quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Por um triz...


É errado pensar-se que as maiorias têm sempre razão. Bem como imaginar que as autoridades instituídas decidem sempre da melhor forma, em relação aos interesses da comunidade. Mas, às vezes, ainda que por pouco, a decisão é acertada...
Em 1910, o Castelo de Guimarães apresentava o estado de degradação e ruína que a imagem acima ilustra, de forma flagrante.
A edilidade republicana, por sugestão de um dos vereadores, em 1911, em sessão camarária abordou a hipótese de deitar abaixo o Castelo e aproveitar as pedras para calcetar as ruas de Guimarães, em nome do progresso e modernização...
Foi-se a votos. Venceu por 6 a 5 vereadores, a facção que defendia a manutenção das ruínas e fazer-se um esforço orçamental para tentar dar-lhes um aspecto mais condigno.
Por um triz, a História ganhou.

Citações CCCLXXIII


A palavra (nas línguas negro-africanas) é mais do que imagem, é imagem analógica mesmo sem o recurso à metáfora ou à comparação. Basta nomear uma coisa para que surja o sentido sob o símbolo.
Porque tudo é símbolo e sentido para os Negro-Africanos.

Léopold Sédar Senghor (1906-2001), in Posfácio a Épîtres à la Princesse.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Confusão de sentimentos


Por entre sentimentos contraditórios, tomei conhecimento da dispersão, através de leilão, da biblioteca de François Miterrand (1916-1996), recentemente em Paris. As heranças a distribuir, neste caso particular, são o diabo!...
Eu creio que, perante situações destas, um bibliófilo honesto e autêntico, experimenta sensações adversas, no seu íntimo. Projecta o futuro dos seus livros e é atingido por uma nostalgia ontológica; depois, encara o leilão concreto, como uma janela de oportunidades, para enriquecer a sua biblioteca.
Senghor (1906-2001), com Aimé Césaire e José Craveirinha são os poetas da negritude que eu mais estimo, sobretudo, por questões de qualidade do seu ofício.

Por isso, embora vindo de uma biblioteca que se dispersou, por força do destino, eu não quis perder este livro com dedicatória do poeta e político senegalês. Que a endereçou a uma representante de uma família guineense conceituada, que ainda tinha raízes na Serra Leoa. Porque África, por metáfora excessiva, também pode ser considerada uma pequena aldeia... E, também, porque apesar da descolonização, ainda há muita coisa que vem parar à Europa. 

Pinacoteca Pessoal 140


Ao contrário da literatura, as artes plásticas, talvez pela sua maior flexibilidade de concretização, têm criado, mesmo nos últimos tempos, novas expressões para as suas diferentes (?) escolas. O denominado Neo-Expressionismo (por volta de 1980) e o mais recente Formalismo Zombie, cunhado por Walter Robinson (1950), estão aí como exemplos, em confronto com a chancela maior de Romantismo que, em literatura, já cobre, como corrente, mais de dois séculos.
Léopold Survage (1879-1968), nascido na Finlândia - país que, nessa altura, estava integrado na Rússia - desenvolveu a sua obra madura já em França, onde viveu grande parte da sua vida e veio a falecer, em Paris.

Ainda expôs na Rússia, em conjunto com Wassily Kandinsky, mas os seus caminhos de expressão seguiram rumos diferentes. Em Paris partilhou o estúdio com Amedeo Modigliani, que lhe fez o retrato, em 1918. Atraído pelo Cubismo, veio a ser influenciado, também, por Cézanne e Matisse.
A sua obra é multifacetada e, por isso, difícil de ser contida apenas numa escola de Pintura...

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Um Nocturno de Schubert

Memória 125


Era um amigo de Portugal. E faleceu hoje em França, a uma semana de completar 92 anos. Trata-se do fotógrafo e poeta Gérald Bloncourt (1926-2018), nascido no Haiti, mas que fez a sua vida em França.
Documentou exaustivamente a emigração portuguesa dos anos 60 e 70. E, mais tarde, viveu com alegria e intensidade pessoal o 25 de Abril.

Aqui o recordamos, com gratidão.

