sábado, 16 de março de 2019

De Sophia para Ruben A.


Carta a Ruben A.


Que tenhas morrido é ainda uma notícia
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem
Quando - pela última vez - bateste à porta e te sentaste à mesa

Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em planos e projectos
E ninguém poderia pensar em despedida

Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
- Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar - como oferta - a infância antiga

A casa enorme vermelha e desmedida
Com seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De redodendros dálias e camélias
De frutos roseirais musgos e tílias

As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais

Morangos e muguet e cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras
Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas

Desgarrada era a voz das primaveras

Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce
                                                                      
                                                          Junho de 1976


Sophia Andresen, in O Nome das Coisas (1977).


4 comentários:

  1. Respostas
    1. Às vezes criam-se relações muito boas e fraternas entre primos..:-)
      É uma lindíssima elegia de que eu gosto muito.
      Bom fim-de-semana.

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  2. Também gosto muito deste poema.
    Bom dia!

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    1. Um bom poema, como quase todos os de Sophia.
      Boa tarde.

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