O homem sentou-se na mesa em frente, vi-o, e de imediato me senti transportado ao séc. XV, para o painel da Relíquia, do tríptico de Nuno Gonçalves. O mesmo enorme nariz, mais abatatado, na ponta, as grandes orelhas de abanador, que a ausência de chapéu acentuavam, os mesmos olhos fixos, bogalhudos. Uma expressão semelhante, apenas mais seco de carnes e, talvez, menos ilustrado. Mas mais activo, porque sacudia, com irritação e vigor, as moscas importunas e selvagens, que o rondavam, naquele restaurante modesto, à beira da estrada.
É bem possível que os genes matriciais e os traços fisionómicos se tenham perpetuado na espécie e atravessado cinco séculos, com pequenas alterações de pormenor, e sangues. Podia bem ser irmão do retratado por Nuno Gonçalves.
Comeu sardinhas assadas, como eu, aliás. Mas devia estar sequioso: depois do jarrinho de tinto, de meio litro, pediu mais outro, igual. Comeu sozinho e silencioso. E não trazia livro nenhum.
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