Por vezes, um “banho de
realidade” com todo o desconfortante e decepcionante vale mais do que mil
explicações. Acontece que umas viagens pelo país real nos fornecem, sobretudo
aos forasteiros minimamente atentos, uma visão mais aguda do desenvolvimento
perverso dos últimos anos que foi criando dois países paralelos, o das estatísticas
e o outro, “de carne e osso”.
Voltei, hoje, a um palácio
classificado pelo IGESPAR, chamado Quinta das Torres, situado no meio de uma
mancha florestal admirável, à saída de Azeitão. A visita tinha por objectivo
reencontrar um lugar onde “outrora”, ou seja, há uns anos largos, os nossos
visitantes tinham sido felizes, apreciando, sobretudo, a singularidade do lugar
e a diferença cultural que apreciaram.
Nesse passado, aparente
longínquo, funcionava, no dito Palácio, uma Estalagem e, designadamente, um
restaurante. Servindo almoços e jantares, num espaço soberbo virado para o
“lago, com frescos, em forma de tempietto”, segundo a informação do IGESPAR,
comia-se bem, com produtos da terra e empregados locais, atentos e educados.
Sem preços exagerados, era um lugar onde se aliava o bem-estar a um ambiente
marcadamente tradicional, no bom sentido do termo, que marcaria, de forma
indelével, a diferença cultural dos países da Europa, mesmo durante uma estadia
breve. Facto é que o nosso visitante de outrora quis voltar ao mesmo lugar !
Embora tivesse alertado os
meus visitantes para o facto de o “país paralelo” dos mercados ter provocado
muitos estragos, designadamente naquilo que mais nos distinguia, geográfica e
culturalmente, dos restantes países da Europa, eles insistiram em voltar ao tal
“lugar de excepção”.
Assim foi. Subimos a álea de
acesso ao palácio, rodeado de uma vegetação frondosa. Reparamos logo no
abandono e desleixo completo. No espaço fronteiriço, nem vivalma, apenas um
portão entreaberto para o pátio interior, com dois cães, pachorrentos, a olhar
para os forasteiros. Ainda houve tempo para apreciar, como outrora, as
laranjeiras e o espaço. Surgiu-nos, então, uma daquelas figuras sobejamente
incaracterísticas do “outro país” paralelo. Uma criatura, vestida de fato
preto, com listas turquesa, como novas “trolhas” do patrão, a saber ao que
vínhamos. Se nos servissem um almoço ou um jantar, como outrora, ficaríamos,
com muito gosto e prazer.
Ah! Não, o restaurante já
fechou, há quatro anos, e “adaptamo-nos aos novos tempos [sic]”, agora é só para
grupos e outras coisas quejandas. Deixou, no entanto, um recado final muito
explícito: “os senhores não podem circular, nem tirar fotografias”! No entanto,
como a lembrança do passado foi mais forte, os meus acompanhantes ainda
tentaram ver o lago. Qual quê ! Veio logo a “megera”, dando ordens para
abandonar o lugar, sublinhando que não podiam tirar-se fotografias, claro está,
de telemóvel na mão, em jeito de ameaça!
Obviamente não foi preciso
explicar mais demoradamente aos meus visitantes que o “país da estatística, do
empreendedorismo, do mundo financeiro”, afinal, a “tal adaptação aos novos
tempos” tinha dado resultados. A destruição do genuinamente cultural deu lugar
ao abandono completo, entregue a umas criaturas sem porte nem cabeça,
porventura à espera do próximo “investidor gold” para arrasar o que ainda
resta.
Os meus visitantes ficaram
tristíssimos. E o país perdeu, definitivamente, como aliás, “nós por cá”
sabemos perfeitamente.
Post de HMJ
Infelizmente, não só empobreceram o país, como também o descaracterizaram.
ResponderEliminarÉ uma tristeza.
Boa noite!
Para Isabel:
EliminarSem dúvida !
Fui uma vez à Quinta da Torre, há anos, almoçar. E gostei bastante.
ResponderEliminarEssa moda dos grupos...
Devem dedicar-se a casamentos.
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