sábado, 30 de março de 2019

Amilcare Ponchielli (1834-1886)



Naturalmente, e a propósito, "A Dança das Horas", da ópera La Gioconda, de Amilcare Ponchielli.

Lembrete 66


Era uma vez uma hora, que se perdeu no caminho... e teve que acelerar, para acertar as agulhas do tempo solar.
Para quem gosta de dormir, há, assim, um pequeno défice de sono, neste já próximo Domingo. Não esqueçam o acerto dos relógios!

Osmose 103


Fará sentido, hoje, falar-se de amor imortal? Quando a finitude é uma evidência humana? Prefiro, talvez por isso, aceitar, em alternativa: amor fatal - com todas as suas finitas consequências. Porque, também o Outro irá morrer e a memória desse fogo celeste, comum, se irá apagar "como lume breve".
Nunca me recusei a amar, com todos os seus limites e sujeições, terrenos. Mas usar o verbo adorar, e praticá-lo, sempre me pareceu uma prerogativa feliz e exclusiva das almas simples e ligeiras. O que não deixa, no entanto, de ser uma virtude, na alínea particular da generosidade.

Profissão assistida


Já Nicolau Tolentino se queixava de ter que aturar meninos, na sua profissão de mestre-escola, para sobreviver economicamente e poder ter algum tempo, ainda livre, para dedicar ao seu prazer maior que era escrever poesia. Esquecia ou, melhor, omitia que o vício do jogo lhe consumia uma boa parte dos rendimentos auferidos... Melhor sorte teve José Daniel Rodrigues da Costa, seu contemporâneo, que conseguiu viver do que escrevia e publicava, mas teve que trabalhar muito e deixar obra larga.
Que isto da poesia não é boa enxada, nem lucrativa, pelo menos, em Portugal.
De prosas viveu Camilo, mas teve que se esgadanhar a escrevê-las. E se não fossem os bens e rendimentos da Dª. Ana Plácido, provavelmente, ainda teria vivido pior. Eça também se queixava muito, apesar de escritor de sucesso e diplomata em exercício, que não seria mau ofício quanto a salário, decerto. No século XX, só me lembro de Ferreira de Castro e Agustina terem vivido da pena. Cesariny, só quando se desdobrou em pintor, é que teve um crescente desafogo na bolsa. E foi pela pintura que enriqueceu.
Li em Le Monde, recente, que são raríssimos, em França, os escritores que não têm uma segunda profissão, para poderem sobreviver. Lá como cá, seguramente.
E dos novos lusos publicistas? De tão fraca laia e escrita de água chilra? Viverão de biscates e croquetes de vernissages? É que muitos deles nem sequer chegam à mediocridade rentável de Houellebecq, que lá vai vivendo, em França, do que escreve. Tem, por ele, a sorte dos seus leitores não serem muito exigentes. E o sentido crítico, em grande parte deste mundo, andar pelas ruas da amargura.

Aforismos, apesar de tudo


Sou levado a pensar que João Guimarães Rosa (1908-1967) era um homem sujeito a premonições. Algumas obsessões e medos íntimos. Andou meses, temeroso, a adiar a sua entronização como membro da Academia Brasileira de Letras, até que consentiu em marcar uma data (16/11/1967), para a cerimónia. Três dias depois (19/11), morreu em sua casa, vítima de enfarte de miocárdio.
O seu último texto, originalíssimo como toda a sua obra, foi o discurso da sua tomada de posse.
Desse texto longo, retirei alguns extractos que mais parecem aforismos. E aqui ficam:

Duvidemos, isto, dos que o não souberam compreender, a traça não pode com a alfazema.
...
O afeto propõe fortes e miúdas reminiscências.
...
De onde fura a fonte? Diga-se: valor.
O altamente impessoal, quer dizer, o personalíssimo profundo.
...
Tudo, pela metade, é verdade. Os extremos já de si sempre se tocam, antes que tese e antítese se proponham.
...
Da sensibilidade e inteligência tem-se sempre de pagar ingrato preço.
...
As pessoas não morrem, ficam encantadas.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Memória 130


Se um livro pode valer uma vida (assim Il gattopardo, por Lampedusa), também para recordar Agnès Varda (1928-2019), falecida ontem, me basta lembrar Cléo de 5 a 7 (1962).
Por isso é dessa época o retrato dela que preferi usar. Em vez de lhe chamar avó da Nouvelle Vague.