Mercearias Finas 135


Com a descida brutal das temperaturas, ressentiu-se a coluna e convocaram-se os queijos. Para depois do conduto, a seguir a um peixe assado, escoltado que foi, e bem, por um branco alentejano (Herdade dos Coteis, 2016), robusto mas macio.
Nesse particular, um Fratel, mais seco, e um Serra, mais generoso e babão. Havia que acompanhá-los, portanto, com a dignidade e nobreza que merecem. Por outro lado, recebíamos, ontem, um casal amigo de peito, que tem sabor enófilo e mundo de experiências variadas. Havia que estar à altura...
Ora, eu que conheço muito pouco de vinhos estrangeiros, tenho duas fixações teimosas, duas fés enófilas inabaláveis, que nunca me deixaram ficar mal: o Châteauneuf-du-Pape, em França, e o Barolo, na Itália. Ambos tintos, normalmente, de qualidade.
Há anos, alguém que de vinhos sabe e saber tem, em ocasião festiva, ofertara-me este Châteauneuf (Vignobles de Jean Avril), colheita de 1995, que eu guardara, religiosamente, na garrafeira, a esperar "o vento que o merecesse" - para plagiar  Eugénio que o disse por outras palavras e motivo, mas para sempre.
Como era de marca o vinho e tinha os seus provectos 14º, achei que era de guarda. E não me enganei.
Com os seus 23 anos, de bela juventude, abriu-se às 10 e começou a saborear-se cerca das 13h40, para satisfação plena e colectiva, acompanhando os dois queijos portugueses que, patrioticamente, mereceram esse vinho de eleição.
Não quero entrar em redundâncias, nem exageros barrocos - o vinho era magnífico. Parecia ter a elegância suprema de alguns, raros, vinhos do Dão e a força tranquila dos melhores do Douro. Assim mesmo, sem tirar, nem pôr.
Disse.

domingo, 28 de outubro de 2018

Do Brasil, com Drummond


História Natural

Cobras cegas são notívagas.
O orangotango é profundamente solitário.
Macacos também preferem o isolamento.
Certas árvores só frutificam de 25 em 25 anos.
Andorinhas copulam no vôo.
O mundo não é o que pensamos.


Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), in Corpo.

sábado, 27 de outubro de 2018

A única altura em que o tempo volta para trás...


Não se esqueçam logo, de madrugada, de atrasar o relógio 1 hora. Sempre dá para mais uma horita de sono.

Gabriel Pierné (1863-1937)

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Osmose 98


Pensando bem, creio que nunca me preocupei excessivamente em criar novos amigos. Ou tentar seduzi-los. Eles cresciam, naturalmente, ao sabor de afinidades comuns e de gostos partilhados, de gestos atentos e inesperados. De memórias que se iam fazendo, e de aventuras, a princípio ingénuas, mas cada vez mais reais e impressivas, das nossas vidas. Do primeiro grupo da rua, ao da escola, depois nos locais de trabalho, eles foram aparecendo, tomando vulto e, embora muitos se tivessem sumido, no tempo e na geografia, sempre alguns ficaram - os mais desinteressados, os mais fortes. A triagem do real.
Quando vejo que, no feicebuque, se podem ter até 5.000 "amigos", fico varado! Como será possivel apascentar tanta amizade?!

2 citações de uma entrevista, sobre poesia e não só


A propósito do lançamento do livro da sua obra poética completa, presente, Para comigo, Joaquim Manuel Magalhães (1945) deu uma entrevista à ípsilon, em que aborda, de forma exemplar, alguns assuntos, para além de poesia. Pensada e com algumas reflexões de grande pertinência, a entrevista, até porque as respostas foram dadas por escrito, as suas palavras merecem ser lidas com atenção.
Que não de maior relevância, aqui deixo dois pequenos excertos, recomendando vivamente, a leitura integral da referida entrevista de Joaquim Manuel Magalhães.

"Nunca fiz uma leitura provinciana da nossa poesia, por isso me espanto com as cotoveladas que os poetas dão uns aos outros por causa do seu lugarzinho efémero."
...
"Traduzir é perder tempo, dá muito trabalho, a maior parte das vezes as coisas ficam tortas em português e percebemos logo que não resultam bem e não pode ser de outra forma."

Regionalismos ilhavenses (6)


Não sendo as regiões estanques, nem as populações totalmente sedentárias, há muitos regionalismos que se difundem e alastram para zonas vizinhas por osmose. Sendo difícil, por isso, averiguar com rigor o local em que se originaram.
Tentamos, nesta selecção de expressões regionais, colhidas na obra Palabras co bento no leba, de Domingos Freire Cardoso, seleccionar sobretudo regionalismos curiosos e formas de dizer e significar que nos parecem ser totalmente originais de Ílhavo, e que constam da obra.
Seguem-se, hoje, palavras e expressões começadas pela letra f.

