quinta-feira, 20 de maio de 2010

« Os poetas nunca mentem»



No seu livro "Poetas Españoles Contemporáneos"(Gredos, Madrid, 1969), e nas páginas dedicadas a Antonio Machado (1875-1939), capítulo "Los poetas nunca mienten"(pg.110), Dámaso Alonso(1898-1990) refere, e passo a traduzir:
"Na introdução às «Páginas escogidas» (edição Calleja), Machado escreveu: «É meu costume não voltar nunca ao que está feito e não reler nada daquilo que escrevi...». Vamos ver repetidas vezes quão inexactas são essas palavras. Mentia Machado? Não; aqueles que o conhecemos e o amamos sabemos como era incapaz aquela nobre alma de mentir ou fingir. Esses «prólogos» são sempre perigosos. É numa espécie de prólogo que Frei Luís (de León) fez esta afirmação: «... na minha mocidade, e quase na infância me cairam como de entre as mãos estas obrazinhas...». As «obrazinhas» são nada mais nada menos que as suas odes... Frei Luís, que através dos séculos em tantas coisas se pode comparar com Machado (em profundidade, altura e intensidade de inspiração), não era homem de mentiras. Quando um poeta fala da sua poesia, não lhe peçamos rigor; não: ele mergulha o seu olhar num vago mundo poético. Os dados mais inexactos - muita atenção, crédulos e probos investigadores! - são os mesmos que o poeta proporciona sobre a sua própria pessoa ou sobre a sua poesia. E tomai nota disto: um verdadeiro poeta nunca mente."

P. S.: para MR que gosta de Antonio Machado.

4 comentários:

  1. A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se
    Perguntaste se eu amo o meu amigo?
    como rompendo um demorado açude
    na tua voz quis hausto que transmude
    todo o cristal dos ímpetos consigo

    Neste meu choro enevoado abrigo
    pôs-me a palavra o peito em alaúde
    que uma doce pergunta tua ajude
    no sim furtivo que eu levei comigo

    Mas a meu lábio lento em confessar-se
    um mestre inda melhor o cunharia
    A mão que a seu amigo hesita em dar-se

    ele a tomou o que mais firme a guia
    para que ao coração secreto amando
    ao mundo todo em rimas o vá dando.

    Walter Benjamin, in "Sonetos"
    Tradução de Vasco Graça Moura

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  2. Será preciso ter em linha de conta que os ensaístas também têm direito a algumas liberdades poéticas. E porque não admitir alguma bondade irónica naquilo que dizem?

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