que parece, mal deu por ele ou prestou-lhe pouca atenção. Mas Rilke escreveu algumas monografias sobre esculturas do artista francês e, por outro lado, em contacto com Rodin, ganhou uma perspectiva nova sobre a Arte. Entre o escultor e Camille Claudel (1864-1943), também escultora de grande mérito e, apesar da diferença de idades (24 anos), deu-se uma paixão fatal. A ruptura contribuiu para o agudizar de perturbações do foro psiquiátrico de Camille, que veio a ser internada em 1913, e até à morte. Há quem diga que algumas das mais conhecidas esculturas de Auguste Rodin terão tido, pelo menos, a colaboração activa de Camille Claudel. Rodin faleceu em 1917.

Nota: ao invés de reproduzir alguma escultura, preferi colocar um desenho de A. Rodin, por menos conhecido.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

A um Pintor recém-chegado





29-30/4/10


Caro Amigo:
dizia Camões, da Índia, que "da terra vos sei dizer que é mãe de vilões e madrasta de homens honrados". Não será Goa assim, agora, pelo que me diz, e ainda bem. Terra que lhe foi propícia às artes e telas, muitas -pelo que me referiu. Folgo! Isto me fez lembrar a mais remota imagem que tenho, de si, na memória: quando, em 1970, me entrou em casa para me oferecer os dois volumes de Rilke, traduzidos por Paulo Quintela. E, depois, lá se foi a caminho de Cabo Verde. Mais tarde, Paris. Paço de Arcos, Algés, Oeiras são percursos desta já longa Amizade. E os almoços de Natal que nunca esquecerei. Nem o seu "Verão 79" e as "conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos" de que falava o Pessanha. Porque o seu Pai falava mais do Almada e do Pascoaes que tinha conhecido pessoalmente. E, do alto, víamos o Tejo a passar...
Ora, hoje, venho dar-lhe um grande abraço de parabéns. Acabou de entrar na 3ª"velocidade" (del rosa al amarillo) da vida, como dizem os biólogos. Seja bem-vindo!, que eu já cá estou. E, quanto a biologias, é mais consigo, que as estudou na Inglaterra, antes da tropa, onde nos conhecemos. Lembrei-me que, já nessa altura, além do Matisse, o meu Amigo gostava de ouvir Aaron Copland. Mas que ficou encantado, anos mais tarde, com um vinil que lhe emprestei com os "Lute and Mandolin Concerti" de Vivaldi. E decidi recordar-lho, hoje, pelo seu aniversário. E não se esqueça: enquanto há vida, há pintura. Até porque eu sempre gostei muito da sua. O abração de sempre,
A. S.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Favoritos III : Rainer Maria Rilke



Poeta do espaço invisível, onde Deus e a Morte quase sempre têm lugar cativo, Rainer Maria Rilke (4/12/1875-29/12/1926) teve uma vida errática entre a Áustria, França, Alemanha e Suiça. Foi secretário de Rodin e, a propósito do escultor francês, disse que "a vida dos grandes homens é como se fosse uma estrada abandonada, invadida pelas silvas, porque eles entregam tudo à sua arte".

Sendo um dos maiores poetas da língua alemã, segundo Stefan Zweig, a sua poesia não podia ser traduzida. Felizmente que há e houve tradutores à altura desta dificílima tarefa. Um deles foi Paulo Quintela. Aqui deixamos a sua versão do "Epitáfio" de Rilke, um dos poemas mais emblemáticos do autor, e que se encontra inscrito no seu túmulo, em Raron, na Suiça.


"Rosa, ó contradição pura, volúpia de ser

o sono de ninguém sob tantas pálpebras."


domingo, 29 de novembro de 2009

Orfeu e Eurídice



Soneto XIX

Que o mundo rápido mude
como formas de nuvens,
todo o perfeito cai
de regresso no antigo.

Por sobre o mudar, o andar,
mais largo e mais livre
dura ainda o teu pré-cantar,
ó deus da lira.

Não se conhecem as dores,
não se aprendeu o amor,
e o que na morte nos afasta

não está desvendado.
Só a canção sobre a terra
santifica e celebra.
R.M.Rilke
(tradução de Paulo Quintela)

Post de HMJ