terça-feira, 5 de março de 2019

Ainda as capas, o sentido estético e o deixar andar, ou as memórias de um poeta bissexto


Tenho por certeza que a maioria das editoras, com raríssimas excepções, não se preocupa, hoje em dia, minimamente com a qualidade gráfica e estética das capas dos seus livros. Mas alguns autores também pouco se incomodam com a embalagem visual que os apresenta. Ou, então, ambos têm mau gosto...
Não me considero um árbitro de gosto, muito menos possuído de infalibilidade estética. Mas tenho critérios para separar o trigo do joio, permitindo-me ao luxo do duvidoso, como terceira categoria, nas minhas avaliações pessoais. Às vezes, não tenho a certeza e acolho-me, humildemente, ao avisado parecer de quem sabe. Agradecendo.


Quando estava para publicar o meu primeiro livro de poemas, Escrito para a Noite (1984), na IN-CM, pensei inicialmente reproduzir na capa um desenho de Augusto Gomes (1910-1976), que tenho em casa e de que gostava, e gosto, muito.


Falei nisso ao meu amigo pintor Pedro Chorão (1945) e ele, com a delicadeza que lhe é própria, demonstrou-me que aquela linda campesina jovem, com o seu quê boticeliano mas brejeiro, era excessivamente neo-realista e datada. Mas prometeu ajudar-me. Foi assim que um seu quadro veio enobrecer a capa do meu primeiro livro.


Em 1988, numa noite primaveril, Henrique Cayatte perdeu comigo, ao telefone, mais de uma hora para sintonizar, no seu labor exemplar, uma capa coerente com os meus versos, que a Caminho iria editar em Maio. Ainda hoje lhe estou grato por esse seu respeito intelectual. Pedro Chorão, mais uma vez, ajudou, com um desenho seu, feito de propósito. Assim se publicou, na Caminho, Equilíbrio, o meu segundo livro de poemas.




O António, sempre fraterno e próximo, fez a sua entrada de surpresa e inesperadamente, em 2013. Eu tinha-lhe confiado um manuscrito, em 1971, com poesias juvenis, de que ele gostava e de que declamava algumas, em recitais. Nunca pensei publicá-lo. E ele resolveu oferecer-mo editado (Arquivo Mortal), em circuito restrito (20 exemplares, de tiragem). Aí, eu não meti nem prego nem estopa, quanto a capas ou estética. Mas foi quase como se eu tivesse escolhido as opções, que o gosto artístico, meu e dele, são semelhantes. E fez-se rodear, para o design excelente da edição, do engenho e arte da Mariana e do Miguel.


Posso porventura não estar excessivamente ufano de tudo aquilo que produzi, em verso, mas não deixei ao deus dará aquilo que publiquei. E preocupei-me, acompanhando, os trabalhos preparatórios da impressão, até os livros sairem, excepto no último caso - como, aliás, referi acima.
É por isso que responsabilizo e atribuo o mau gosto do que se publica por aí, não só às editoras, mas também ao desleixo estético dos autores dessas obras.


com agradecimentos a tutti quanti me ajudaram a fazer obra limpa.

6 comentários:

  1. Pode orgulhar-se das capas dos seus livros (e não só). São todas lindas.
    Não sei se alguns autores veem as capas antes dos livros editados. Há capas que matam os livros. Se não conhecemos os autores, passamos logo à frente.
    Boa tarde!

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    1. Muito obrigado, MR.
      Eu creio que em muitos destes "publicistas" o frenesi de publicar é tanto que a emoção lhes afoga o sentido crítico, ou estético, se é que o tem - duvido...
      Retribuo, com estima.

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  2. Gostei muito de tudo, mas especialmente da primeira capa, com o pássaro. Boa tarde!

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    1. Ainda bem. E muito obrigado, Margarida.
      Uma boa noite.

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  3. Adoro os desenhos do Pedro Chorão. Quanto a mim...cá estarei para ajudar no que fore necessário. Saudades.

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    1. Também sou um grande fã..:-) E o Pedro, segundo as últimas, anda a produzir muito e bem.
      Obrigado, Mariana.
      Beijinhos saudosos.

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