1. Fabolas - dentes grandes.
2. Fagone/ Fogone/ Fongone/ Fogorne - alarme sonoro (sineta ou tiro de canhão) a bordo dos navios bacalhoeiros para chamar os pescadores dos dóris em caso de nevoeiro ( do Inglês "fog-horn" - buzina de nevoeiro).
3. Falar com relêgo e um pontinho na língua - dizer só o que é preciso e com educação.
4. Falastroa - mulher que fala muito.
5. Farfalho - amostra de gordura ou carne que aparece no caldo.
6. Fazer cu de galinha - quando as crianças chuchavam na broa, como se fosse uma chupeta, dizia-se que faziam cu de galinha.
7. Fraca tripa - pessoa que não vale nada.
8. Frescau - diz-se do peixe conservado em salmoura; bacalhau ainda em meia cura.
9. Fuzelo - coisa muito fininha; pessoa muito magra.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A fortuna dos inéditos


A palavra inédito sempre teve um particular fascínio. Mas há quem abuse dela, ou deles (inéditos) se aproveite para tirar partido e dividendos, mesmo que à custa do abaixamento de qualidade da obra de um autor (escritor, músico, cineasta, pintor). Normalmente o criador deixa exarado que pretende que, o que sobrar, seja destruído: assim Cesário Verde, assim Kafka. Que, felizmente, nestes casos, não foram respeitados, porque o melhor estava para vir... Em relação a Pessoa e Sena, já não estou tão seguro, quanto ao que foi sendo publicado, como inéditos, depois da sua morte.
O jornal Le Monde, de 19/10/2018, anuncia a remontagem e próxima exibição do mítico The Other Side of the Wind, que Orson Welles (1915-1985) nunca chegou a completar, depois de deixar  o filme inacabado, em 1976.
Dando benefício da dúvida, há que esperar para ver.

Villa-Lobos / Nelson Freire : de "Alma Brasileira"

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Apontamento 116: O mundo, uma encenação perfeita



Quando o DIE ZEIT me envia o tema do seu número próximo, a saber: Quem entende o Mundo ?, não faz mais do que dar conta das nossas conversas de tertúlia, reservadas e dedicadas à essência, com o firme propósito de nos defendermos da invasão, espúria, do quotidiano cada vez menos interessante e carente de elevação espiritual. Sinais do Tempo, infelizmente.

O dia, embora visto de um cenário nocturno e caseiro, parece uma farsa política perfeita, tanto por uns cavacos como de trampas desavindos, não acrescentou nada a que um cidadão europeu possa, actualmente, esperar de muitos políticos, exceptuando o desempenho de algumas figuras de estado e da República Portuguesa.

Até os Reis dos Belgas queriam cá ficar três semanas em vez de três dias. Pudera !

Post de HMJ

Reflexões, a propósito de um poema de Pessoa e das Presidenciais brasileiras


É peregrina a ideia, embora possível, que um eleitor, à boca das urnas, possa mudar de intenções e, num golpe de rins manifestamente improvável, possa vir a votar, arrependido, num candidato mais limpo, mais apropriado à sua condição de proletário, mais digno e mais democrata, à partida.
Mas também eu sou dado a utopias, não desdenho o idealismo das convicções, também sonho com um mundo melhor, embora o presente aconselhe o prudente pessimismo, pelo que vai acontecendo neste universo pequenino que é a Terra que habitamos. Se o século XX foi mau, este XXI parece vir a ser ainda pior.
Ingenuamente, afadiguei-me nos últimos dias em postes preventivos, a propósito das próximas eleições brasileiras. Cerca de 15% das visitas ao Arpose, chegam do Brasil. É certo que grande parte delas vêm às imagens (sobretudo, insólitas e extravagantes, ou primárias), procuram coisas infantis, não buscam cultura nem pensamento muito elaborado. 
Mas eu tinha grande esperança no poema (quadra) do Pessoa (Álvaro de Campos):

The Times

Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo
do Times, claro, inclassificável, lido,
supondo (coitado!) que ia ter influência no mundo...
.................................................................................
Santo Deus!... E talvez a tenha tido!


Decerto, estúpida e inutilmente, o fiz. E perdi o meu tempo, por entre cegos, bárbaros e ignorantes suicidas.

