terça-feira, 3 de setembro de 2013

Civilidade (28)


No prefácio "Às Leitoras" e, no recuado ano de 1898, Beatriz Nazareth, logo no início do seu "Manual de Civilidade e Etiqueta", referia: "Tudo muda com o tempo, mas muito mais na apparencia que na realidade, pelas formas mais que pelo fundo..."
O último TLS (nº 5761) informa que, ainda há 60 anos, escritores como Norman Mailer, Henry Miller e James Jones eram alertados para não usar, em obras a publicar, aquilo que, eufemisticamente, era referido como "the F-word" ou "a four letter word" (que não era love, com certeza).
Mas - e digo eu - a partir dos anos 60/70, a cartografia escatológica norte-americana, apesar de todo o puritanismo farisaico de fachada, começou a entrar em força, sobretudo através do cinema, no dia a dia europeu. E até Philip Larkin, um comedido poeta britânico laureado, utilizou a palavra proscrita num poema - para escândalo, ainda, de alguns ingleses serôdios e vitorianos...
Cá, pela terrinha, depois das diatribes desbragadas de Raul Leal, da fulgurância exclamativa de "A Cena de Ódio" de Almada (que não tem só versos para criancinhas...) e do célebre "merda, estou lúcido!" de Pessoa, o consulado salazarista foi reconstruindo a moral. Mas com a Liberdade, alguns ganapos atrevidos, mais para ganhar fama rapidamente, e proveito, por via dos pacóvios saloios, começaram, a torto e a direito, a usar a palavra proibida, até no título dos livros. E até cantores fizeram bom uso financeiro dela... numa forma básica de exibicionismo infantil. 
Perdeu-se o efeito. Hoje, o "F...-.." é perfeitamente banal ou vulgar em livros e apenas televisivamente, talvez para não chocar famílias reunidas, a expressão é substituida por um silvo casto e desagradável, que todos sabemos o que significa.
"Tudo muda com o tempo", dizia, com toda a razão, a excelsa senhora Beatriz Nazareth...

4 comentários:

  1. Há palavras de que não gosto e essa é uma delas. Outras gosto mais e dão jeito (para desabafar) como a do Fernando Pessoa - gostei dessa citação dele, que não conhecia.

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  2. Se admito a expressão numa imprecação explosiva e emotiva extrema, já o seu uso escrito, porque ponderado e pensado, me parece um oportunismo descabelado, pueril, com o se quê de freudiano a disfarçar...

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  3. eu acho que à autores que abusam, da palavra e da descrição do acto que por ausencia de qualidade descritiva, narrativa...me fazem até perder o interesse pelos livros. Não é pudor, como será da vontade de quem me ouve dizer isso acusar. Acho que é mesmo um exagero desnecessário, pelo menos para nós leitores é desnecessário talvez para eles para fazer sucesso seja mesmo muito necessario.

    Eu prefiro autores que me fazem ver coisas que não contam (se é que isto faz sentido...)

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  4. A sugestão, quando literária, é sempre mais difícil do que a descrição grosseira. Continuo a pensar que a utilização abusiva de palavrões, tem objectivos nitidamente financeiros, que colhem, porque há muita gente parva e sedenta de escândalo - que, hoje em dia, já nem é, pelo excessivo uso que estas palavras têm tido. Mas ainda há muitas almas cândidas que ficam de olhos arregalados e vão logo comprar os livros...e os discos.

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