sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O católico Graham Greene e o Santo Ofício


"...Nos anos 50, fui convocado pelo cardeal Griffin, para a catedral de Westminster, para o ouvir declarar que o meu romance «O Poder e a Glória», publicado dez anos antes, tinha sido condenado pelo Santo Ofício, e que o cardeal Pizzardo exigia alterações que, naturalmente - mas julgo que educadamente -, eu recusei fazer. O cardeal Griffin fez-me ver que teria preferido a condenação de «O Fim da Aventura». «Evidentemente, disse-me ele, nem o senhor nem eu podemos ser afectados por passagens eróticas; mas os jovens!...» Respondi-lhe - e era bem verdade, mesmo que eu tivesse esquecido a influência perniciosa de Sir Lewis Morris - que uma das experiências eróticas mais precoces tinha sido, em mim, provocada pela leitura de David Copperfield. Após o que a entrevista se encerrou abruptamente, e o cardeal, com rapidez fulgurante, me pôs nas mãos um exemplar duma carta pastoral que viria a ser lida nas igrejas da sua diocese e que condenava implicitamente a minha obra. (Infelizmente, só mais tarde pensei em pedir-lhe que a autografasse.) Em sequência, quando o papa Paulo VI me declarou, por sua vez, ter lido "O Poder e a Glória", entre outros dos meus romances, respondi-lhe que neste caso tinha lido um livro condenado pelo Santo Ofício. A sua atitude foi mais liberal que a do cardeal Pizzardo.
«Há em todos os seus livros, disse ele, passagens que ofenderão sempre certos católicos. Mas não há razão para se inquietar.» É um conselho que eu segui sempre à risca. ..."

Graham Greene (1904-1991), in A Sort of Life.

2 comentários:

  1. «nem o senhor nem eu podemos ser afetados por passagens eróticas»... :-)))
    O fim da aventura é um dos livros de que mais gosto.

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  2. Concordo na preferência. O movimento, a ambiência própria (sinal de um grande escritor) que deixa e a ironia, de que por vezes usa, são, para mim, algumas das suas marcas de água.

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