quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Apontamento banal

Quatro ou cinco pombas debicavam, meticulosamente, algumas - poucas - migalhas, no chão da esplanada, quando entrei. Não havia muita gente, e os homens estavam em minoria: três, para quatro mulheres. Dessas, uma devia ser caprichosa, porque mandou refazer, por 2 vezes, o prato de cozido à portuguesa, que o empregado de leste, obedientemente, cumpriu. Outra, no início dos 70 (disse-o depois), tinha uma garridice desajustada: uma blusa vermelho-vivo, quase transparente, de uma só alça, deixava adivinhar o peito pesado e flácido. Uma flor artificial ungia-lhe os cabelos negros, pintados. Completava o trajo com umas calças vaporosas com desenhos alacres de capulana.
A meio do almoço, entrou em diálogo com a balzaquiana da mesa da frente, que a olhava de soslaio e que, provavelmente curiosa, lhe avançou a idade, na terceira ou quarta frase, a despropósito: "Tenho 48 anos!" Ao que, a das calças "capulanas", lhe retorquiu em desafio: "Pois eu já vou em 71." Entretanto, atrás de mim, o sr. Moreira, que parece um judeu quinhentista dos que aparecem em Nuno Gonçalves, mantivera-se calado. E eu, também, falsamente envolvido na leitura do TLS, depois do café.
Quando saí, as pombas continuavam, afanosamente, à cata de migalhas. Para elas, o almoço devia ser bem mais difícil de arranjar.

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