Recebi, em tempos, sementes de duas proveniências, de Portugal e da Alemanha. As flores, embora muito diferentes, têm uma coisa em comum, abrem de manhã e vão murchando até morrerem à noite. O que se pode chamar vita brevis, já que não sei o nome das flores. Talvez MR se lembre do nome das sementes que me ofereceu.
As flores da imagem vieram do jardim da minha amiga RJ e enfeitam, agora, a nossa varanda outrabandista.
Para quem se passeia por fora, agora em férias, ou porque imune à crise, ou para poder contar e se ufanar junto dos amigos e inimigos, talvez seja importante anotar algumas regras ou práticas de boa educação, no estrangeiro. Elas constam de "Le Tour du Monde de la politesse", livro de Anne Grignon, que recomenda:
- na Áustria deve guardar-se uma distância de 60 centrímetros em relação ao nosso interlocutor;
- assoar-se em público é impensável no Brasil (duvido, muito sinceramente);
- ficar embriagado depois de um jantar, na China, é sinal de familiaridade para com o seu anfitrião;
- o atraso é norma, na Colômbia (em Portugal, também);
- mostrar-se incomodado com o fumo do cigarro é de mau tom e descortês, em Hong-Kong.
As palavras que irei transcrever têm uma actualidade eterna, pelo menos, no que a Portugal diz respeito. São de Jacome Ratton (1736-1820), do seu livro "Recordações de...", no início do capítulo intitulado Sobre o cumulo de muitos cargos publicos na mesma pessoa. Seguem:
"Alem de ser este hum dos grandes defeitos das administraçõens publicas, tambem notava os gravissimos prejuizos, que a estas se seguem, e ao Estado de se acumularem empregos em hum só homem: e entre muitos exemplos, apontava a pessoa de Diogo Ignacio de Pina Manique, que era, ao mesmo tempo, Dezembargador do Paço, Intendente Geral da Policia, Administrador da Alfandega de Lisboa, e Feitor mór de todas as do Reino, &c. &c. &c. Ninguem deixa de ver a impossibilidade physica, que hum homem, por mais activo, e zeloso que seja, tem para desempenhar tantos, e tão importantes empregos, e até mesmo incompativeis nas horas; e quando o chefe de huma repartição não está, nem pode estar presente, que se pode esperar dos subalternos? ..."
O vento matinal e forte afastou as nuvens e o sol faz estalar, como se crepitassem ao fogo, as ripas das persianas. O céu, limpidamente, não chega a reflectir o azul, que o verde do rio é bem mais firme. Barcos deixam bigodes de espuma branca, ao passar. E, ao longe outrabandista, as fímbrias estreitas de areia, douradas e amarelas, quase retribuem a luz.
Falta aqui o róseo, que já foi da madrugada que passou. Mas vai-se instalando um vermelho rubro que lá vem do alto, pelo sol. Quase não há lugar para o negro ou cinzento, senão no interior das casas.
O jovem norte-americano Samuel Colt (1814-1862), aos 21 anos, teve a brilhante ideia de imaginar um revólver que, em vez de uma ou duas balas, podia disparar 5 ou 6, em sequência. A invenção inovadora fez a sua fortuna e celebridade.
Informa-nos Le Nouvel Observateur que, hoje em dia, há "283 milhões de armas de fogo em livre circulação na América". E acrescenta que "são responsáveis por mais de 80% das mortes". O artigo da revista francesa termina citando um provérbio americano: "Deus criou os homens. O coronel Colt tornou-os iguais."
Aquece os teus pés ao entardecer
Antes de nos deitarmos
Lê o teu livro à luz de Orion
Com Sírius a proteger-te a cabeça
Depois procura e apaga os planetas
Vê-los-emos a desaparecer um a um
Beija-me e diz-me que me amas
À luz do último pôr-do-sol
Ambos acordaremos cedo amanhã
Que um novo universo há-de chegar.
No cofre-forte, que era biblioteca, não se encontrava Bernardim nem Sá de Miranda, mas havia Camões, Torga e Botto, os dois últimos em primeiríssimas edições. E, como jóia da coroa, um pequeno fragmento iluminado do índice do "Leal Conselheiro", manuscrito, muito embora D. Duarte nunca por ali tivesse andado, que ele era mais de Leiria e do Lis, de Belas e da melancolia.
Da ampla sala, por cima dos livros, víamos do Guincho, quase até ao Cabo da Roca, que se adivinhava: todo o horizonte largo era de mar. Bernardim dissera: "Hiasse polas ribeiras...". E, realmente, antes, tinhamos passado pela ribeira de Barcarena, com nevoeiro, a da Laje, por entre chuviscos, a de Caparide, e já se viam embrulhados em neblina os píncaros de Sintra. No regresso, passaríamos ainda pela ribeira das Vinhas, que mal se via da estrada.
