"...A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormiu uma hora ou uma vida inteira, quem o sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim? Um belisco, e do seu flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol, dum insecto na sua primeira manhã, música trilada da terra ou das esferas? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.
Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os insectos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a abrótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo troféus de vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação rusticana. Faltava o senhor, meio fidalgo, meio patriarca, à moda do tempo. Ora, certa manhã de Outono..."
Aquilino Ribeiro (1885-1963), in "A Casa Grande de Romarigães".
Não sei por onde andam os meus velhos livros da escola, mas de certeza que por lá havia textos de Aquilino. Mas ou os textos eram mal escolhidos ou os meus olhos não sabiam lê-los, porque não me recordo deste deslumbramento...
ResponderEliminarSubscrevo as palavras de c.a.
ResponderEliminarTenho dificuldade em entrar no Aquilino Ribeiro mas gostei do excerto que escolheu.
Para "c. a.":
ResponderEliminar"A Casa Grande...", do Aquilino é, para mim,uma das obras-primas portuguesas do séc.XX. Além do mais, é divertido...
Para a Ana:
Tem que se ter paciência, tempo e humildade para ler Aquilino Ribeiro. Nestes requisitos não a posso ajudar. O escritor era beirão e andou no Seminário : o vocabulário é terrunho e riquíssimo
- aqui posso dar uma dica,"Glossário Aquiliniano" de Henrique de Almeida (Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, Viseu,1988.
Adoro! Eu, depois do Romance da raposa e da Arca de Noé III classe, iniciei-me no Aquilino com O romance de Camilo.
ResponderEliminarConcordo com o APS quanto a A casa grande de Romarigães.
Gosto imenso dos livros memorialistas do Aquilino.
Retratado por um grande amigo dele.
ResponderEliminarEstá a referir-se ao prefácio do José Gomes Ferreira no "Um escritor confessa-se", não é,MR?
ResponderEliminarPor acaso, referia-me a este retrato de Abel Manta.
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