Paisagem


Como abstractos e enormes pássaros metálicos, as gruas deslocam-se suavemente numa valsa aérea de progresso, reabilitando o passado. Mal se ouvem, deslizantes, oleadas no seu ofício e prática. Movem-se, mas não cantam. E o seu ritmo é prosaico, articulado e comandado por vozes e razões humanas de trabalho e lucro. Estão ali; amanhã, acolá. No futuro, talvez, mais além.
Os homens, entretanto, passam.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Como íamos transcrevendo...


A prosa de Graciliano Ramos (1892-1953) é seca. Melhor dizendo, enxuta e essencial, sem desperdícios de adorno ou rodriguinhos de estilo, para fazer batota com o leitor e o seduzir, por aspectos secundários. No fundo, prosa honesta de homem sério.
Com Machado de Assis e João Guimarães Rosa ele pertence, para mim, à trindade magnífica e maior da ficção brasileira. Daí o facto de o ter escolhido, nesta temática sobre o passado-presente-futuro do País-Irmão, como ilustração exemplar daquilo que se pode vir a repetir, por lá.
Por isso, e como íamos transcrevendo:
                                                                                                                                                    
"... Agadanhavam-me e, depois de uma noite de insónia, despachavam-me para o Recife? Capricho. Certamente me forçariam a interrogatórios morosos, testemunhas diriam cobras e lagartos, afinal me chegaria uma condenação de vulto. Sem dúvida. Quais seriam os meus crimes? Não havia reparado nos enxertos em 1935 arrumados na constituição. Num deles iria embrulhar-me. A conjectura de que me largariam ao cabo de dois ou três dias, por falta de provas, sumiu-se. Aquela transferência anunciava demora.
Em frente de mim, os cotovelos na mesa, Tavares, sonolento, bocejava com dignidade bovina. Nenhuma aparência de cão de guarda: um boi. De espaço a espaço mugia uma questão, a que eu respondia por monossílabos, afirmando ou negando com a cabeça. Voltei ao carro de primeira classe, diligenciei entreter-me com as divagações do meu companheiro. Não conseguia, porém, dispensar-lhe atenção: mudo e chocho, isento de curiosidade, andava aos saltos no tempo, brocas agudas verrumando-me o interior. ..."


Graciliano Ramos, in Memórias do Cárcere (pgs. 39/40).                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       
                                              
                                                                                                                                                                                                                              

Retro (101)


As forças da ordem e os porteiros de serviço... Provavelmente, anos 50 do século passado.

domingo, 21 de outubro de 2018

De intervenção, pois então!...


Esclareça-se que esta canção (Rata de dos patas) da mexicana Paquita la del Barrio, pseudónimo de Francisca Viveros Barradas (1947), com letra de Manuel Eduardo Toscano, tinha como endereço Carlos Salinas Gortari, controverso Presidente do México, de 1988 a 1994.

Glosa (14)


Na entrevista de hoje, no jornal Público, Vasco Pulido Valente refere, peremptório : "Os portugueses têm uma segurança que ninguém tem. Inabalável."
Parece-me um clamoroso erro de palmatória. Quando muito, oscilamos. Entre insegurança e confiança em nós mesmos, duvidosos e bipolares. Almejando, do exterior, um apoio incondicional que nos subscreva ou confirme. Esperando, tímidos, um aval externo e simpático.
Que povo haverá no mundo que, em leilões de livros tanto privilegie a temática : Portugal visto por estrangeiros. Ou que, outrora francesismos, presentemente, use tantos anglicismos (e americanismos), para explicar as coisas mais simples... Será por provincianismo endémico? Para, erroneamente, tentar reforçar o que se diz, com um cosmopolitismo parolo? Ou para alardear cultura?
Eu julgo que é por insegurança. Falta de vocabulário e pobreza de imaginação. Ou será por vergonha da sua língua pátria?
Lá nisso, os brasileiros são muito mais criativos e desavergonhados. Honra lhes seja!

sábado, 20 de outubro de 2018

Outros tempos, mesma temática


"...O congresso apavorava-se, largava bambo as leis de arrocho - e vivíamos de facto numa ditadura sem freio. Esmorecida a resistência, dissolvidos os últimos comícios, mortos ou torturados operários e pequeno-burgueses comprometidos, escritores e jornalistas a desdizer-se, a gaguejar, todas as poltronas a inclinar-se para a direita, quase nada poderíamos fazer perdidos na multidão de carneiros.
Pensando nessas coisas, desci do automóvel, atravessei o pátio, que, em 1930, vira cheio de entusiasmos enfeitados com braçadeiras vermelhas. Numa saleta, um rapaz me recebeu em silêncio, conduziu-me a outra saleta onde havia uma cama e desapareceu. O mulato fez a última viravolta e desapareceu também. À porta ficou um soldado com fuzil. ..."