Educação à mesa


Em redor do ciclóstomo se reuniu, outra vez, a confraria e pela segunda ágape, este ano. Nunca tal eu bisara, no mesmo ano, que o bicho é raro e caro, não convindo abusar da especialidade. Vinha o pão bem torrado e o arroz branco solto, como deve. O Vinhão de Ponte do Lima voltou à mesa, para nosso conforto gustativo, embora também houvesse maduro e duriense, para quem não fosse à bola com o Verde. Alguns o guardaram para depois acompanhar um estrela (queijo) de Mangualde, babão e no ponto, à sobremesa.
Entre especialistas de educação, maioritários à mesa, se falou de ministros, quase naturalmente. Eleito príncipe, foi José Augusto Seabra (1937-2004), surpreendentemente destacado. Ainda que, zoologicamente, Grilo e Carneiro tivessem colhido alguns votos positivos. Como pior, Couto dos Santos venceu o desprimor, por unanimidade absoluta e confirmada. Que era um tosco - diziam, ainda que por outras palavras.
Para aconchego final, e depois do café, veio a fafense bagaceira, velhíssima e macia, que C. S. guarda na frasqueira, com acrisolado e merecido respeito. Mas que dá a provar aos amigos, em circunstâncias muito especiais...

Uma valsa de Mikael Tariverdiev (1931-1996)

quinta-feira, 28 de março de 2019

Didier Cahen (França, 1950)


Iluminado


O lobo tinha fome
E por hábito a traição
O homem deu-lhe de comer

Nem plumas
Nem folhas ao vento
Mas faúlhas invisíveis

Nos tempos mais antigos
Os homens tinham seis dedos
E o sexto sempre em fogo


Didier Cahen, in Le Monde (2019).

Apesar do Brexit...



... a Primavera lá vai chegando a Inglaterra... apesar da estultícia e confusão dos homens.
A natureza, porém, é mais sábia e consegue sempre cumprir as suas obrigações, haja o que houver.




quarta-feira, 27 de março de 2019

Lembrete 65


Na segunda metade do século XX, Simone de Beauvoir (1908-1986) foi uma das poucas mulheres importantes e influentes, no plano das ideias, pelo menos, a nível europeu. Com particular incidência nos anos 60/70.
Quem, por essa altura, andava pelos 20/30 anos, com certeza que se lembra dela ou das suas causas. E talvez tenha lido alguma obra da sua autoria, fosse ela de ficção, ensaio ou mesmo autobiográfica.
Fez bem Le Monde dedicar-lhe um Hors-Série. Pena que o dossiê, do jornal francês, seja composto de pequenos flagrantes, curtos extractos literários, algumas cartas (não inéditas), breves crónicas, em vez de três ou quatro trabalhos de fundo sobre a sua vida e obra. Talvez uma concessão democrática à corrente dominante da ligeireza actual...
Mesmo assim, aqui venho lembrar a publicação recente deste número sobre Simone de Beauvoir.


Últimas aquisições (12)


O preço que dei pelo livro (3 euros), usado, não chegaria para pagar a encadernação, hoje em dia. E, embora ela não seja perfeita, porque o livro (Sartoris, 1958) foi guilhotinado muito rente na capa, o resto escapa, razoavelmente. E o miolo está íntegro e com margens suficientes.
Era um dos poucos trabalhos que eu não tinha de Faulkner, acrescido de um magnífico prefácio de Robert Cantwell (1908-1978), notável crítico literário, que ajuda a compreender melhor o escritor norte-americano (1897-1962) e, sobretudo, esta obra, descrevendo a realidade em que se inspirou Faulkner para a escrita deste romance, baseado na vida de um seu familiar (trisavô), coronel Falkner.
E, agora, há que lê-lo. Muito embora a escrita deste romancista norte-americano, não tendo a amenidade da prosa de Hemingway, mas antes uma secura essencial que parece traçada a esquadro, não deixe de ser clássica.