Vegetação acachapada e rasteira que ia crescendo, gradualmente, até se ver Lisboa, onde as ribeiras engrossavam o Tejo, para ele se entregar ao mar, no fim de tudo.
Era Eugénio de Andrade que dizia, em versos ainda de extrema juventude:
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos...
Ele que escreveu algumas das mais belas palavras sobre a pintura de Júlio Resende (1917-2012). No próximo mês, completar-se-á o primeiro ano sobre a morte do Pintor, a 21 de Setembro. Mas voltando às palavras de Eugénio, quantas vezes eu passei na estação de 7 Rios ou Jardim Zoológico, do Metropolitano, sem me deter ou, mesmo, ver com alguma atenção os sinais leves, mas luminosos que Resende por lá deixou? Muitas vezes, por certo, ou porque ia com pressa, ou distraído de todo. E, no entanto, eles estavam lá. Os bichos da terra e do ar, na simplicidade do traço do Pintor portuense.
Aqui me penitencio, reproduzindo, em imagem, alguns dos estudos de Resende para o local. Quem por lá passar, ainda em férias, que pare, para ver, pois dará o tempo por bem empregue.
O folheto, em imagem, foi impresso em papel de paupérrima qualidade, talvez para poder ser vendido a preço baixo. Capa e contracapa, de cor tijolo-claro, são quase transparentes e de espessura muito fina. Esta 10ª edição terá sido editada no primeiro quartel do século XX. Impressa no Porto, vendia-se também em Lisboa, na Rua do Duque, 10. Seria barata para alcançar um grande público.
Terá sido um sucesso, ou best-seller, na época, pelas edições que teve. Sintético nas palavras, limitava-se a indicar à esquerda o tema do sonho e, à direita, o seu significado de futuro. Destinava-se, com certeza, a um público pouco habituado a filosofias. E o folheto não teria, em linha de conta, certamente, as teorias de Freud. Mas deve ter alimentado muitas expectativas... e sonhos.
Há uma coisa de que estou seguro: é que Seguro nunca será PM de Portugal. O PS teve um erro de casting, acontece - mas parece-me imperdoável. É certo que, às escâncaras, ninguém o contesta, mas os militantes devem arrepelar-se, em privado, a cada nova declaração do secretário-geral. Devem suspirar, ardentemente, por ter costa à vista. Qualquer coisa de mais consistente, mais sólido. E menos gelatinoso.
Ao princípio era o Omega, que a minha Mãe usava, mas que fora do meu Pai. Esse relógio mítico desapareceu aquando da sua morte, era redondo e antigo, e nunca mais o vi.
Mas o meu primeiríssimo relógio era rectangular, pequeno, da marca Solvil (suiço) e ofereceram-mo, pelo exame da 4ª classe, tinha eu 9 anos. Era no tempo em que só se tinha um relógio e, quase todos os dias, tínhamos que lhe dar corda, para que não parasse. A esse ainda teve que se lhe substituir o vidro do mostrador, umas 2 ou 3 vezes, que as quedas das tropelias infantis não perdoam...
Aos 14 veio o Cauny Prima, de boa memória, na imagem. Quando fiz 34 anos, ofereceram-me o Longines que nem sempre se portou bem, em rigor e pontualidade, embora tivesse sido bem caro. E, pela primeira vez na vida, eu era detentor de 2 relógios, em perfeito funcionamento - coisa fina!, para quem fora habituado a só ter um e a uso.
Era também no tempo em que começaram a aparecer os Swatch, que se mudavam como quem muda de casaco, de acordo com as circunstâncias... No final do séc. XX, veio de presente o Junghans (alemão) que ainda hoje uso e tenho, no pulso. Impecável quanto a exactidão, redondo, também, e discreto. Há ainda um Tissot que não aparece na fotografia, um pouco pesado, comprado barato num Flohmarkt de Colónia, por 125,00 euros, em segunda mão. Funciona bem.
O Casio-Quartz, na imagem, é chinês de origem, e foi um caso de emergência. É que eu não consigo andar sem relógio de pulso e, um dia, em Lisboa, reparei que me tinha esquecido do Junghans, em casa. E lá entrei num desses bazares chineses onde, por tuta e meia, o adquiri. Pelo preço que dei, até trabalha bem.
Na imagem que encima este poste, pode ver-se o relógio de bolso que foi do meu Avô. Mas esse, coitado, já deixou de trabalhar há muito, e não tem conserto. Além de ter um dos ponteiros à dependura. Mas acho-o bonito e, por isso, o conservo. A marca dá pelo nome de Remontoir Cylindre e, ao que tudo indica, poderá ser de origem francesa. Ou então do cantão francês da Suiça.
