Livros há que, não intencionalmente, vou lendo de forma vagarosa. Creio que para os saborear melhor ou para que não acabem muito depressa. Isto acontece, presentemente, com duas obras. Uma delas tem como autor Claudio Magris (1939) e por título "Danúbio". A tradução, de grande qualidade como sempre, foi feita por Miguel Serras Pereira. Magris faz uma espécie de descrição de percurso cultural, seguindo o rio Danúbio que passa pela Alemanha, Áustria, Hungria, Roménia, antigas Checoslováquia e Jugoslávia, e Bulgária. Grande parte das referências culturais de que Claudio Magris fala, são para mim desconhecidas. Mas os textos estão tão bem escritos e são tão sugestivos que eu tenho vindo a ler "Danúbio" como se fora um Baedecker do século passado por onde eu me preparasse para visitar um país ou região de uma Europa desconhecida. Passo a transcrever, em seguida, um pequeno excerto da obra (pg. 138):
Em 1908 Francisco Fernando, arquiduque da Áustria-Este e herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, definira a coroa dos Habsburgos como uma coroa de espinhos. Esta frase sobressai numa sala do museu que recorda o arquiduque no Castelo de Artstetten, a cerca de oitenta quilómetros de Viena, não longe do Danúbio, onde se encontra sepultado juntamente com Sofia, a consorte muito amada. Os tiros de pistola de Serajevo impediram Francisco Fernando de usar na cabeça a coroa, mas ainda que tivesse sido imperador e tivesse reinado longamente como Francisco José, não teria sido enterrado na Cripta dos Capuchinhos, como os seus avós: queria repousar ao lado da sua esposa, e esta última, Sofia Chotek von Chotkowa und Wognin, era apenas condessa, pertencente embora a uma das mais antigas famílias da nobreza checa, e como tal não tinha o direito de ser recebida na Cripta imperial dos Habsburgos, do mesmo modo que a sua linhagem demasiado modesta a impedia , depois do casamento com o herdeiro do trono, de residir em Hofburg e de ter acesso às carruagens ou aos palanques imperiais..."
Adorei essa comparação que faz entre o Danúbio de Magris e um Baedecker. Gostei imenso desse livro e realmente é uma espécie de guia cultural.
ResponderEliminarFui à procura de uma citação de Ramalho de que me lembrei, quando li o título deste post: «Fora da fronteira, com um passaporte no bolso, um saco de noite na mão e um chapéu de chuva debaixo do braço, Vossa Alteza [D. Carlos] tem à sua disposição, como qualquer outro, para salvaguardar e manter os seus invioláveis direitos de homem provido de uma chapeleira e de um guia Baedecker, todas os exércitos do mundo.» (As Farpas, 25 Maio 1883)
Não folheei, fiz mal, por alguma coisa mereceu o Príncipe das Astúrias. Mas um dia vou-me a ele, ou compro ou um amigo mo empresta. Fica a referência credível.Grato
ResponderEliminarO gosto ou prazer que tenho tido a ler "Danúbio", penso que só é comparável ao que tive na leitura das "Memórias de Adriano" da Yourcenar. Com a diferença,MR,que neste havia o sopro do sentimento exaltado,classicamente domesticado e exposto. O "Danúbio" é, porventura mais neutro, mas também lá existe afecto e uma atenção muito terna pelo passado.
ResponderEliminarGostei muito,MR,do texto que lembrou de Ramalho Ortigão.
Luís: aconselho a que não perca esta viagem pelo "Danúbio".
ResponderEliminarE já agora: na mesma altura altura li o Breviário mediterrânico, de Predrag Matvejevitch, que tem um prefácio de Magris. Também gostei, mas menos.
ResponderEliminarE já agora acho que vou voltar ao Danúbio que, entretanto, ofereci.
Já não me lembro por que os li, mas acho que teve a ver com uma crónica do Mega Ferreira.
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