Graciliano Ramos (1892-1953), in Memórias do Cárcere (pgs. 29/30).

O sexo dos anjos e a nova ignorância


Enquanto por cá, alguns estultos ociosos discutem e decidem sobre se as criancinhas devem ou não ser ensinadas e obrigadas a dar beijinhos aos avós, no Brasil (e em Portugal, alguns descuidados emigrantes), preparam-se para dar o seu voto a um jagunço.
Deus tenha piedade dos pobres de espírito!

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Revivalismo Ligeiro CCXXXVI



Criada por Chico Buarque em 1973, a canção Cálice foi proibida durante parte da Ditadura militar brasileira. Só tendo sido registada e difundida em disco no ano de 1978 - faz agora 40 anos.
Será que vai ser de novo proibida?...

Humor negro (11)


Perante a perspectiva cinzenta do futuro do Brasil, vem à colação o célebre dito do falecido cantor Tim Maia (1942-1998), que dizia:

"Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia, e pobre é de direita."


agradecimentos a H. N., pela lembrança oportuna.

Duas maneiras de ver a coisa, ou o bom gosto inteligente do Youtube


Quem pensa que domina a net e quejandos, desiluda-se. Ela e eles pretendem é orientar-nos. Impondo-nos publicidade pirosa, cultura da corrente dominante, infantilidades básicas, divertimentos pimba, músicas foleiras, nomeadamente, americanas.
Recentemente, e por aqui, nos vídeos de alguma música clássica do Youtube, nos primeiros acordes musicais, aparecia uma legenda publicitando um remédio para o tratamento de calos. Bom gosto, realmente... ainda se fosse em vídeos de música para dançar...
Mas o que acho ainda mais interessante, e altamente democrático, é que, para além de o Youtube andar todo desenculatrado, os seus algoritmos estão a funcionar de forma absolutamente destrambelhada e caótica.
Para já, um aspecto que eu considero quase insultuoso: nos últimos tempos, o Youtube resolveu recomendar-me, insistentemente, uma rubrica e temática infantil, que dá pelo nome de: Gaming for you, que em português à Google traduziram por Jogos para você.
De imediato, eu clico para eliminar estas frioleiras parvas, e logo aparece o refrão mecânico e algorítmico, gentil:

Got it. We'll tune your recommendations.
Ou (em português)
Ok. Ajustaremos as suas recomendações.

Ora, basta eu, passadas 2 ou 3 horas, voltar a abrir o Youtube, para de novo me aparecerem os Jogos para você, recomendados com a inocente candura dos atrasados mentais, dos desmemoriados e autistas. E, isto, recorrentemente...
Irra, que é bruto!

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Citações CCCLXXII


Interpretação é a vingança do intelecto sobre a arte.

Susan Sontag (1933-2004), in Against Interpretation (1964).

Curiosidades 70


Quantas vezes um rosto humano nos faz lembrar os traços e feições de um animal, num zoomorfismo insólito e despropositado!?...
Na Primária, lembro-me de um colega, José Emílio, a quem puseram a alcunha de Rata, pelas semelhanças que apresentava, com a dita. E outro, já no Liceu, que começaram a apelidar de Fuinha. O dicionário regista esta palavra, aliás, além do animal, com o significado de : muito magro. Em romances policiais, já a vi, para melhor caracterizar o vilão, escrita : "com cara de fuinha"...
Charles Le Brun (1619-1690), primeiro pintor régio francês, que Luís XIV elevou ao cargo, foi, porém, mais longe.


Levou à prática, com uma série de esquissos apropriados, essa similitude entre seres humanos e animais, deixando-nos um repositório notável de desenhos que, provavelmente, inspiraram La Fontaine nas suas fábulas bem conhecidas.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Intervenção, em tempos de cólera



Surpreendo-me que, nestes tempos conturbados, a canção de intervenção, tão frequente na segunda metade do século XX, quase tenha desaparecido do panorama musical...
Com tantos dutertres, erdogans  no poder, e bolsonaros à beira de o tomar, estranho esta dormência de cantautores, decerto refastelados no conforto e tranquilidade de não agitar as ondas.
Não sei se o Chico brasileiro editou alguma canção, como nos seus velhos tempos, interventiva, mas Barbra Streisand, felizmente, rompeu esta pesada cortina de silêncio cúmplice.
E a canção, que o meu amigo AVP teve a gentileza de me enviar, é lindíssima. Embora as imagens do vídeo - parece-me - pudessem ter sido melhores. Mas, e como diz o povo: o bom é inimigo do óptimo.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Decálogo


Palavras a evitar. Absolutamente:

1. Adorei!
2. Devastado.
3. Deslumbrou.
4. Assumir.
5. Arrasar.
6. Trump.
7. Lenha (= Cavaco).
8. mãezinha (= Caxineiro).
9. Blogues literários.
10. Amei! (salvo em circunstâncias muito especiais.)