Só recentemente fiquei a saber que a expressão "Made in Germany" remonta ao ano de 1887, mais precisamente à publicação de uma lei inglesa. Com a "Merchandise Act", os produtores britânicos pretendiam acabar com os produtos contrafeitos, de origem alemã e de má qualidade, que invadiam o mercado inglês. Na altura, a Inglaterra tinha uma indústria muito desenvolvida e impunha-se pelo seu elevado nível de qualidade, enquanto a alemã, em comparação, se encontrava num patamar de subdesenvolvimento. O artigo publicado, hoje, no jornal Der Spiegel, a quem devo o esclarecimento, adianta também que os industriais alemães enviavam, com frequência, "espiões" em "viagem de estudo" para a Inglaterra a fim de copiarem os processos de produção de uma forma atrevida.
O que não se esperava, aconteceu. A imposição da identificação dos produtos alemães com a marca "Made in Germany" levou a uma viragem inesperada. O que dantes era sinónimo de "cópias" baratas passou, em pouco tempo, a representar produtos de qualidade.
De facto, em pequena, achava estranho uma marcação, em língua estrangeira, de produtos que faziam parte do meu universo, como mostra a foto acima, e dos quais não resisto a aduzir algumas imagens e observações.
Aqui está a marca "Steiff" dos meus bonecos de peluche de que, infelizmente, só restam 3 ou 4.
Aprendi a escrever com lápis e, na 4ª classe, passei a ter uma caneta de tinta permanente Pelikan, que ainda hoje tenho. O professor, com razão para mim, não autorizava o uso da esferográfica, porque "torna a letra feia", dizia ele. O meu material de escrita preferido continua a ser o lápis e prefiro os moles (HB ou B) aos duros (H) e não resisto a comprá-los em quantidade para não se esgotar o "stock" em casa.
Os vestidos das netas surgiram das mãos habilidosas da avó, usando uma máquina de costura "Pfaff". Mais tarde, na escola, também aprendi a costurar com a mesma marca de máquinas, ainda com pedal, como se usava na altura.
Por fim, não podia deixar de reproduzir a imagem que, em qualquer casa da aldeia, enfeitava o quarto de banho ou o toucador.
Post de HMJ, dedicado a H.N. que tem enriquecido a minha colecção de canetas de tinta permanente
Não sendo propriamento o método sucessório da Coreia do Norte ou da Síria, causa no entanto alguma estranheza que, num partido da esquerda portuguesa, o seu representante maior, ainda em exercício, designe ou sugira os seus substitutos futuros, e a sua entronização. Ainda para mais, numa escolha colegial: um homem e uma mulher. Não acredito na durabilidade de chefias bicéfalas e, muito menos, politicamente, em poderes colegiais. Ou se comem uns aos outros, ou um deles predomina inequivocamente, ou esse poder implode, mais tarde ou mais cedo.
Lembremo-nos de Roma e do seu triunvirato, recordemo-nos da ex-Jugoslávia que, territorialmente unida, poucos anos sobreviveu à morte do seu fundador, Tito. A sucessão rotativa e colegial, que lhe sucedeu, acabou por pulverizar o poder e acentuar as forças regionais. Com os resultados que sabemos, hoje. Mas também em relação à paródia, em grupos de cómicos, há sempre um que predomina. Nos Monty Python, o papa era John Cleese; nos Gato Fedorento, Ricardo Araújo Pereira é preponderante. Os restantes são figurantes, ou meros peões de brega.
É, por isso, que a solução bicéfala, proposta pelo Superior-Mor do tal partido da esquerda portuguesa, para mim, não colhe, nem se recomenda. A concretizar-se, vai apenas prolongar, por algum tempo, a implosão do poder no interior desse partido. Ou mesmo a sua morte pré-anunciada.
Se a expressão popular encanar a perna à rã, de que gosto particularmente, tem para mim o significado preciso de "ganhar tempo ou demorar", sobre a frase idiomática estar acanaveado só poderia tentar imaginar-lhe o sentido. De comum às duas, o étimo cana e, por isso, desta última pensava eu que se referia a alguém debilitado que se apoiasse a um pau, uma cana, um cajado ou bengala, para caminhar com mais segurança.
Estava enganado. Efectivamente, segundo nos diz Alexandre de Carvalho Costa, no seu "Portugal - Sua linguagem - Seus costumes" (Portalegre, 1982) - já aqui referido na rubrica - a expressão estar acanaveado provém do "martírio que os missionários cristãos sofriam no Japão onde lhes introduziam rachas de canas pelo sabugo das unhas". O que confere com Houaiss que regista, no seu dicionário: "ferir, torturar, enfiando lascas de cana sob as unhas". O que ele não refere é que esta tortura fosse japonesa.