terça-feira, 26 de março de 2019

Clarificando


Se dantes, só a partir de Alcácer do Sal, eu começava a dar pela existência de ninhos de cegonhas, no alto dos campanários das igrejas ou de torres e árvores mais altas, agora eles aparecem, para meu contentamento, logo depois de passar o Tejo, em direcção ao Sul (creio que a Norte, também), nos postes de electricidade da REN, instalados pela empresa para facilitar a vida e a nidificação dessas grandes aves elegantes, que quase associo, por imaginação interior, a estranhas girafas aéreas...
Não sou um purista, mas na esteira exemplar dos nossos irmãos brasileiros, prefiro, a usar palavras estrangeiras, servir-me de um termo português, ou adoptar o estrangeirismo à nossa língua, para nomear as coisas, os actos, as actividades de todos os dias. Sinto-me assim mais em casa. Foi deste modo que, logo no início do Arpose, comecei a usar a palavra blogue, em vez do inglês blog. Em coerência do mesmo princípio, crismei de poste, cada novo registo que vou acrescentando, no blogue.
Há quem mantenha o anglicismo post, talvez por preguiça ou conservadorismo respeitador. Quem lhe prefira posta, de que eu não gosto, por me sugerir a posta (de carne) mirandesa. Enquanto que poste me lembra alguma coisa cravada no chão ou, por extensão imaginada, um poste de electricidade juncado de ninhos de cegonhas felizes e aéreas...

Algaravias (5)


Com palavras começadas por f, damos prosseguimento à pequena selecção, que temos vindo a fazer, baseada na obra Dicionário do Falar Algarvio (1988), de Eduardo Brazão Gonçalves.
Um pequeno aspecto, para que gostaria de chamar a atenção é que, algumas vezes, estes regionalismos têm um lado brejeiro que revela um típico humor popular, mas também sinais de um lirismo singelo e castiço muito original. Dou como exemplo deste último, o regionalismo número 5.
Pois aqui vão eles:

1. Faanca - acto de descansar.
2. Fachadenta - diz-se da mulher com presença, com desembaraço, atirada para a frente.
3. Falcata - designação benévola de coxo.
4. Fandelga - pessoa reles, desprezível.
5. Fazer meia azul - namorar.
6. Fofeiro - cu; nádegas.
7. Fraldisqueiro - lampeiro, espevitado.
8. Fungão - rapazinho maçador, insistente.
9. Fura-pasto - homem activo, enérgico, audacioso, atrevido.
10. Fusca - pândega, divertimento.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Shostakovich / Sequeira Costa e Tânia Achot - Concertino para 2 pianos

Citações CCCXCVI


Cada um dos novos avanços da ciência partiu de uma nova ousadia da imaginação.

John Dewey (1859-1952), in The Quest for Certainty.

domingo, 24 de março de 2019

Divagações 144


O trabalho em mármore Taddei Tondo (= Composição Circular), de Miguel Ângelo Buonarroti (1475-1564), executado entre 1504 e 1505, é a única peça escultórica do artista italiano existente na Inglaterra. Pertence ao acervo da Royal Academy (Londres).
Este museu londrino, segundo o TLS (nº 6049), tem em exposição, até 31 de Março de 2019, uma mostra intitulada Bill Viola / Michelangelo - Life, Death, Rebirth. Viola (1951) é um vídeo-artista norte-americano estimável, com notoriedade e nome feito.



Quando se começou a falar e tratar, universitariamente, a cadeira de Literatura Comparada, era talvez muito cedo para miscigenar artes plásticas e obras de artistas diversos. Mas, hoje em dia, isso tornou-se comum e frequente.
Um pouco na sequência da 3ª proposição do poste anterior (Miscelânea...), não sei se isto não será excessivamente contraproducente e forçado. A facilidade, por exemplo, com que se usa, hoje, o nome de Arte Urbana, para classificar alguns mamarrachos, nas paredes das cidades, preocupa-me...
Parece-me ser tudo isto mais uma das delicadezas da democracia: fazer descer a arte até ao povo. Em vez de o educar e fazer subir os degraus estéticos da arte, criando-lhe referências, sentido crítico e ferramentas de rigor.
Positivamente, não creio, por muito bom artista que Bill Viola seja, que se possa (já) pô-lo em paralelo com a grandeza da obra de Miguel Ângelo. Há coisas que não se podem ou não se devem, pelo menos e em nome do bom senso, comparar.


Miscelânea : dispersas e sentimentais


1. Toda a grande poesia tem uma nova linguagem. Ou, em termos abstractos, uma expressão própria.  Difícil de descriptar, até que nos habituemos. Li eu, algures. O que é verdade: Nobre e Herberto Helder; Emily Dickinson e René Char, por exemplo. Não será regra absoluta, entre grandes poetas, mas quase.
Depois, há os versinhos de que toda a gente gosta...

