Tinhamos ido, os dois, ao lançamento de um livro de um nosso velho conhecido de Coimbra. Fora nosso colega de República. Era veterano, quando nós fomos caloiros, mas protegera-nos de algumas praxes mais cruéis, nos anos 60. Pelo menos, deviamos-lhe estima e reconhecimento. Marcamos, por isso, presença, compramos o livro do Esteves, pedimos autógrafos, mas raspámo-nos, logo que foi possível. E fomos jantar a uma esplanada do Largo do Carmo, com muitos turistas à mistura. O livro, valha a verdade, era fracote: daquela poesia serôdia, do outono da vida, em edição de autor. Mas os jacarandás do Largo, floridos, estavam lindíssimos - convidavam a ficar, pela beleza.
Talvez pela atmosfera agradável do ar que nos circundava, o Alexandre falou muito, e eu ouvi. Confidências, aromas discretos de outros tempos, arrependimentos da carne, saudades de ser jovem. Retive uma história que vou reproduzir, tão fielmente quanto possível, com as palavras do meu amigo Alexandre:
"Tinha só uma entrevista, nesse dia. Ela entrou: recém-trintona, ou no final dos vinte, tigrina, a pele evanescente, como nas mulheres de Cranach («Tás a ver?»), olho azul, «fausse-maigre», pareceu-me. Quando lhe perguntei qual tinha sido o seu último emprego, respondeu-me, imperturbável: «Atendimento numa sex-shop." Acho que me desconcertei um pouco («que, como sabes, não é o meu feitio!»), e demorei a fazer-lhe a segunda pergunta. Vi-a depois, muitas vezes, pela Vila, passeando um molosso castanho claro, de pêlo comprido, feroz, e como era magra («afinal!»), quase arrastada por ele. Às vezes, quando a via, arrependia-me de não a ter admitido, ainda que fosse só por seis meses, a termo certo."
O Alexandre beberricou o último trago do Evel branco, do seu copo, e pedimos a conta ao empregado brasileiro. A noite já caíra, mas o Largo estava um esplendor, com os seus jacarandás floridos e cheirosos...
«a termo certo.» :-)
ResponderEliminarNão fosse o diabo tecê-las...
ResponderEliminarBela prosa!
ResponderEliminarMuito obrigado, LB.
ResponderEliminarArrependimentos da carne?, não sei..., acho que não! saudades de ser jovem? Isso muitas!!!
ResponderEliminarÀ segunda, JAD, ninguém escapa...
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