terça-feira, 8 de julho de 2014

A par e passo 97


Eu não saberia exemplificar melhor do que usando, dos escritos do próprio Leonardo (da Vinci), uma frase em que se pode dizer que cada termo se complicou e purificou até se transformar numa noção fundamental do conhecimento moderno do mundo: O ar, diz ele, está preenchido por linhas infinitas e irradiantes, entrecruzadas e entretecidas sem que, no entanto, nenhuma delas siga o percurso de outra e elas representam para cada objecto a verdadeira FORMA da sua razão (da sua explicação). «L'aria e piena d'infinite linie rette e radiose insieme intersegate e intessute sanza ochupatione luna dellaltra representano aqualunche obieto lauera forma della lor changione» (Man. A, fol. 2). Esta frase parece conter o primeiro germe da teoria das ondulações luminosas, sobretudo se a compararmos e aproximarmos de algumas outras sobre o mesmo assunto. Ela dá a imagem do esqueleto de um sistema de ondas em que todas as linhas seriam as direcções de propagação. Mas eu não dou excessiva importância a este tipo de profecias científicas, sempre suspeitas; há demasiadas pessoas que pensam que os antigos já tinham inventado tudo. Além disso, uma teoria só vale pelos seus desenvolvimentos lógicos e experimentais.

Paul Valéry, in Variété I (pgs. 245/6).

Nota pessoal: para um melhor entendimento deste pequeno extracto de Valéry, importará saber que no capítulo em que está inserido, o Autor aborda a arquitectura, a construção de edifícios e o urbanismo.

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