terça-feira, 18 de janeiro de 2011

No Carmo, depois da "vernissage"


Tinhamos ido, os dois, ao lançamento de um livro de um nosso velho conhecido de Coimbra. Fora nosso colega de República. Era veterano, quando nós fomos caloiros, mas protegera-nos de algumas praxes mais cruéis, nos anos 60. Pelo menos, deviamos-lhe estima e reconhecimento. Marcamos, por isso, presença, compramos o livro do Esteves, pedimos autógrafos, mas raspámo-nos, logo que foi possível. E fomos jantar a uma esplanada do Largo do Carmo, com muitos turistas à mistura. O livro, valha a verdade, era fracote: daquela poesia serôdia, do outono da vida, em edição de autor. Mas os jacarandás do Largo, floridos, estavam lindíssimos - convidavam a ficar, pela beleza.
Talvez pela atmosfera agradável do ar que nos circundava, o Alexandre falou muito, e eu ouvi. Confidências, aromas discretos de outros tempos, arrependimentos da carne, saudades de ser jovem. Retive uma história que vou reproduzir, tão fielmente quanto possível, com as palavras do meu amigo Alexandre:
"Tinha só uma entrevista, nesse dia. Ela entrou: recém-trintona, ou no final dos vinte, tigrina, a pele evanescente, como nas mulheres de Cranach («Tás a ver?»), olho azul, «fausse-maigre», pareceu-me. Quando lhe perguntei qual tinha sido o seu último emprego, respondeu-me, imperturbável: «Atendimento numa sex-shop." Acho que me desconcertei um pouco («que, como sabes, não é o meu feitio!»), e demorei a fazer-lhe a segunda pergunta. Vi-a depois, muitas vezes, pela Vila, passeando um molosso castanho claro, de pêlo comprido, feroz, e como era magra («afinal!»), quase arrastada por ele. Às vezes, quando a via, arrependia-me de não a ter admitido, ainda que fosse só por seis meses, a termo certo."
O Alexandre beberricou o último trago do Evel branco, do seu copo, e pedimos a conta ao empregado brasileiro. A noite já caíra, mas o Largo estava um esplendor, com os seus jacarandás floridos e cheirosos...

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