A expressão, no entanto, gradualmente foi ganhando espaço e mais amplos contornos, em dois sentidos. Um, físico, significando fraqueza, debilidade e magreza; o outro, de natureza económica, correspondendo a: falta de recursos. Assim vão crescendo as palavras, com o tempo...
Não conheço muitos testemunhos de escritores espanhóis sobre o nosso país e sobre os portugueses. Um dos mais polémicos, pertence a Unamuno que considerava Portugal um país de suicidas. Na sua época, teria algumas razões para o afirmar: Antero, Camilo, Laranjeira, Soares dos Reis corroboravam a sua opinião...
Outro testemunho, que conheço, é mais antigo. Do historiador e jesuíta Padre Juan de Mariana (1536-1624) que, na sua Historia General de España (1592), capítulo XIII, se refere assim a Portugal e aos portugueses:
"...O terreno na sua maior parte é estéril e delgado, tanto, que habitualmente se sustentam do que trazem do mar. A gente é muito ciosa de honra e muito valente entre todas as de Espanha, marcada pela temperança no comer e no vestir, dada à piedade e aos estudos de sabedoria, de grande humanidade e cortesia. ..."
Não saíamos mal no retrato, no século XVI, ao que parece.
O que se vê na imagem dá pelo nome de Hefezopf [i.e., um entraçando de fermento de padeiro] e corresponde a um pão enriquecido, com ovos, açúcar, sultanas ou coríntios, amêndoa, cuja base é uma massa feita com fermento de padeiro.
Corresponde, mais ou menos, ao folar da Páscoa que, em tempos, apreciei na Bairrada sem sultanas ou amêndoas.
Ora, na minha infância, o "pão enriquecido" [ou Platz, em Colónia] comprava-se ao Sábado, acompanhando, portanto, a ementa melhorada do fim-de-semana. Comia-se, sobretudo, ao pequeno almoço com compotas, mas também combina bem com umas fatias finas de queijo flamengo, ao jantar.
Para quem ainda não jantou, tenho pena, mas não posso fornecer o dito pão "à distância".
Post de HMJ, dedicado aos amigos à espera do jantar
Em Montpellier, no Museu Fabre, mas também em Toulouse, decorrem exposições com o título de "Corps et Ombres" (Corpos e Sombras), até 14 de Outubro de 2012. Iniciado por Leonardo da Vinci, o "chiaroscuro" atingiu o seu desenvolvimento pleno na obra de Michelangelo Morisi da Caravaggio (1571-1610), tendo Georges de La Tour e Rembrandt como continuadores mais importantes. São estes pintores, os mais representados nas exposições referidas.
Diz o povo que "mais vale cair em graça do que ser engraçado", e Caravaggio nunca me caíu muito em graça, não impedindo esse facto de eu o considerar um dos grandes da pintura europeia de sempre. A sua vida sempre "à margem", a morte misteriosa, identificarem-no como "pintor e assassino" e a sua genialidade, no conjunto, contribuíram para a lenda e atracção que provoca. De algum modo, como Villon, Verlaine, Rimbaud, noutro patamar da Arte - a Poesia. Ser "artista maldito" tem algumas compensações...
Dito isto, o "chiaroscuro" que preside às exposições faladas acima. E reforçando a exemplaridade dele, na obra de Caravaggio, vale a pena citar um biógrafo (que não consegui identificar) que refere: "Levou tão longe o seu método de trabalho que não punha nunca ao ar livre e ao sol nenhum dos seus modelos, mas encontrava maneira de os colocar na penumbra dum quarto fechado somente iluminado por uma luz que descia do tecto incidindo sobre a parte principal do corpo e que deixava o restante espaço na sombra, de maneira que a violência do chiaroscuro reforçasse o conjunto". Como se pode comprovar, aliás, no quadro em imagem, intitulado "Mulher lendo a sina".
para MR e JAD, aficionados da obra de Caravaggio. E também para Margarida Elias, por óbvias razões.
Iniciamos e completamos, hoje, mais 6 regionalismos minhotos começados por N, escolhidos da obra que temos vindo a seguir. Em imagem, uma inscrição em pedra, gravada na Colegiada da Oliveira (Guimarães), com referências a D. João IV, em fotografia de H. N., a quem mais uma vez agradeço.
Naça - bebedeira.
Nênho - acanhado, vagaroso.
Nicar - fazer trabalho que nunca se vê, por ser feito vagarosamente.
