O mimetismo da pressa com a juventude e a simpatia da velhice pelo vagar, creio serem uma constante, com excepções muito pontuais. Tudo se conjuga, no fundo, com as aptidões e a natureza humana.
Tenho dificuldade em saber, ou até afirmar, no entanto, se o ser humano prefere uma existência banal e pacífica, ou antes deseja o fulgor de uma vida aventurosa e empolgante. É certo - como disse a princípio - que, normalmente, a idade tenta evitar as surpresas ou convive mal com elas, foge das arritmias, valorizando, quase sempre, o silêncio do equilíbrio e a tranquilidade da rotina. Onde poderá instalar, a seu modo e gosto, um pequeno "desmanchar da regra" (A. de A. M. dixit), uma escapadela clandestina, um tropeço, um grito inesperado. Sobretudo, quando somos nós próprios, ainda, a controlar e a consentir.
Será sempre difícil assimilar os sobressaltos, instalarmo-nos nos cataclismos pessoais inesperados, aceitar o súbito, o insólito, o excessivo. Principalmente quando vêm do exterior ou dos outros.
(Em abono do tema e da bibliografia alusiva, leia-se "The Tyger", de William Blake (1757-1827), onde se fala da "fearful simmetry", metaforicamente. E de forma magistral e poética.)
Há pouco estive aqui, mas já não tive oportunidade de comentar. :-)
ResponderEliminarA foto é belíssima. Gostei muito e assenta no texto como uma luva.
Concordo que o vagar esteja mais associado aos mais velhos, mas também depende do que cada um valoriza e da sociedade onde se está inserido. Eu saí de Portugal porque não me identificava com a forma de viver tão acelerada da minha geração. Foi isso que me fez vir para a Holanda - o saber que podia levar uma vida com mais vagar, mais de acordo com o meu próprio ritmo. Esse factor pesou tanto ou mais do que a situação económica em que o país já se encontrava.
No caso das surpresas (e até dos dilemas), que por vezes, a vida nos traz, concordo que a idade tem o seu peso, e, geralmente, se foge delas à medida que envelhecemos, mas há outras variáveis que podem ter igual ou mais peso que a idade (a nossa estrutura de vida, por exemplo). Gosto de pensar que uma conversa/atitude ponderada entre os intervenientes ajuda a identificar o caminho a seguir: se ficar como se está, se mudar, se "o pequeno desmanchar da regra"(achei deliciosa a expressão que não conhecia). O importante, creio, é chegar a um ponto de equilibrio. Boa noite! :-)
Vamos a ver se não me perco, Sandra..:-)
ResponderEliminarA imagem era mesmo o que eu queria, e tive a sorte de a encontrar. O "desmanchar da regra" pertence a um verso grande do meu bom amigo António d'Almeida Mattos, poeta.
Cada um de nós é um mundo e, às vezes, o seu reverso, quando as circunstâncias obrigam, ou a tentação da mudança nos atrai, irresistivelmente. Já gostei de ter 4 ou 5 coisas para fazer e entrar em roda viva. Hoje, não. A vida tem outra riqueza saboreada com vagar. E é só uma que teremos.
Um bom fim-de-semana, com sol, para si!
Boa noite.
P.S.: Se não tiver à mão o poema de Blake, clique "William Blake", aqui no Arpose. Eu traduzi "The Tigger", há uns tempos. E não envergonho da versão.
ResponderEliminarConcordo inteiramente consigo, APS, quando afirma que a vida tem outra riqueza se saboreada com vagar. Foi o que me fez vir para cá - onde o ritmo de vida é mais lento que aí. Os meus amigos, em Portugal, sentem-se depressivos com o ritmo de vida que levam, mas agora com os pais mais velhos e a precisar de mais cuidados e os filhos já na adolescência, sentem que a sua estrutura de vida não lhes permite mudar de país assim tão facilmente...
Vou ver a sua tradução do poema. :-)
Muito bonito o poema e gostei muito da sua tradução. E faz-me bem ler traduções bem feitas, até porque preciso de melhorar o meu inglês - que tenho a noção, é muito singelo.
ResponderEliminarObrigado, Sandra.
ResponderEliminarUm bom domingo, com sol!
Fui espreitar a sua tradução do William Blake e hei-de lá voltar para copiar a tradução do poema( posso?) e colocar aqui no meu livrinho da Assírio e Alvim (de que falam no post) .
ResponderEliminarA sua tradução é muito mais...clara!
Este livrinho com tradução de Jorge Vaz de Carvalho não é lá muito acessível, a quem, como eu, conhece pouco da poesia de WB. É um livrinho bonito, onde cada poema é acompanhado pela pintura - "Canções de inocência e de experiência".
(Em inglês não sou capaz de ler.)
Boa noite!
Claro que pode, Isabel!
ResponderEliminarE obrigado!...
As gravuras que aparecem no seu livro devem as do próprio Blake, que era um exímio e visionário gravador, além de enorme Poeta.
E desconfie da aparente simplicidade dos versos de W. B., é um conselho..:-)
Há sempre mais que uma leitura na grande Poesia, mesmo que aparente ser linear ou simples.
Boa noite!
Obrigada. Vou copiar.
EliminarDigo mais clara,mas sei que não é nada simples a poesia de W.B., no entanto a tradução do livrinho, dificulta muito mais a compreensão do que já não é fácil.
As imagens são do W.B. sim.
Boa tarde!