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terça-feira, 13 de agosto de 2019

De uma miscelânea manuscrita da B. G. U. C.


Não sendo normalmente de grande qualidade, sobra a uma boa parte da poesia portuguesa dos séculos XVII e XVIII uma certa irreverência, humor, fresca licenciosidade e até uma libertina ausência de preconceitos para tratar os mais insólitos assuntos. Nalguns aspectos a liberdade de expressão aproxima-se da dos cancioneiros medievais, em particular das cantigas de escárnio e maldizer.
Das horas proveitosas que passei na BGUC, consultei 3 ou 4 miscelâneas manuscritas do século XVIII. Tomei apontamentos, fiz algumas transcrições, embora muitas caligrafias sejam de difícil decifração. Em suma, pessoalmente, ocupei bem o tempo. E sorri, algumas vezes, do que li. Da miscelânea nº 1639 (pg. 45), intitulada "Collecção/ De/ Peças Poéticas/ De Bom Gôsto", com marca de posse manuscrita em nome de Miguel Justino de Araújo Gomes Álvares, vou transcrever (sic), de um autor anónimo, um soneto brejeiro e engraçado:

Senhor Doutor, que tem esta rapariga
Que não é como dantes? Tanto andeja,
Cóspe, vomita, mil coisas deseja,
Cresce-lhe o panno, incha-lhe a barriga:

Parou-lhe de repente a copia antiga
Do sangue, que por baixo se despeja;
Faz diligencia que ninguém a veja
Até se esconde da mayor amiga:

Será isto porventura do Demonio
Algum ardil, alguma trapalhada?
Se assim é vou leva-la a Santo Antonio.

«Não, Senhor, a Menina não tem nada,
Quiz effeitos provar do Matrimonio,
Para não estranhar sendo casada.» *


* apesar de imperfeito, creio que o soneto estava inédito.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Aquisições recentes


Ando em maré de folhetos, porque eles têm aparecido em variedade e quantidade: entremezes, sermões, éclogas setecentistas, epicédios... Dum último lote, que triei, eles vinham muito manchados, mas com boas margens para encadernar. Escolhi uma Instrucção Pastoral do Bispo de Beja, Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814), iluminista e mecenas, que escrevia muito bem, em português de lei. O opúsculo, de 22 páginas de papel encorpado, foi editado em 1792, para celebrar o futuro nascimento da infanta Maria Teresa de Bragança (1793-1874), primeira filha de D. João VI e de Carlota Joaquina. As últimas páginas do folheto intitulavam-se Preces na Expectação do Parto e incluiam orações orignais, para serem rezadas.



Do segundo folheto, de 8 páginas, pouco há a dizer. Não conheço o seu autor, Jacome Tenorio Francofin de Assis, que se intitulava Mestre em Artes, e se propunha, em filosofia barata, argumentar e elogiar as virtudes maiores dos portugueses da sua época, destacando o Juizo, como essencial nos homens, e a Formosura, imprescindível na mulher. O que me fez lembrar um conhecido dístico inicial, de um poema de Vinicius: As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental... Politicamente incorrecto, nos nossos dias, há que dizê-lo...
O prefácio é, no entanto, curioso. Ainda com ressaibos barrocos e algo chocarreiro, no estilo:



Este último folheto foi impresso em 1763, na tipografia de Ignacio Nogueira Xisto (Lisboa). E houve, recentemente, um exemplar igual vendido no Brasil (Levy Leiloeiro), considerado "raro", que foi arrematado por R$ 210.
Não posso dizer que tenham sido caros, os dois folhetos aqui apresentados. Muito embora estejam ambos muito manchados de humidade.


sábado, 16 de julho de 2011

Vinho em Portugal, no século XVIII


Já aqui falei do livro "Relação do Reino de Portugal - 1701", editado pela BNP (2007), baseado num manuscrito da British Library, e transcrito sob a coordenação de Maria Leonor Machado de Sousa. É uma obra interessantíssima e, pelo pitoresco e observação minimalista dos costumes portugueses de antanho, não fica nada a dever às clássicas, canónicas e mais celebradas obras (pelo menos, das que eu conheço) de Estrangeiros sobre Portugal que são sempre muito cobiçadas pelos bibliófilos portugueses nos alfarrabistas. E muito disputadas em leilões. Hoje, vou transcrever da obra citada, um pequeno excerto sobre a produção de vinho, na região de Lisboa. Curiosamente, e pouco antes deste texto, o autor referia que da margem norte do Tejo, eram preferíveis os vinhos tintos, e a sul do Tejo eram melhores os brancos. Segue, então:
"...Para fazerem Vinho põem as Uvas numa grande Cisterna de Pedra, de onde as passam para outra, menor, e então o Vinho é colocado em grandes Cascos, que levam quatro ou cinco Tonéis. Pisam as Uvas de uma maneira muito desagradável e, quando já não sai mais nenhum sumo da pisa, eles espremem o que podem da seguinte maneira: põem os cascos todos numa pilha e atam-nos com corda de sisal para evitar que se espalhem, depois colocam Pranchas de madeira sobre eles, e com recurso a uma grande Pedra, extraem ainda mais sumo delas; depois do que deitam água para dentro dos cascos e fazem um licor a que chamam agua-pé, que foi o que provei. Era pior do que Cerveja Fraca. Quando o vinho é levado para esses grandes Cascos, se se trata de vinho Branco o trabalho está feito, mas se é vinho Tinto, põem o cangaço da Uva lá dentro para que fermente e passe a ter mais cor, pois a cor intensa do vinho Tinto é conseguida dessa maneira. ..."