sábado, 22 de junho de 2013

Reler J. Guimarães Rosa (1908-1967)


"...-Ora, ora a vida do pobre é: beber, briga e repariga... A gente viaja padecendo, pois é, pois. Tiro o menos por você, Surupita: para você tudo não parecia tão diabo e tão bôbo. P'ra você, passar fome e sêde não é nada, você arreséste a tudo que quer. Mas você aprova comigo: só quando se está com mulher é que a gente sente mesmo que está lorde, com todos os perdões... Que é que se está vivendo, mesmo. Afora isso, tudo é poeira e palha, casca miúda. A gente vai indo, caçoando e questionando, agenciando, bazofiando, tendo mêdo, compra isto, vende aquilo... Como que na gente deram corda. Homem não se pertence. Mas, um chegou, viu mulher, acabou-se o pior. Começa tudo, se tem nova coragem..."
(...)
"...De relongo de reouvir e repensar, Soropita extravagava. Sim escorregava, somenos em si - voltava ao quarto com a rapariga inventada: as sobras de um sonho. Mais falavam de Doralda, se festejavam. A rapariguinha estava ali, em ponta de rua, felizinha de prêsa, queria mesmo ser quenga, andorinha revoando dentro de casa, tinha de receber todos os homens, ao que vinha, obrigada a frete, podia rejeitar nenhum... - «Até estou cansadinha, Bem...» E se despendurava de abraço, flauteira, rebeijando. Rapariga pertencida de todos... Ao ver, àquele negro Iládio, goruguto, medonho... Até o almíscar, ardido, dêsse, devia de estar revertendo por ali, não sendo o que aquela menina gastava em si um rio lindo de bom perfume... Ela tãozinha de bonita, simples delicada, branquinha uma princesa - e aceitando o prêto Iládio, membrudo, franchão, possanço... Ah, êsse cautério! - Soropita se confrangia.  ..."

João Guimarães Rosa, in Dão-Lalalão (pgs. 36 e 39).

3 comentários:

  1. Ora, ora...dito assim a vida de pobre parece boa!
    Bom fim-de-semana!

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  2. Não tanto, não tanto!, com o andar do texto, não fora ser alta literatura, seria um profundo dramalhão..:-)

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  3. Um bom domingo, para si, também!

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