Não é muito frequente dar conta, aqui no Arpose, de acontecimentos culturais, ou outros, de minha especial predilecção. Ultimamente, também não sou grande telespectador, por razões óbvias. Mas hoje é diferente: a RTP 2 tem um programa notável, depois do Jornal 2. Aqui vai para os meus Amigos e visitantes menos avisados:
22,44 hrs. - Entrevista a João Bénard da Costa (1935-2009) - Filme da Minha Vida.
23,03 hrs. - "Johnny Guitar" (1954) de Nicholas Ray (1911-1979).
01,00 hrs. - "Intriga Internacional" (1959) de Alfred Hitchcock (1899-1980).
Tenham uma boa noite televisiva!, como eu vou ter. Se não forem ao "Rock in Rio"...
Obrigada pela lembrança. Faz um ano que fui ver o Johnny Guitar à Cinemateca.
ResponderEliminarBons filmes! Até logo!
Cantar do Amigo Perfeito
ResponderEliminarPassado o mar, passado o mundo, em longes praias,
de areia e ténues vagas, como esta
em que haverá de nossos passos a memória
embora soterrada pela areia nova,
e em que sobre as muralhas quanta sombra
na pedra carcomida guarda que passámos,
em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas esta, ó meu amigo?
Aqui passeámos tanta vez, por entre os corpos
da alheia juventude, impudica ou severa,
esplêndida ou sem graça, à venda ou pronta a dar-se,
ido na brisa o sol às mais sombrias curvas;
e o meu e o teu olhar guiando-se leais,
de nós um para o outro conquistando
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó meu amigo?
Também aqui relembro as ruas tenebrosas,
de vulto em vulto percorridas, lado a lado,
numa nudez sem espírito, confiança
tranquila e áspera, animal e tácita,
já menos que amizade, mas diversa
da suspeição do amor, tão cauta e delicada
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda as recordas, diz, ó meu amigo?
Também aqui, sorrindo em branda mágoa,
desfiámos, sem palavras castamente cruas,
não já sequer os íntimos segredos
que o próprio amor, porque ama, não confessa,
nem a vaidade humana dos sentidos, mas
subtis fraquezas vis, ingénuas e secretas
- em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó amigo?
Partiste e foi contigo a juventude.
Ficou o silêncio adulto, pensativo e pródigo,
e o terror de não ser minha estátua jacente
sobre o túmulo frio onde as cinzas da infância
desmentem - palpitar de traiçoeira fénix! -
que só do amor ou só da terra haja saudade.
Em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
tu sabes que a levaste, ó meu amigo?
Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal'