Houve um tempo, em que os chefes políticos eram homens cultos, que sabiam escrever bem e reflectir ponderadamente. Muito embora alguns deles, muito poucos, não dispensassem, num ou noutro discurso, o seu ghost-writer. Não era o caso de François Miterrand (1916-1996).
Tenho vindo a ler, com manifesto agrado, uma versão portuguesa dos seus textos (Janelas da Memória, 1983), de cariz diarístico e que abarca escritos seus de 1971 a 1978, seleccionados. Para lá da preclara percepção do futuro (ambiente, renováveis...), o livro contém muitas reflexões sobre Portugal, dos anos do PREC, e está escrito numa linguagem límpida e sedutora. Anotações de paisagem, contactos ao mais alto nível, impressões sobre a história de alguns países, comentários e retratos de estadistas, de tudo lá aparece, numa inclusão que sublinha o grande amor à vida que Mitterrand possuía, ao mais alto grau.
Tenho vindo a ler, com manifesto agrado, uma versão portuguesa dos seus textos (Janelas da Memória, 1983), de cariz diarístico e que abarca escritos seus de 1971 a 1978, seleccionados. Para lá da preclara percepção do futuro (ambiente, renováveis...), o livro contém muitas reflexões sobre Portugal, dos anos do PREC, e está escrito numa linguagem límpida e sedutora. Anotações de paisagem, contactos ao mais alto nível, impressões sobre a história de alguns países, comentários e retratos de estadistas, de tudo lá aparece, numa inclusão que sublinha o grande amor à vida que Mitterrand possuía, ao mais alto grau.
Nem por isso menor, não resisto a transcrever (pg. 174) um pequeno apontamento rural, muito interessante e pitoresco. Aqui vai:
" De regresso à herdade, o dono da casa falou da sua vizinhança: a raposa, o gavião, a abelha. Caçador de abelhas, ele espia as passagens de enxames e pousa os seus cortiços sobre o ramo de uma árvore, carvalho ou pinheiro, entre duas pedras erguidas, ou nos barrancos que estriam a beira do planalto, segundo a lei das migrações, que é o único a conhecer dez léguas ao redor. Ele volta lá numa noite sem lua e leva o enxame para o colmeal doméstico. «Desconfie das italianas», observa ele, enquanto à nossa roda zumbe um voo compacto. Explica-nos que os conselheiros agrícolas organizaram na cidade uma campanha a favor das híbridas e intervieram junto dos criadores para que a abelha italiana, cingida de um fiozinho amarelo, fecundasse a abelha provençal, mais discreta na sua veste negra. Resultado: a segunda geração desvaria e já não suporta a presença do homem. Ainda cavaqueávamos quando a tarde arrefeceu."
* o título deste poste plagia a obra "L'Abeille et L'Architecte" (1978), de François Mitterrand.
Se está traduzido, qual a editora ?
ResponderEliminarFoi publicado pela Bertrand. E a tradução parece-me limpa, a revisão é que deixou passar algumas erratas...
EliminarInteressante. Bom sábado!
ResponderEliminarQuase parece uma fábula..:-)
EliminarBom fim-de-semana.
Li e tenho esse janelas da memória. Depois de o ler comprei dois livros dele: o que refere e La paille et le grain. Mitterrand escrevia muito bem e para mim que gosto de memórias e diários...
ResponderEliminarTinha uma cultura imensa e sabia muito sobre livros antigos e sobre Portugal.
Bom dia!
Era um grande Senhor...
EliminarBom fim-de-semana.
Homens grandes reconhecem a importância e a beleza das coisas pequenas.
ResponderEliminarNormalmente, assim acontece.
Eliminar