2. A fotografia banalizou-se, deixou de ser um ritual próprio em circunstâncias especiais, oficiada por escolhidos ou profissionais. Perguntaram a Roger Scruton (1944), filósofo inglês, o porquê da seriedade das expressões, nos retratos do século XIX. Ele falou vagamente da solenidade do acto, nessa época.
Mas referiu também, no presente: as idiot smiling faces of the selfies.

3. A complacência, pecado maior. Ainda que sem notarmos, fazemos quase sempre um movimento e um esforço imperceptível para nos integrarmos na ordem estabelecida ou no gosto da maioria. Mesmo que essa adesão implique um constrangimento às nossas convicções mais íntimas ou pessoais.
As vanguardas artísticas já aceites, o filme (mais banal) já premiado, a canção eleita, mesmo pimba...

Albéniz / Segovia

sábado, 23 de março de 2019

Recomendado : setenta e oito


Não será uma novidade, porque esta Colóquio-Letras (nº 200) já saiu há algum tempo, mas porque é dedicada, maioritariamente, à celebração do centenário do nascimento de Jorge de Sena (1919-1978). E ainda por conter três cartas inéditas, imperdíveis, do poeta de Fidelidade, para Gastão Cruz (1941). Que as apresenta como só ele sabe e poderia fazer.
Recomendo, e não digo mais nada.

Mercearias Finas 144


Pão de Rala, Encharcada, Sericaia, Rançoso de Mourão. Estes nomes enchem-me de doçura a memória gustativa, não preciso de ir ao estrangeiro para me babar de sobremesas finas. E são todas originais do Alentejo, terra que sempre pensámos pobre e amarga.
Doçaria conventual, convenhamos, que não era do povo, que labutava de sol a sol. Esse fazia uso inteligente até das ervinhas que cresciam nos campos, como as beldroegas, para a sua essencial e parca alimentação de todos os dias difíceis.
Perguntarão porque falo, hoje e aqui, destas sobremesas tão finas.
É simples a resposta: porque, na passada Quinta-feira (21/3/2019), provei, num modesto e improvável restaurante de Évora, a melhor Encharcada de toda a minha vida.
Juro!

A evitar, absolutamente (4)


Se há coisa de que eu gosto, desde que me conheço, é de História. E da de Portugal, em particular.
Diz-se, e eu acreditava, que o Expresso era um jornal de referência. No meio de tantos pasquins que se publicam, em Portugal, não seria difícil dar crédito a tal afirmação que implica seriedade, primeiro, algum rigor, e solidez naquilo que se publica. A ilusão mirífica apagou-se-me, há dias.
Acontece que, na minha banca de jornais, o dono do quiosque tinha, sobrante e vendável, a colecção completa dos volumes de O Essencial dos Reis de Portugal, publicada em anexo-bónus ao Expresso, ao longo de várias semanas anteriores. Comprei, assim, a colecção das 8 pequenas obras.
Cada um dos livrinhos, tinha um prefácio de Henrique Monteiro (1956), sujeito que já tinha sido, até Janeiro de 2011, director desse hebdomadário e escreve (ou preenche), recentemente, a penúltima página do jornal. Sempre o achei um cómico bem disposto, não estava era à espera, logo no primeiro prefácio (pg. 5), de um erro dele clamoroso e desta natureza (ver sublinhado a lápis):


Agora, pela amostra, imaginem-se os dislates que não irão ocorrer ao longo dos restantes sete prefácios do sr. Monteiro!...
Eu, pelo menos, irei continuar a considerar o rei D. Sebastião (1524-1578) como filho do infante D. João Manuel, este sim, filho de D. João III. E aconselho os colaboradores do jornal a frequentarem, rapidamente, um curso intensivo de História portuguesa. Porque isto pode ser contagioso.
Assim, esta excrescência que apareceu com o jornal Expresso deve ser de evitar, absolutamente!

sexta-feira, 22 de março de 2019

G. F. Händel / Orlinsky / Wachner

Gulbenkian


Há quem confie na providência divina... Quem desconfie e, como antigamente, deixe pios legados eternos de missas a serem rezadas pela sua alma e em desconto dos pecados. Os homens práticos e ricos, hoje em dia, deixam fundações. Para tratar da saúde dos seus semelhantes, menos abonados em dinheiro. Para os elevar do seu nível rasteiro e para que fruam de uma cultura mais vasta e cosmopolita. Normalmente, dão a essas fundações o seu nome, na perpétua ânsia de eternidade que é a vaidade (perdoável) de cada ser humano.
De Calouste Gulbenkian (1869-1955), passam 150 anos, amanhã, sobre o seu nascimento. Ele que foi o outro, o grande e eterno ministro da Cultura, em  Portugal...

