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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Pinacoteca Pessoal 186


Sendo recorrente, nunca será banal uma referência aos Painéis do Infante ou Políptico de S. Vicente de Fora (1445?-1470?), de Nuno Gonçalves. Se a representação de grande parte da pintura nacional ou estrangeira acaba por entrar numa normalidade da memória visual de cada indivíduo, esta obra-prima portuguesa suscita, de cada vez que a observamos, uma nova e inevitável curiosidade. Até por alguns mistérios insolúveis que encerra. 



Eu ousaria afirmar que estes painéis, guardados no MNAA, estão, em importância cultural, para a pintura portuguesa, tal como Os Lusíadas, de Luís de Camões, estão para a literatura nacional. E com uma igual importância matricial.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Pinacoteca Pessoal 128


Dele nos diz Manuel Telles da Silva, no seu Vida e Feitos de D. João II, que: "Foi de estatura um pouco elevada e de corpo delgado até à adolescência, mas depois obeso; o rosto comprido e formoso, entre o branco e o corado; os olhos negros e agradáveis, mas, quando se irava, raiavam-se de sangue e incutiam temor; o nariz de justa medida. Os cabelos eram densos e arruivados, e, embora tivessem embranquecido precocemente, não deixou arrancar as cãs."



Tiveram vida breve os dois filhos de D. Afonso V (1432-1481). Se D. João II (1455-1495) ultrapassou em pouco mais de 5 meses, os 40 anos, sua irmã mais velha, princesa Sta. Joana (1452-1490), finou-se com 38, em Aveiro. Da iconografia existente verifica-se uma parecença física notável. A boca, o rosto alongado e provavelmente a cor dos cabelos, para além dos olhos. Mas também a obstinação de carácter os irmanava. D. Joana na recusa em casar-se, D. João II na forma desapiedada e firme com que consolidou o seu poder pessoal e régio.
O retrato da Princesa, considerado da escola de Nuno Gonçalves, é um dos ex-libris do Museu de Aveiro, homónimo. Em Sevilha, na Fundação da Casa Ducal de Medinacelli, está o retrato de D. João II, cópia de um retrato perdido do Príncipe Perfeito, pintado talvez em 1490, de autor desconhecido.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Apontamento banal

Quatro ou cinco pombas debicavam, meticulosamente, algumas - poucas - migalhas, no chão da esplanada, quando entrei. Não havia muita gente, e os homens estavam em minoria: três, para quatro mulheres. Dessas, uma devia ser caprichosa, porque mandou refazer, por 2 vezes, o prato de cozido à portuguesa, que o empregado de leste, obedientemente, cumpriu. Outra, no início dos 70 (disse-o depois), tinha uma garridice desajustada: uma blusa vermelho-vivo, quase transparente, de uma só alça, deixava adivinhar o peito pesado e flácido. Uma flor artificial ungia-lhe os cabelos negros, pintados. Completava o trajo com umas calças vaporosas com desenhos alacres de capulana.
A meio do almoço, entrou em diálogo com a balzaquiana da mesa da frente, que a olhava de soslaio e que, provavelmente curiosa, lhe avançou a idade, na terceira ou quarta frase, a despropósito: "Tenho 48 anos!" Ao que, a das calças "capulanas", lhe retorquiu em desafio: "Pois eu já vou em 71." Entretanto, atrás de mim, o sr. Moreira, que parece um judeu quinhentista dos que aparecem em Nuno Gonçalves, mantivera-se calado. E eu, também, falsamente envolvido na leitura do TLS, depois do café.
Quando saí, as pombas continuavam, afanosamente, à cata de migalhas. Para elas, o almoço devia ser bem mais difícil de arranjar.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Transmigrações improváveis


O homem sentou-se na mesa em frente, vi-o, e de imediato me senti transportado ao séc. XV, para o painel da Relíquia, do tríptico de Nuno Gonçalves. O mesmo enorme nariz, mais abatatado, na ponta, as grandes orelhas de abanador, que a ausência de chapéu acentuavam, os mesmos olhos fixos, bogalhudos. Uma expressão semelhante, apenas mais seco de carnes e, talvez, menos ilustrado. Mas mais activo, porque sacudia, com irritação e vigor, as moscas importunas e selvagens, que o rondavam, naquele restaurante modesto, à beira da estrada.
É bem possível que os genes matriciais e os traços fisionómicos se tenham perpetuado na espécie e atravessado cinco séculos, com pequenas alterações de pormenor, e sangues. Podia bem ser irmão do retratado por Nuno Gonçalves.
Comeu sardinhas assadas, como eu, aliás. Mas devia estar sequioso: depois do jarrinho de tinto, de meio litro, pediu mais outro, igual. Comeu sozinho e silencioso. E não trazia livro nenhum.