Uma fotografia, de vez em quando... (112)


Profundamente marcada pela babel desencontrada de uma Londres caótica, mas resistente, da II Grande Guerra, a obra fotográfica do inglês George Rodger (1908-1995) parece centrar-se, depois, entre a Europa e a África, ainda primitiva e colonial.

Inicialmente, trabalhou na Marinha Mercante com o intuito de conhecer o mundo, mas cedo começou a fotografar os aspectos mais significativos de tudo aquilo que via. Colaborou com a Time e a Life e, em 1947, integrou a Agência Magnum, como sócio-fundador, a convite expresso de Robert Capa.

Melhor do que as palavras, as fotos de George Rodger falam por si.

Safra de 2018


Já estão a curtir...
Menor do que a colheita de 2017, em que a oliveirinha da varanda a Sul bateu o seu recorde, produzindo 115 azeitonas, este ano de 2018, talvez pela muita chuva e pouco sol, só nos deu 56, mas bem anafadas. E de amadurecimento irregular, como se pode ver pelas cores: verdes e pretas.
Assim, dá para imaginar as incertezas e agruras da agricultura a sério e real. Mas nós ficámos satisfeitos e contentes com a nossa safra doméstica e outrabandista.
E aqui deixo o registo das colheitas de anos passados:
2015 - 28 azeitonas.
2016 - 49 azeitonas.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Comic Relief 144


O imediatismo emocional traz sempre destas coisas. Bem como o corporativismo, a pressa, o amiguismo, intencional ou não, a falta de sentido crítico português. E a dificuldade de nos distanciarmos do presente, na espuma e salsugem nublada dos dias... De escolhermos e de pensarmos.

com grato reconhecimento a AVP. 

Da política estrangeira à portuguesa, excepcionalmente


Raramente, mudarmos de camisola nos traz dividendos. Embora a neutralidade militante possa grangear, aos que a praticam, uma pretensa multidão de amigos... Que não deixam de ser, numa nomenclatura rigorosa e objectiva, apenas conhecidos, próximos. Neste particular, há que sermos realistas.
Não é por se adaptarem aos tempos que jornais e revistas aumentam as tiragens. Esses golpes de rins, muito frequentes, hoje em dia, em vez de trazerem novos clientes e assinantes, fazem é perder uma boa parte dos leitores antigos. O jornal Público e L'Obs., em França, ilustram bons exemplos disso.
Na política, o mesmo vem acontecendo, sobretudo nos partidos mais importantes, que adaptando-se, oportunisticamente, aos novos tempos, vão omitindo o seu ADN original e a sua ideologia de base. O eleitor acaba, mais tarde ou mais cedo, por não perdoar.
Blair, Schröder, Hollande foram no fundo os coveiros dos seus partidos socialistas. Como a própria CSU (irmã gémea da CDU, na Alemanha), da Baviera, confirmou, ontem, também a sua erosão, nas eleições da Länder. Ou o mísero resultado do SPD germânico, ultrapassado até pela AfD, neo-nazi.
Não tenho dúvidas que, se o PS português ainda fosse chefiado por António José Seguro, o socialismo ter-se-ia esboroado, irremediavelmente, no espectro partidário nacional. Que era, no fundo, aquilo que a Direita portuguesa gostaria que tivesse acontecido.

Prokofiev / Gavrilov

domingo, 14 de outubro de 2018

Mercearias Finas 134


É sempre triste, o primeiro sinal de um desamor.
Provavelmente, o vinho branco, e verde, que me acompanha há mais tempo é o Casal Garcia. Quanto ao tinto seguramente é o Grão Vasco, do Dão. Que integrou a carteira da Sogrape, nos últimos anos. Mudaram-lhe o rótulo, já por duas vezes, para pior. E, mais grave, para mim, trocaram no lote a casta Jaen, pelo Alfrocheiro. Da antiguidade, perdeu a raça e o ADN, desapareceu-lhe a elegância que caracterizava os vinhos do Dão. Mas eu lá o ia bebendo, para celebrar ao menos o passado.
Provei, neste Domingo, a colheita de 2016: é para esquecer.
Tem a rudeza áspera dos piores vinhos de Trás-os-Montes, que não do Douro, evidentemente. É deselegante, de todo. E, sendo do Dão (?), é dos piores vinhos tintos da região que bebi, ultimamente.
Mudem lá de enólogo, que é o que se faz, no futebol, quando os treinadores não são capazes!

