quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Horácio em Português


O afecto também pode ser só silêncio, cada um abandonado ao dever do que gosta. Mesmo que o cenário possa ser uma velha garagem, que ainda cheira a óleo. Mas a manhã vinha de fora, com todo seu perfume, ainda de Verão. Por isso, vinha uma aragem pela porta grande, que era também leveza, e podíamos assim dedicarmo-nos, ambos, àqueles livros tão nobres e antigos.
Eu agarrei numa tradução das Odes de Horácio e só a larguei no fim de a ler, completamente. A versão portuguesa é muito escorreita, e feliz, muito embora o tradutor, açoriano, José Augusto Cabral de Mello (1793-1871), nos diga que lhe demorou 18 anos a fazer. E no posfácio nos dê conta do cuidado (mandou vir, até, o papel da Inglaterra, para impressão...) e das vicissitudes por que passou, até conseguir imprimir a obra, em Angra do Heroísmo, em 1853, numa edição de apenas 622 exemplares. Tão rara, que nem Inocêncio a regista.
O livro, intitulado "Odes de Q. Horacio Flacco/ traduzidas/ Em verso na Língua Portuguesa/ por/ José Augusto..." é ameno de se ler. Por isso, aqui vai uma amostra divertida da versão da Ode VIII de Horácio, feita pelo poeta (que se carteou com Garrett) e advogado açoriano:

A uma Velha Amorosa

Perguntas-me, c'um século de edade
E assaz graveolenta,
Qual o motivo que me enerva tanto?
Os teus dentes são negros,
E teu rosto a velhice encheu de rugas.
.......
..............
Será tudo isto proprio
A inspirar-me no peito amor ardente?
Sê mui rica, e se vejam
Em teu enterro os triumphaes retractos
De teus avós illustres;
Não apareça dama alguma tanto
Como tu carregada
De finissimas pérolas formosas;
Ri-se amor disso tudo.
De que aproveitam os estoicos livros
Que tão vaidosa ostentas
Entre almofadas séricas mimosas?
Pode a sua sciencia
Fazer acaso me enrigeles menos
Do que as não-litteratas?

Menos frigido sou porque procuras
Em mim accender fogos
Com estranhos excessos amorosos
Que repulso soberbo?

2 comentários:

  1. Um livro que dá algum trabalho para encontrar. Para mais que julgo que muitos se perderam num naufrágio.

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  2. Obrigado pela achega do naufrágio, e leitura.

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