terça-feira, 20 de maio de 2014

Citações CLXXVI


A libertação da linguagem das leis da gramática, em direcção a um reordenamento mais original e essencial, está reservada ao pensamento e à criação poética.

Martin Heidegger (1889-1976), in Pathmarks (Wegmarken), Cambridge University Press (1998).

12 comentários:

  1. Respostas
    1. René Char e Herberto Helder são bons exemplos...

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    2. Julgo que o melhor/maior exemplo, desconstrutivo até ao limite, é anterior, e seria decerto nesse que o homem pensava: o último Hölderlin, que era aliás dele, Heidegger, o poeta de cabeceira. O segundo melhor exemplo, desse ponto de vista puramente poético, ainda é contemporâneo do autor: Celan, cujos últimos livros são também - além dos que prefiro em todo o séc.XX - uma tentativa radical, embora não tão sobre-humana, de descer ao fundo da linguagem. Já agora, uma boa notícia: se é verdade o que me dizem, quer João Barrento, quer Maria Teresa Furtado preparam traduções do poeta, que se somarão às meramente antológicas que o próprio Barrento fez de par com Yvette K. Centeno, únicas que temos até agora.

      A propósito de Char, como até do mais selvagem Rimbaud, é engraçado notar que os franceses nunca são formalmente tão revolucionários como os alemães, por razões não assim tão estranhas e que dariam um bom, mas evidente, debate...
      (Mesmo aqui Celan, que vivia em Paris, ainda que não fosse francês, mas escrevia em alemão, "a língua dos assassinos", outro aspecto curioso)

      Por cá, não parece haver disso exemplos. Nem Herberto, sequer. Talvez Álvaro de Campos, porém puro espalhafato. Heidegger fala naquela perspectiva mais funda que, apesar de nazi, estava certa. (Os nazis não eram todos completamente atrasados mentais, a não ser na parte em que eram nazis)

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    3. Estou de acordo que Heidegger estaria a pensar em Hölderlin, quando formulou as palavras que eu citei.
      Para desbastar caminho prévio, tenho duas declarações de interesse, confessionais, a fazer: não aprecio, em particular, a poesia de Hölderlin, e tenho extrema dificuldade em "entrar" na obra de Celan, mesmo quando traduzida para francês.
      Concordo consigo, caro Anónimo, em que os alemães conseguem, muitas vezes, ir mais longe do que os franceses, em poesia e na reconstrução de uma linguagem própria, em si. Rilke poderia ser um exemplo.
      Mas não descarto René Char, deste mesmo itinerário, e que era francês. Nem sequer Herberto Helder que, apesar de não ser um poeta "da minha família" nem de cabeceira, elaborou, ao longo da sua obra, uma poética singular e "dialectalmente" avançada, para não dizer revolucionária.
      E juntaria a estes dois últimos, com justiça e gosto próprio, Sá de Miranda, que tantas vezes é menorizado e esquecido, em Portugal.

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    4. Descartei Herberto porque, tendo poética singular e estilo, «linguagem», próprios, está ainda muito dentro das tais "leis da gramática", já para não falar daquilo a que Heidegger chama, de maneira mais ampla, "linguagem". Claro que é o maior poeta português, não obstante. Parece-me é que na nossa literatura - poesia e prosa - não há ninguém muito aventuroso, desse ponto de vista. [É natural: talvez o exercício enlouqueça qualquer criatura. Mesmo lá por fora, descontando Hölderlin, Rimbaud, de modo formalmente menos revolucionário, e Celan, não vejo ninguém mais que tenha ido assim tão longe]

      Bom dia...

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    5. Esqueci-me de acrescentar uma ideia do próprio Rimbaud a este respeito (palavras talvez auto-proféticas): quem quer que se ponha um dia só a não pensar em mais nada que não as vogais do alfabeto, na abstracção delas, enlouquece.

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    6. Aceitando que a criação poética (autêntica e de qualidade) é, em si, um desvio que, tal como o sonho, ou se fixa, na altura, ou se perde, também será "natural" que uma alteração das matrizes da linguagem ortodoxa produza, no mínimo, um alheamento, quando não loucura. Corroborando também os seus exemplos (Hölderlin, sobretudo, mas também se poderia falar de Nietzsche, embora menos ousado), eu lembraria Ângelo de Lima (1872-1921), representado na "Orpheu" e que veio a ser editado pela Inova, em 1971. Ou referir a "gaguêz furiosa" registada pelo brasileiro Jorge de Lima, que aqui postei (18/4/14).
      Para fundadamente reforçar os argumentos da minha opinião sobre H. H. teria que ir relê-lo e, de momento, não tenho os seus livros, aqui, comigo. Mas quanto a Jorge de Sena são flagrantes os seus Sonetos a Afrodite Anadiómena", o que amplia os exemplos nacionais. Não nos podemos, inteiramente, queixar...
      Votos cordiais, também, de um bom dia.

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  2. Dizem os especialistas que o grande exemplo português é Garrett, que foi poeta, mas onde é mais visível essa revolução na linguagem da escrita é nas Viagens. Dizem tb que outros bons exemplos disso são Eça e Miguéis, todos três romancistas e prosadores e estiveram emigrados - viram a língua de fora.

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  3. Respostas
    1. Em Sena, parece-me mais notório. Garrett, pela forma e inovação narrativa, talvez. Tenho mais dificuldade em aceitar a prosa de Eça, ou mesmo de Miguéis, como exemplos.

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