Das consequências do Leslie...


Não se diga que António Costa não é hábil. Aproveitou a passagem do Leslie, como alibi, para varrer 4 ministros 4 (ou 5?). Perante o estupor assustado da população portuguesa e a inoperância adivinhadora dos comentadores televisivos do costume. 
Eh, real!

Dos géneros e suas idiossincrasias


Francamente, não sei se a atenção se pode, por vezes, confundir com a concentração, no ser humano.
Mas não há dúvida que há, nesta fotografia de finais dos anos 50, uma atitude feminina e outra, masculina, qualquer delas pronunciada e diferente. Da concentração de Miller e Olivier, e da atenção de Marilyn e Vivien, os sexos falam por si.
A cada um, a sua interpretação - é o desafio que, aqui, deixo...

Bibliofilia 165


Rodeado de vicissitudes várias, O Hyssope, um dos primeiros, senão o primeiro poema herói-cómico português, mas seguramente o mais célebre, terá sido escrito, provavelmente, entre 1764 e 1767, em Elvas, por António Diniz da Cruz e Silva (1731-1799), no período em que lá exerceu as funções de juiz. Fundador da Arcádia Lusitana, em que adoptou o pseudónimo de Elpino Nonacriense, Cruz e Silva foi um dos seus maiores dinamizadores.
Várias versões manuscritas de O Hyssope circularam, entre particulares, até vir a ser editado, já postumamente (Cruz e Silva faleceu no Rio de Janeiro, em 5 de Outubro de 1799), no ano de 1802. Para evitar problemas com a Censura, o livro tinha como local de edição Londres, muito embora tivesse sido impresso, realmente, em Paris.


Tratando, com humor discreto, de um litígio burocrático e ritualista entre dignitários eclesiásticos elvenses e porque beliscava ou ridicularizava a Igreja, o livro foi apreendido, a mando de Pina Manique, sendo por isso raro. Com a instalação de Junot, em Lisboa, aproveitando um período de maior liberdade, o livreiro Rolland fez imprimir a segunda edição de O Hyssope, em 1808. Mas com a retirada de Junot, em Setembro de 1808, a obra foi de novo retirada do mercado, e também se tornou rara. As 3ª e a 4ª edições saíram em Paris.
Até 1910, o general F. A. Martins de Carvalho, na obra As edições do "Hyssope" (1921), regista a publicação, de nada menos, de 24 edições. O Poema Herói-cómico era muito apreciado e popular ( e, hoje, alguém o lê?).
Longamente desejada, por mim, consegui comprar, afortunadamente, aquela segunda edição, através do último Boletim Bibliográfico, na Livraria Olisipo. Dei pelo exemplar 30 euros, com a melhor das vontades e grande satisfação.

sábado, 13 de outubro de 2018

Impromptu (37)



Para esconjurar e afastar o Leslie... este impromptu.

A cegueira no turismo


O restaurante, nas Avenidas Novas, mantém-se em gestão familiar, como há cinquenta anos atrás, quando na zona morei, ainda estudante. Modesto e de preços justos, quanto à qualidade da cozinha e à generosidade das doses. Tradicional, atende sobretudo clientela de meia idade que por lá habita ou trabalha. Mas, ultimamente e quando lá vamos, temos vindo a assistir a um crescendo de comedores estrangeiros. Falantes, sobretudo, de francês e de língua inglesa.
Penso que o turismo também se faz de cheiros, como fundamentalmente é feito de olhares, de sabores, de sons que perpassam pelas ruas, até do tactear de tecidos estranhos e roupa de cama, agreste ou macia, que nos cobre, nas noites que passamos em hotéis desconhecidos. Numa miscelânea curiosa de novidades.
Há meses, vi com estranheza uma japonesa ( ou chinesa?) cega, amparada por uma companheira que a guiava, subindo a rua da Misericórdia. E achei insólito. Talvez a companheira lhe fosse contando o que via, como às crianças que, ao ouvir histórias, vão recriando a narrativa com a sua imaginação nascente.
Nessa altura, achei que seria um caso desgarrado. Há dias, porém, nesse restaurante de que falei a princípio, estávamos nós a jantar, vimos entrar 4 cegos(/as), com os (/as) respectivos (/as) acompanhantes, para nossa total surpresa. Que ocuparam tranquilamente, embora com vagar, uma mesa de 8 lugares. Creio que o grupo era inglês.
Eu seja ceguinho - como diz o povo -, se compreendo...