Na introdução a "El-rei Junot", Raul Brandão (1867-1930) faz-se eco de um caso que lhe foi relatado sobre o Marquês de Pombal que, pelo seu pitoresco, aqui passo a transcrever:
"Conta-me o senhor marquês da Foz: - Um dia, quando se vendeu a mobília do palácio de Oeiras, dos Pombais, pediram-me para ceder uma casa que tinha com escritos na Rua do Ferragial, para se fazer leilão. Acedi e antes do leilão fui lá e agradaram-me diferentes objectos que comprei por 8 contos. Entre eles estavam cinco grandes vasos da China, cinco maravilhas, como nunca vi. Ao centro tinham as armas dos Pombais e eram precisas duas pessoas para os erguerem. Quatro coloquei-os à entrada da minha casa e o quinto na sala de jantar, defronte de uma estufa. Um dia estava à mesa quando por acaso reparei que o verniz do vaso estalara com o calor. Levantei-me, fui vê-lo: sob a casca aparecia outro desenho. Com a ponta de uma faca levantei o craquelé - e debaixo das armas de Pombal apareceram as armas dos Távoras! Tão certo é que até os grandes homens estão sujeitos a estas misérias!"
Em Dezembro de 2009, dediquei algum do meu tempo livre à tradução de 3 poemas de W. H. Auden (1907-1993). Aquele que me deu mais trabalho e preocupação foi, sem a menor dúvida, "Funeral Blues", de 1936, que inicialmente, integrado em "Twelve Songs", se intitulava "Song IX". Em 1975, Auden mudou-lhe o título para: "Tell me the truth about love". Seja como for, considero o poema como uma das mais belas elegias do séc. XX.
Dois dos poemas, que traduzi, vieram a ser incluídos no blogue amigo Prosimetron, em 1 de Janeiro de 2010 ("A. S.: Escolhas Pessoais XII"). "Funeral Blues" é, provavelmente, o mais conhecido poema de W. H. Auden, graças à sua inclusão e leitura no filme "Quatro Casamentos e um Funeral" (1994), muito embora eu não goste, particularmente, da forma como ele é dito na película. Mas acredito, também, que não será fácil dizê-lo, com autenticidade e perfeição.
Penso que chegou a altura de o re-publicar aqui no Arpose, até para que fique a constar do arquivo do Blogue. A revisão a que procedi, aconselhou-me a alterar, apenas, algumas palavras, na tradução. Segue o poema traduzido e um vídeo alusivo, da BBC 4.
Funeral Blues
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem que o cão ladre, com um osso saboroso,
Silenciem os pianos e ao som cavo de tambores
Tragam o caixão, deixem entrar quem vier de luto.
Que os aviões possam gemer sobre as nossas cabeças
Escrevendo no céu a mensagem Ele Está Morto.
Ponham crepes, tarjas negras no pescoço branco dos pombos
Da rua, que os sinaleiros usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A semana de trabalho e o descanso de domingo,
O meio-dia, a meia-noite, a minha fala e canção;
Eu pensava que o amor era eterno, mas estava enganado,
Agora as estrelas são inúteis: apaguem-nas todas;
Embrulhem a lua, desmantelem o sol;
Despejem o oceano e desfaçam-se da floresta
Porque nada do que vier servirá de consolo.
Há muito que não via/ouvia o telejornal das vinte. Mas também não perdi muito, afora as imagens das marés vivas (ou águas vivas, para respeitar um especialista fardado, que assim as denominou) que vieram, intensas.
São 20h44, e as luzes públicas e autárquicas iluminaram o triângulo das quatro árvores, em frente, obedientes à luz, que desapareceu de todo. Mais escuros parecem ficar os 9 limões toscos e selvagens, na varanda a leste. Na do sul, 6 mais pequenos, da segunda floração, em Junho, muito femininos e redondos, lá vão crescendo, lentamente - darei conta deles, mais tarde.
Por uma curiosa coincidência emparceiraram, recentemente, "A Paixão de Maria do Céu", de Carlos Malheiro Dias, na mesinha de cabeceira, e "Guerra das Laranjas - 1801", de António Ventura, na secretária de trabalho. Ambos os livros têm como cenário o dealbar do séc. XIX. E, como não há duas sem três, já planeei a leitura (releitura?) de "El-rei Junot", de Raul Brandão. Trindade santíssima que me imunizará contra qualquer paulo coelho best-seller que se me atravesse no horizonte, para pura perda de tempo, que já me vai sendo escasso.
A inferioridade do espírito mede-se pela grandeza aparente dos objectos e circunstâncias de que tem necessidade para se emocionar. E sobretudo pela enormidade das mentiras e de ficções de que precisa para não ver a humildade dos seus meios e dos seus desejos.
