A vida do poeta alemão Gottfried Benn (1876-1956) está envolta em controvérsia, desde o momento em que foi o médico que acompanhou o pelotão de fuzilamento, na Bélgica, da enfermeira inglesa Edith Cavell, em 1915, no decurso da I Grande Guerra, até à sua simpatia e sequente inscrição no partido nazi, em 1933. Mas isso apenas ensombra um pouco a alta qualidade da sua obra literária. Se devemos julgar, ou não, um artista pelos seus actos e tomadas de atitude, como homem, e penalizar a obra, é um outro problema que, aqui, não vem para o caso. Mas não deixa de ser verdade que, quase sempre, a biografia exsuda para a obra, sobretudo, quando poética, pelo menos ao nível dos sentimentos e emoções, ainda que de uma forma transfigurada e posterior.
Sem preocupações excessivas de fidelidade canina ao texto original, dou conta de uma tradução um pouco livre, que fiz, com a preciosa ajuda de HMJ, do poema Verhülle Dich, de Gottfried Benn. Segue:
Apaga-te por trás de máscaras, e da caracterização
teatral, e pisca os olhos para dar ideia que vês mal,
nunca dês a perceber o quanto és céptico
e bem triste, lá no fundo, dessa face rotunda.
Na luz crepuscular dos jardins, ao entardecer,
o céu é ainda uma brasa incandescente e a noite
pode encobrir as tuas lágrimas e a dureza
já não se pode ver na face esmaecida.
Os desencontros, feridas, transições
no mais íntimo onde a destruição te confronta,
disfarça, faz como se as canções distantes
viessem duma gôndola visível e autêntica.
E, porque em todos os homens, há sentimentos semelhantes, ao traduzir este poema de Gottfried Benn, vieram-me à ideia, por aproximação, os versos de Eugénio de Andrade (do livro "As Palavras Interditas") e que começam assim:
Cansado de ser homem o dia inteiro
chego à noite com os olhos rasos de água...
Se não transcrevo, por inteiro, o poema de Eugénio é porque alongaria excessivamente este poste. Mas também por desafio às visitas, para que o procurem e o leiam por inteiro. Estou certo que não darão por perdido, o seu tempo...
Não sei se já tinha lido algum poema de Gottfried Benn. Às vezes é melhor desconhecermos as vidas destes trastes.
ResponderEliminarGostei do poema.
Muito obrigado, MR, pela pequena parte que me cabe..:-)
EliminarE estou consigo na observação justa que fez.
Inteiramente de acordo com MR. Mas, preferia não conhecer a vida, conhecer apenas o poema.... A obra....
ResponderEliminarIndependentemente de eu pensar que uma obra artística deva ser vista autonomamente, estes factos pesam sempre negativamente..:-(
EliminarEm tempos, li um artigo sobre Gottfried Benn e alguns poemas dele.
ResponderEliminarNa verdade, mais um daqueles casos em que é melhor desconhecer a biografia, até porque ela - segundo me parece - não influiu muito na sua poética.
Não creio, realmente, que tenha influenciado.
EliminarO que influenciou, marcadamente, foi a sua profissão de médico.