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Relações de proximidade


Dependendo muito dos interesses de cada ser humano, há correntes de afinidade, consideração e até mesmo afecto, que se estabelecem, duradouras e fortes, entre fregueses e fornecedores. Modistas e alfaiates, merceeiros e peixeiras de mercado, simples empregados de quiosques ou de cafés, carteiros e médicos, para citar apenas algumas profissões, podem gozar da estima dos seus clientes e despertar, neles, uma especial simpatia. Creio que a honestidade e a competência no exercício da sua própria actividade são factores imprescindíveis, pelo menos para mim, para que essa relação de cúmplice proximidade se possa vir a estabelecer. Ou a solidão cultural dos espaços que habitam, esses fregueses, a isso obrigue ou justifique...
Ginha, Guedes, Almarjão, Tarcísio, Beckmeier são nomes saudosos, do meu passado, bem como alguns outros apelidos de que nunca soube ou nem sequer decorei o nome. De livreiros e livreiros-alfarrabistas que me trazem saudades. Não sou promíscuo com facilidade, muito menos me exponho, aos primeiros contactos. Conservo, de início, uma prudente distância, porque recuar depois, é sempre mais difícil e, hoje em dia, o profissionalismo é raro, no comércio livreiro. Mas surpreendo-me, muitas vezes, com a proximidade extrovertida e a familiaridade devota e pia, com que alguns fregueses convivem com os seus fornecedores de livros. Falta de prática, conhecimento e experiência, talvez.
Exclusivo demais (quem sabe?, pela bitola actual), no meu universo, destaco apenas dois nomes: Bernardo e Rosa. Que respeito e estimo, como livreiros. O resto, é apenas a vulgaridade do costume, e de negócio...

Antecipando os dias que correm


Alguns artistas, pela preclara visão que tiveram do mundo, parecem antever as ameaças futuras que se vão perfilando no horizonte. Atentemos, por isso, nestas palavras proféticas que Albert Camus (1913-1960), ainda que com menos razões do que hoje, aplicou ao seu mundo:

A grande infelicidade do nosso tempo é que, precisamente, a política pretende fornecer-nos, ao mesmo tempo, um catecismo, uma filosofia completa e, por vezes, até uma arte de amar...

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Uma sugestão musical para a campanha eleitoral do pan (partido)...



com um envoi muito especial para a MR, com os seus " Os meus franceses".

Produtos Nacionais 24


Sobre as excelências da Arquitectura portuguesa, os Pritzker falam por si (Siza Vieira, em 1992, Souto Moura, em 2011).
E até a BBC o reconheceu ao dar destaque, em The World's Most Extraordinary Homes, à Casa da Gateira, da  Camarim Arquitectos (Porto).
A notícia colhi-a em Le Monde, na sua edição de 21/9/2018. Que a imprensa portuguesa anda mais ocupada com as frioleiras do costume...


Regionalismos ilhavenses (5)


Prosseguindo a temática, desta vez com expressões ilhavenses começadas por e:

1. É muito rico: tem um pote e um penico - desvalorização da pretensa riqueza de alguém.
2. Em pincras - nas pontas dos pés.
3. Encanteirar as pipas - dispor as pipas nos seus suportes para receber o vinho.
4. Encharrucar / Incharrucar - açambarcar, encher, comer muito.
5. Encingadinha - pessoa muito humilde, pobretana, desprezível.
6. Enflochada - franzido, amarrotado, que não está liso.
7. Engrauzido / Ingrauzido - alimento pouco cozido.
8. Esforniqueiro / Esforniquento - criança que mexe em tudo, que quer tudo à sua moda.
9. Esgaibotado - afugentado, que anda sem rumo, ao deus-dará.
10. Eufa - elfa; rego que a charrua deixa aberto para ser tapado pela próxima leiva.

Nota: a imagem do postal, que encima este poste, foi usada como capa da obra "Palabras co bento no leba", de Domingos Freire Cardoso, que temos vindo a usar, seleccionadamente, neste temática.