...
O despertar dá aos sonhos uma reputação que eles não merecem.
...
A criança e o distraído tocam, mexem naquilo que está à mão, - fechaduras, torneiras; abrem os armários, etc.
Os dentes comem os lábios, - o bigode - as unhas. O pensador arranha a testa.
Quando a alma está ausente, as partes do corpo não se reconhecem mais como partes do mesmo. São bestas que magoam; que actuam cegamente, à menor excitação, sobre a única coisa que sabem fazer.
O Mesmo não existe senão por momentos.
O sério perde-se no sensível ou no vago.
As crianças preferem brincar entre elas, porque entre elas, o sério acontece, elas estão de pedra e cal no sério.
São uma sub-espécie filatélica, as vinhetas, que os ingleses muito apreciam e que incluem na categoria de "ephemera". As vinhetas servem, normalmente, para propagandear acontecimentos, difundir ideologia política e religião, celebrar festividades, apoiar o turismo. Colavam-se na correspondência para correr mundo e dar notícia. Muitas vezes eram distribuidas gratuitamente e, quando pagas, serviam para suportar o custo de actividades de carácter social, ou festividades regionais.
As vinhetas espanholas, que se mostram em imagem, são maioritariamente do período da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e, por isso, têm uma forte carga ideológica e política. Sejam elas dos "rojos" ou dos "franquistas". Mas algumas delas têm também beleza gráfica e um traço estético apreciavelmente bonito.
"Ao ponto a que chegamos, tenho de confessar que, quando me acontece encontrar uma fé total, liberta da menor dúvida, me surpreendo mais do que em relação à incredulidade."
Bento XVI, em conversa com o historiador Vittorio Messori.
A propósito de vários ataques mortais ocorridos na ilha francesa da Reunião, o último Le Nouvel Observateur (16/8/12) dá conta de que, todos os anos, morrem cerca de 100 pessoas, atacadas por medusas (alforrecas). Enquanto os tubarões são responsáveis por 10 mortes, anualmente. Porém, os elefantes matam cerca de 600 seres humanos. Piores ainda são as serpentes: responsáveis, só por si, pela morte de 100.000 pessoas, todos os anos, por este mundo fora.
Uma crise inesperada acendeu-se, recentemente, entre o Malawi e a Tanzânia, por causa do Lago Niassa. O Malawi autorizou, em soberania plena e como seu único possuidor, a prospecção petrolífera e de gás, nas águas do grande lago. A Tanzânia reinvidicou, de imediato, metade do lago, como pertença territorial, ameaçando "proteger as suas fronteiras a qualquer preço". Creio que Moçambique, embora nação pacífica, também deveria ter uma palavra a dizer...
Entretanto, o Malawi ripostou baseando os seus "direitos" num tratado de 1890, celebrado entre o Império Alemão e o Império Britânico. E o caso está para durar. Oxalá se resolva por vias diplomáticas.
É curioso (penso eu) que, no caso de Cabinda, não se tenha tido em conta um tratado muito mais antigo, do séc. XVI (1509?), ractificado entre D. Manuel I e o rei do Congo (D. Afonso I?), que assegura a independência, embora com vassalagem a Portugal, da região de Cabinda. Mas também sei que o sr. Eduardo dos Santos não é versado em Direito. Julgo que é licenciado em Economia, por uma qualquer universidade da ex-RDA... E bonda!...
É uma obra indispensável, e fiável, para quem queira conhecer palavras portuguesas antigas na sua origem, ou vocábulos caídos em desuso, no tempo. Elaborada pelo franciscano Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo (1744-1822), este "Elucidário das Palavras, Termos..." teve a sua 1ª edição, em 1798, composta por 2 volumes. Os meus exemplares são da segunda edição, de 1865 (e não de 1365, evidentemente, como por lapso aparece nos frontispícios).
Embora com as encadernações muito puídas pelos anos, e esfaceladas, o interior dos livros encontra-se em bom estado de conservação. Custaram-me, em finais dos anos 70 do século passado, Esc. 3.800$00, ou seja, cerca de 19,00 euros, na moeda actual. Não sendo muito raras, as 2 edições têm muita procura. Existe uma reedição da obra, mais recente, da Livraria Civilização Editora - creio.
Ontem, à noite, tivemos companhia inesperada ao serão. Não fosse sacrilégio zoológico e linguístico, chamar-lhe-ia "trompeteiro" (palavra que não vem registada em dicionários), que era o nome que eu dava na infância a estes insectos pequenos e voadores que pairavam no ar ou "surfavam" sobre as águas, no Verão. Admito que fosse da família dos trombeteiros, ou dos alfaites - nomes, esses sim, reconhecidos. Ou parente longínquo das libélulas, que são muito maiores.
