As Matanças
Mês de Dezembro, na Junça, na casa do Manuel Coelho, lavrador dos mais remediados da povoação e que, por esse facto e por ter numerosa família, mata dois porcos, cada um deles de peso não inferior a oito arrobas. Mal amanheceu, toda a família se pôs a pé, a arrumar, a limpar, a chegar os panelões à fogueira de ramos de tomilho e de giestas com achas de carrasqueira e freixo, o mais novito até, o Augusto, em fralda ainda, a fazer piruetas e a cantarolar no meio da casa. Os porcos, que não comeram a ração última da tarde, grunhem na corte, desconhecedores do mal que os espreita. Afiam-se facas, ajeitam-se estopas para calafetar o buraco mortal da mortal ferida do porco, limpam-se convenientemente alguidares e barrenhões para o sangue, deita-se-lhes uma porção de sal no fundo, vai-se ao sobrado pelo chambaril que há-de suspender pelos jarretes o cadáver, para ser aberto; (...)
Carlos Alberto Marques, in Beira Alta (pg. 157).