Uma fotografia, de vez em quando... (121)


Fritz Henle, nascido em 1909, na cidade de Dortmund (Alemanha), veio a falecer nas Ilhas Virgens (E. U. A.) no ano de 1993. Alguém o classificou como o último grande fotojornalista clássico freelancer e, na verdade, em 1936, ele foi contratado para a Time-Life, tendo também trabalhado para a revista Fortune.


Chamaram-lhe Mr. Rollei, pelo uso intenso que deu à sua Rolleiflex, ao longo da sua vida de fotógrafo, fixando cenas sociais, grupos e ilustrando acontecimentos, para as revistas norte-americanas. São também de destacar alguns bons retratos que fez. Entre outros, de Pablo Casals, do pintor Georges Braque e de Frida Kahlo.


quinta-feira, 21 de março de 2019

Passeios Outrabandistas 3: Recantos no Jardim dos Zagalos



Junto ao Pomar, do outro lado do Solar, ainda há uns recantos engraçados, como este poço também com azulejos.


É a mão que nos indica o caminho para o poço, para além de uns ditos na placa ao lado.


Por fim, um dos placards com explicações sobre a zona e o próprio Solar. Aliás, na página electrónica da Câmara de Almada há mais informações, assim como o horário de abertura.

Post de HMJ

Pois façamos-lhe o gosto, que hoje é dia d'Ela...


a Heitor da Silveira *

Ceia não a papareis;
Contudo, por que não minta,
Pera beber achareis,
Não Caparica, mas tinta,
E mil coisas que papeis.
E vós torceis o focinho
Com esta anfibologia?
Pois sabei que a Poesia
Vos dá aqui tinta por vinho
E papéis por iguaria.

Luís de Camões (1524?-1580).


* de um banquete dado, na Índia, por Camões aos seus amigos. A que se seguiu um certame poético... E não há nada como o bom humor camoneano, para não levar as coisas demasiado a sério. Mesmo estas comemorações um pouco forçadas. Neste caso, pela Unesco, que até merece a nossa consideração.
Em tempo, Caparica já foi zona de bom vinho, e até Francisco Manuel de Melo o louvava.

Aqui ao pé


Continuo a gostar de falar de Portugal. Dividido entre o anglófilo de espírito e a germanofilia ordenada e atraente da classificação, o meu coração balança. Mas não os troco por este amor desordenado e íntimo pelas coisas nacionais. Por que o hei-de trocar por paixões assolapadas longínquas, ou por anunciar, pasmado, exposições, colóquios e manifestações culturais que não me estão ao pé de visitar? Terrunho, sim, mas não saloio deslumbrado...
Nunca me considerei garganta do Império, ou acrítico quanto ao que se passa em Portugal. Mesmo assim temos quanto nos basta, não vale a pena servirmos de propagandistas cegos de terras estranhas.
Pedro Barroso é que tem razão. Ainda ontem fui a Évora e vim de lá de alma lavada.

Bibliofilia 172.


Foi aqui, há mais de 40 anos, que assisti ao primeiro leilão de livros, em Lisboa.
O local foi-se chamando, ao longo dos tempos, Alto da Cotovia (século XVII), Praça da Patriarcal da Queimada (século XVIII), depois de um incêndio provocado, em 1769, na então Sé Nova lisboeta; para finalmente se fixar naquilo que é hoje, apesar da República, a Praça e o Jardim do Príncipe Real, a partir de finais do século XIX, com o seu gigantesco cedro centenário.
Esse leilão de livros, de que falei acima, foi promovido por Arnaldo Henriques de Oliveira, livreiro alfarrabista bem conhecido, para vender a biblioteca do coronel António da Cunha Osório Pedroso, em Maio/Junho de 1976, em espaço alugado, para o efeito, à que era então a Liga dos Amigos dos Hospitais, situada na Praça do Príncipe Real, nº 3.


Apontamentos, tomados na altura, permitem-me identificar algumas das obras que arrematei e respectivos preços que dei por elas. Assim:

Lote 4533 - História da Poesia Portuguesa do Séc. XX, J. Gaspar Simões (ENP)... Esc. 460$00.
Lote 4724 - A Velhice do Padre Eterno (Porto, 1885 - 1ªed.), Guerra Junqueiro..... Esc. 126$50.
Lote 4937 - Maximes, de La Rochefoucauld (Paris) ............................................... Esc. 345$00.


