Com Francisco de Aldana, J. Ramón Jiménez, Antonio Machado e Gamoneda, Francisco de Quevedo y Villegas (1580-1645) é um dos meus 5 poetas espanhóis preferidos. Amigo e confrade do nosso Francisco Manuel de Melo, é ainda mais atrevido na sátira, polifacetado e, talvez, melhor poeta. E um conceptista de fino recorte literário.
Um prefácio pode ser fastidioso, uma dedicatória, simplesmente, banal, na sua louvaminha bajuladora e servil. Esta dedicatória(-prefácio) de Los Sueños, de Quevedo, é, pelo menos, singular e original. Procurei traduzi-la, embora de forma livre, respeitando a intenção do Autor.
Assim, segue:
Tendo considerado que todos dedicam os seus livros com dois fins, que raras vezes se repartem: o primeiro, para que tal pessoa ajude às despesas da impressão com a sua bendita esmola; o outro, para que apoie a obra contra os detractores; e considerando, por eu ter sido detractor ou murmurador durante muitos anos, que isso de pouco serve senão para despertar a compaixão por quem é visado: do néscio, que se persuade que os mal-dizentes têm autoridade, e do presumido, que paga com o seu dinheiro esta lisonja, decidi-me a escrevê-la a trouxe-mouxe e a dedicá-la às pessoas tontas e loucas, suceda o que vier a suceder. Quem o (livro) comprar e resmungar, antes de mais diz mal de si, porque gastou mal o seu dinheiro, e não do autor que o fez gastar mal. E digam e façam o que quiserem os Mecenas, porque como nunca os vi a andar à pancada com os murmuradores, sobre si digo ou não digo que os vejo muito apagados no apoio e desmentidos de todas as calúnias que fazem aos seus protegidos, sem terem em conta o dolo do livro, e prefiro atrever-me a enganar-me. Façam todos o que quiserem do meu livro, pois eu já disse o que queria dizer de todos. Adeus, Mecenas, que aqui me despeço da dedicatória.
Eu.
Assim, segue:
Dedicatória
A nenhuma pessoa de todas quantas Deus criou no mundo
Tendo considerado que todos dedicam os seus livros com dois fins, que raras vezes se repartem: o primeiro, para que tal pessoa ajude às despesas da impressão com a sua bendita esmola; o outro, para que apoie a obra contra os detractores; e considerando, por eu ter sido detractor ou murmurador durante muitos anos, que isso de pouco serve senão para despertar a compaixão por quem é visado: do néscio, que se persuade que os mal-dizentes têm autoridade, e do presumido, que paga com o seu dinheiro esta lisonja, decidi-me a escrevê-la a trouxe-mouxe e a dedicá-la às pessoas tontas e loucas, suceda o que vier a suceder. Quem o (livro) comprar e resmungar, antes de mais diz mal de si, porque gastou mal o seu dinheiro, e não do autor que o fez gastar mal. E digam e façam o que quiserem os Mecenas, porque como nunca os vi a andar à pancada com os murmuradores, sobre si digo ou não digo que os vejo muito apagados no apoio e desmentidos de todas as calúnias que fazem aos seus protegidos, sem terem em conta o dolo do livro, e prefiro atrever-me a enganar-me. Façam todos o que quiserem do meu livro, pois eu já disse o que queria dizer de todos. Adeus, Mecenas, que aqui me despeço da dedicatória.
Eu.
Ora aí está alguém que se reconhece! Dedicar a si próprio, boa ideia, foi quem teve o maior trabalho.
ResponderEliminarBom dia :-)
Corrosivo, q. b., Quevedo nem a si próprio se poupava..:-)
EliminarBom dia.
Bom dia, Margarida..:-)
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