Eugénio de Andrade escreveu um dia: "Não se escolhe, é-se escolhido". Mas há também encontros que nos orientam caminhos, bem como opções que não permitem senão uma escolha, em nome da solidariedade humana. Ou do dever, seja ele familiar, ou não. Que nos fazem inflectir, ou voltar atrás.
Provavelmente, eu nunca teria feito o trabalho de Seminário para a tese, na Faculdade, sobre John Updike (1932-2009), se não tivesse conhecido o Ben. Não me lembro como é que ele chegou àquela improvável República lisboeta, ou Lar, onde os saberes se misturavam numa Babel única e cristã: futuros engenheiros, historiadores, médicos, professores, advogados... E onde as paredes se juncavam de gravuras escuras de José de Guimarães, ainda com traços muito visíveis e influenciados por Rouault. Mas nesses anos 60, havia, apesar do dinheiro não ser muito, imensa alegria juvenil.
O Ben vinha de uma longa, em tempo, e extensa em geografia, viagem europeia, à boleia. Com pertences sucintos que se acomodavam numa mochila de campismo: livros, umas sandálias ortopédicas, de madeira, 2 ou 3 mudas de roupa, e pouco mais. Vinha cansado e ficou aboletado no Lar por quase um ano. Entretanto, aprendeu a falar português. Aquário e alto, escocês, com cerca de 25 anos, era filho segundo de uma família de agricultores, gostava do ar livre e do sol, de música, e parava muito pouco em casa. Era frugal no comer. Pagava a mensalidade da mesada que o pai e o irmão mais velho lhe destinavam da exploração da Quinta que trabalhavam, na Escócia.
Além disso, o Ben conseguiu criar uma banda de rock, com o António M. e um terceiro elemento, que teve algum sucesso efémero, chegando a ganhar um prémio num concurso do Parque Mayer. Depois, ia tocar a pequenas festas, ou discotecas, e assim arredondava o seu orçamento mensal. Foi-se criando uma boa amizade entre nós. Em Fevereiro de 1967, o Ben recebeu um telegrama da Escócia, em que o velho pai lhe comunicava que o irmão mais velho se tinha suicidado. E que precisava dele, para o amanho da Quinta. Respondeu prontamente à chamada.
À despedida, deixou-me dois livros de Henry Miller e umas sandálias de madeira, ortopédicas, que ainda usei uns bons dez anos. E também herdei "The Same Door", de John Updike, que li sofregamente. O Ben nunca mais deu notícias, embora tivesse prometido escrever...
Tal como o Eugénio de Andrade, também acredito que somos escolhidos, da mesma forma, como alguém já disse, amigos reconhecem-se, não se fazem.
ResponderEliminarDeve ter sido um privilégio conhecer o Ben - pelo que descreve - e tenho a certeza que para ele foi recíproco - digo isto, pela atitude que teve para consigo.
Tenho também a certeza que nunca o esqueceu, apesar de nunca ter escrito. Eu nunca esqueci os meus vizinhos do Areeiro e também fiquei de escrever ( a última vez que escrevi foi há dois anos). Mas depois acontece tanta coisa e à aqueles que são/foram importantes para nós não se escreve às pressas ou de corrida...
Mas a infuência que ele teve na sua vida - no que toca à tese - torna a história ainda mais bonita. Tiveram um encontro breve, mas marcante e transformador. Já valeu, como dizem os nossos irmãos brasileiros.
Bom Domingo! :-)
Há juventudes, como a do Ben, cuja alegria e despreocupação são apenas um fogacho breve, que o real obrigatório da vida entra, quase sempre, inesperado e sem bater à porta...
ResponderEliminarMas também é verdade que para essa juventude portuguesa dos anos 60, a tropa e, muitas vezes, a Guerra (colonial) sequente faziam viver essa alegria de forma mais intensa e desesperada.
O Ben era um homem bom - é o melhor elogio que posso, merecidamente, fazer.
Que o clima, Sandra, lhe dê um domingo temperado!..:-)
:-) O Domingo está fresquinho como se quer. :-) Mas ando muito desiludida comigo própria. ;-) Os meus vizinhos holandeses - profissionais nestas coisas de gerir a agenda (este é o verdadeiro termo à la hollandaise) de acordo com a temperatura - partiram para Saint Tropez no dia em que a humidade subiu. Quem manda ser amadora? E os vizinhos do esquerdo foram para Aruba, semanas antes, quando esteve muito frio e muita chuva. É o que digo....Sou uma amadora...
ResponderEliminarMas voltando ao ponto principal: gostei muito desta sua partilha. :-)
Um Domingo soalheiro por aí! :-)
Parece que os meus votos, quanto ao tempo, são ouvidos..:-))
ResponderEliminarApesar de tudo, eu até gosto bastante de Lisboa, em Agosto: menos trânsito e barulho, menos gente, embora mais turistas. Mas faz-se tudo mais à vontade...
A partilha é, já, um gosto em si, desde que se goste.
E por cá está um domingo de Verão. A ponte estava cheia de carros cm gente rumando à Costa da Caparica.
Há encontros assim: pessoas com quem convivemos muito, que partem e de quem nunca mais sabemos nada.
ResponderEliminarPois eu rumava já também para saborear um crepe de gelado no Pintado. :-)))
ResponderEliminarGeralmente, vou em Setembro, a Portugal, para fugir à confusão, mas gosto muito de Lx em Agosto. Tê-la só para nós é um luxo. Gosto de tirar uns dias só para mim e ir por uma semana - coisas de senhoras - lanchar com as amigas à-vontade, ir para a praia com a afilhada, fotografar com tempo, ajudar quem precisa, visitar alguns cantinhos, estar com a minha madrinha e a minha mãe. Este ano, sei que irei ao Algarve, mas ainda não sei quando vou a Lisboa. Mas quero ir ( já preparada psicologicamente para os desabafos que sei irão surgir - custa-me não poder fazer nada).
Às vezes, MR, o silêncio acaba por ser mais eloquente do que as palavras. è preciso, é entendê-lo.
ResponderEliminarAntecipadamente, os meus votos de boas férias, Sandra!
ResponderEliminarJá não falta muito...
Obrigada. :-) Sim...:-) O tempo passa num instantinho.
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