Este leilão de livros integrava-se na actividade periódica da Livraria Antiquária do Calhariz, que é hoje dirigida por José Manuel Rodrigues e que também leva a efeito almoedas, mas que, normal e ultimamente,  se realizavam, pelo menos até há pouco, na Casa da Imprensa, na rua da Horta Seca, ao Chiado.

quarta-feira, 20 de março de 2019

terça-feira, 19 de março de 2019

Passeios outrabandistas 2: Azulejos no Solar dos Zagalos



Então, a pedido das nossas leitoras, aqui vão mais impressões do nosso passeio. A imagem acima, com o jogo da cabra cega, corresponde a um dos panéis espalhados pelo jardim.


Eu gosto especialmente destes pequenos azulejos que se escondem por detrás de um enorme tronco de uma árvore. Temos que nos baixar perante a força da natureza para passar ou nos sentar nos bancos por debaixo do painel.


E é assim que descobrimos o conjunto perfeito.


O segundo para a despedida !

Post de HMJ

Contrastes

O património artístico é visto através de perspectivas muito diversificadas, consoante a cultura, a ideologia talvez, o meio social ou a ignorância de quem tem o poder para decidir sobre ele. Ainda não há muito tempo, um matarruano agente de cultura português facilitou a saída e venda para o estrangeiro de um quadro de  Carlo Crivelli (1430?-1495), cujas obras são escassas e raras... O governo, a que este pesado escritor policial e comentador desportivo pertencia, pouco tempo depois, também esteve para vender, na Inglaterra, um acervo considerável de telas de Miró, não fora a opinião pública esclarecida portuguesa se ter levantado em peso. Felizmente, esse acervo, que fora pertença do malfadado BPN, está hoje à guarda de Serralves (Porto), enriquecendo assim o património artístico nacional.



Na segunda metade do século XVIII (1773), a imperatriz Catarina II (1729-1796), a Grande, acolheu, mecenaticamente, na Rússia o enciclopedista Diderot (1713-1784), e como este tivesse dificuldades financeiras adquiriu, para o património do seu país, a biblioteca integral do escritor francês. Um pouco mais tarde, após a morte de Voltaire (1694-1778), a mesma Czarina veio a comprar a  biblioteca, na íntegra (cerca de 7.000 volumes), desse notável francês. Estes livros ainda hoje podem ser consultados em S. Petersburgo, com o interesse e curiosidade de muitas destas obras terem anotações manuscritas do próprio Voltaire.




Em sentido contrário, em relação à Rússia, e benefício directo para Portugal, por circunstâncias felizes do tempo e da fortuna, temos o caso da célebre escultura Diana, obra prima de Jean-Antoine Houdon (1741-1828), que hoje integra o especioso acervo do Museu Gulbenkian, em Lisboa.
Em 1930, o governo russo da altura, pressionado por grande escassez de divisas e dificuldades financeiras, resolveu desfazer-se de algumas jóias preciosas do seu património artístico. E, sigilosamente, o sr. Gulbenkian (1869-1955) aproveitou esta magnífica oportunidade para enriquecer a sua colecção de Arte.




Entre espíritos rurais e mentalidades esclarecidas, assim se pode ver a qualidade e a diferença de perspectivas, em relação à importância que cada um atribui à arte e cultura patrimoniais.
E é assim também que um país ganha ou perde...






Um ex-libris


Não sou muito dado a marcar a posse dos livros que compro. Na juventude, sim, apunha-lhes o nome e o ano de aquisisição. Mas esses sinais sempre têm virtualidades: marcam uma história e um percurso.
O ex-libris em presença vinha aposto à obra Nationality in History and Politics (Londres, 1944), do sociólogo e historiador austríaco Frederick Hertz (1878-1964), livro que comprei, usado, em 2018.
O anterior possuidor da obra terá sido, muito provavelmente e por isso, o olisipógrafo autor de Lisboa Seiscentista - Fernando Castelo Branco (1926).

segunda-feira, 18 de março de 2019

Passeios outrabandistas 1: Solar dos Zagalos




Ora, em começando o bom tempo, retomamos os nossos passeios, desta vez na outra banda.



Já conhecia o Solar dos Zagalos, assim como o seu jardim. Desta vez aproveitei a belíssima ideia de instalar um serviço público – o Espaço Cidadão – no Solar.


Com efeito, a pessoa trata da pragmática ao mesmo tempo que enche o olhar e a alma.

Post de HMJ