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quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Recuperado de um moleskine (24)


Havemos de nos conformar com isso.
Entre aquilo que dizemos e o que omitimos vai, quase sempre, a distância da intimidade humana, que nem todos merecem. Por excessiva leveza, por desatenção, ou por desconfiança nossa. E porque muitas vezes um segredo, com o tempo, não foi merecido por quem o acolheu. Há pessoas que, tendo entrado intensamente nas nossas vidas durante alguns anos, desaparecem como por encanto, de repente, para sempre, como se nunca tivessem existido, nem sido tão paralelas e íntimas, em determinada idade. Sumem-se no vazio, sem deixar sinais, ou sem explicar a súbita retirada e o silêncio definitivo. Houve, talvez, alguma coisa que se quebrou, por dentro delas. E nós, divididos, não ousamos um contacto que se pode vir a traduzir por um incómodo recíproco.
Tive hoje três encontros daquilo que chamo: alta intensidade humana. Em que a sinceridade se expõem no seu mais alto grau, em que o tom é totalmente verdadeiro e nu de artifícios. Em que a atenção recíproca é essencial. Sai-se destes encontros mais purificado e reconciliado com a vida, mesmo que os motivos nem sempre sejam felizes. Num dos casos, o cenário até era picaresco e o encontro foi pontuado de sorrisos. Para não dizer gargalhadas, porque o interlocutor era um narrador talentoso da sua própria biografia. Um pouco ao jeito de um Fernão Mendes Pinto (oral), e que, se não contou da Ásia, falou das Áfricas (Moçambique, Guiné, Gâmbia e Mali), que eram o pano de fundo das suas peripécias de anos mais recentes... 
Nos outros dois encontros prevaleceu a sombra fatal de desencontros humanos, como motivos essenciais, no diálogo narrativo. Separação e destruição recíproca entre seres, ainda que involuntariamente. Até porque, muitas vezes, sem saber, fazemos mal aos outros. Com a mesma despreocupação e indiferença com que matamos uma mosca ou uma formiga, quando se cruzam connosco.