O pequeno insecto acompanhou-nos umas boas duas horas, inspeccionando tudo à volta. Pequeno, mas lindíssimo, de corpo alaranjado (tijolo-claro), em constante curvatura de dorso, quando pousava. HMJ conseguiu fotografá-lo e aqui vai no lado direito, superior, da imagem, sobre o computador. Foi a recordação possível que nos ficou, do simpático visitante nocturno.
A Anália e o Artur, com pena grossa e letra cheia escura, dataram este postal de 1 de Novembro de 1926, instaladas as primícias do Estado que viria a ser Novo. E usaram-no para felicitar a Avó, pelo seu aniversário natalício, desejando "que ainda conte muitos para a vermos muito velhinha" - esta candura parece-me deliciosa...
A imagem cria-nos desencontradas expectativas e permite-nos múltiplas especulações, embora seja lícito concluir que os avós do casal de crianças deviam gostar de ler. Será que os idosos estariam a ler um romance policial, sobretudo pela concentração que mostram? Ou estariam a ver o boletim das notas escolares dos netinhos? Pelo menos, as crianças parecem tranquilas.
Há, por vezes, coincidências curiosas. Sobre um "post" no ARPOSE em que se falava da cidade de Bingen, na Alemanha, lembrava MR a freira Hildegarda de Bingen (1098-1179).
E hoje recebi, da Akademische Druck und Verlagsanstalt, de Graz na Áustria, um folheto a publicitar a edição, em fac-símile, do Liber Scivia [i.e. Liber sci vias Domini] de Hildegarda de Bingen.
Feliz coincidência, porque o folheto reproduz, para além da imagem em cima, uma das miniaturas do códice que se segue:
Dizia o Abade de Jazente, aqui há uns bons 250 anos, que: "...vende as sardinhas o galego feio/ cinco ao vintém; e seis pela calada..." e "A trinta e cinco réis custa a pescada...", no seu singular soneto setecentista. Bem gostaria eu de saber-lhes a correspondência monetária mas, de história económica, nada sei. O que posso dizer é que hoje, no Mercado, a sardinha estava a 5,90 euros (bem merecidos), o quilo, e a pescada, a doze. Anafadas e cheirosas rechinaram as 7 sardinhas no grelhador, pingando pródigas ôlhas de gordura sobre o tabuleiro de baixo. Deu gosto vê-las e comê-las, com boroa. Há anos que não as via assim, nem de longe comparadas com as esquálidas e secas, do ano passado. É das águas, dizem...
Talvez. Porque ontem, era lindo de se ver por causa do calor, às quatro da tarde, a neblina branca de nuvens que acompanhava, e subia, a margem direita do rio. Parecia que se movia, alto, o algodão sobre o Tejo. E as nuvens, à saida da ponte, quase nos envolveram por completo. Nunca eu tinha visto nada assim, na parte da tarde. O mais parecido que observei, foi sobre o Reno, mas de manhãzinha muito cedo, em Bingen.
E destas águas quentes, que vão e vêm, se vai criando a sardinha bem nutrida, para rechinar a preceito, no grelhador, por Agosto.
Suscitado por um comentário surgido no Prosimetron, a propósito do uso "indevido" do vocábulo "bisegre", apetece-me hoje discretear sobre a vida, evolução e, por vezes, morte das palavras. Nem todos saberão, por exemplo, que, no Minho, às nêsperas lisboetas se chama magnório ou magnólio; e que "nêspera", a Norte, é um outro fruto, de Outono/ Inverno, de cor escura, miolo farinhento e também castanho-escuro, e um pouco insonso. Quem terá sido o criador da expressão "cantar à capela"? Quem se terá lembrado da palavra "andante" para nomear o metropolitano portuense? Quem terá autorizado, criativamente, que "pingo" seja, no Sul, denominado "garoto"? Mas é precisamente esta liberdade vocabular, este borbulhar vulcânico e esta criatividade sempre viva que faz a riqueza de uma língua. E escuso-me a falar do enriquecimento enorme que os brasileiros trazem ao nosso idioma comum.
Nos meus tempos de juventude, usava-se "pipi da tabela" para apelidar, depreciativamente, alguém que tentasse, mesmo sem meios ou condição, andar à moda, de forma exibicionista e exuberante. Por outro lado, "pips", definia alguém elitista no trajar, mas de bom gosto, e que vestisse bem. Mas estas expressões acabaram por morrer, no tempo. Hoje, "bètinho" corresponde, de algum modo, ao "pipi da tabela" do meu tempo. A língua procura, sempre, novos vocábulos, actualizados, para caracterizar, tiques e vícios eternos.
Será que "bètinho" vai durar muito tempo? Penso que não. E o que são 30 ou 40 anos na vida de uma língua? Muito pouco, com certeza. E, depois, ainda há os dialectos "de família" que são de um universo geográfico muito mais restrito. E estão muito mais sujeitos a desaparecer. Ou evoluir.
Nem todas as palavras terão a força intrínseca de sobrevivência e as metamorfoses por que vão passando, algumas, permitem-lhes, talvez, a vida "eterna" nesta fervilhante e vulcânica, sempre amada, língua portuguesa.
-Que será a Vida? - perguntou-se ele, quase indiferente e em voz baixa. Mas de repente iluminou-se, e respondeu: - É uma história que se conta a si mesma, através de caracteres que se vão sumindo. E depois desaparece, totalmente, como se nunca tivesse existido.
O escritor neerlandês Cees Nooteboom deu, recentemente, uma entrevista ao jornal DIE ZEIT, falando da literatura e do espaço espiritual que é a Europa.
Dos escritores que o influenciaram, Nooteboom cita Pessoa, para além de Proust, Calvino e Nabokov. Sobre a literatura e a Europa, no momento actual, tece algumas considerações curiosas. Para ele, a Revolução Industrial teve, como contraponto, o Romantismo e a Globalização trouxe o Regionalismo com as pessoas a descobrirem a sua cultura e a sua história. Adianta, ainda, que os europeus não querem viver sem o euro e que se vão habituando a Bruxelas (i.e. a CE) assim como os americanos ao Washington D.C. Com efeito, tanto os americanos dizem mal de Washington como nós o fazemos relativamente a Bruxelas, porque vociferar faz parte da natureza humana.
Oxalá que o seu pensar sobre o Regionalismo pacífico e cultural consiga vencer.
Cees Nooteboom tem, na base de dados da BNP, quatro títulos da sua obra publicada em Português.
Todos os meus mortos estavam de pé, em círculo,
eu no centro.
Nenhum tinha rosto. Eram reconhecíveis
pela expressão corporal e pelo que diziam
no silêncio de suas roupas além da moda
e de tecidos; roupas não anunciadas
nem vendidas.
Nenhum tinha rosto. O que diziam
escusava resposta,
ficava parado, suspenso no salão, objecto
denso, tranquilo.
Notei um vazio na roda.
Lentamente fui ocupá-lo.
Surgiram todos os rostos, iluminados.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), in A Falta que Ama.
O "post" de MR, no PROSIMETRON, sobre os trabalhos domésticos trouxe à memória uma lenda, a dos Anõezinho de Colónia [= Heinzelmännchen]. Eles vinham pela calada de noite e acabavam os trabalhos domésticos e de vários ofícios que, durante o dia, tinham ficado inacabados. Enquanto os artífices dormiam, os anõezinhos trabalhavam e, naquele tempo, Colónia era uma cidade feliz (!).
Se não fosse a megera da mulher do alfaiate ainda hoje os habitantes de Colónia podiam descansar, duplamente. Sucede que a criatura não sossegou enquanto não viu, pela calada da noite, os anõezinhos. Deitou ervilhas na escada para os observar a descer, escondendo-se num vão.
Pela manhã, os anõezinhos saíram da oficina do alfaiate e, claro, escorregaram pela escada. E, claro, nunca mais voltaram, obrigando os habitantes de Colónia a trabalhar mais e descansar menos. Daí, a fonte num lugar central de Colónia dedicada aos Heinzelmännchen:
Ainda hoje, e perante tarefas domésticas chatas, lembro-me sempre dos "meus Heinzelmännchen", desejando o seu regresso e "a comodidade que antigamente havia em Colónia".
É relativamente recente (2009) a minha descoberta do pintor belga Eugène Laermans (1864-1940) de que vi os primeiros quadros no Museu das Belas-Artes, de Antuérpia. O seu quadro "O Cego" (em imagem), de 1898, ficou-me, desde logo, na memória. Surdo e quase mudo, por complicações motivadas por uma meningite e pela febre tifóide, na infância, a vida de Laermans foi marcada por adversidades várias. Em 1927, ficou cego, mas três anos antes já tinha deixado de pintar. Razões que talvez expliquem o dramatismo e solidão que ressumam de muitas das suas telas, onde o "plat pays", de que falava Brel, se desenvolve em longos planos de horizonte e onde os mais desfavorecidos, sejam eles os pobres, as viúvas, os emigrantes e os operários têm, quase sempre, lugar cativo. Num realismo impressivo e tenso.
Da homonímia não se livra, resta saber se tem os poderes mágicos para travar o que alguma imprensa, hoje, anuncia, a saber, o "apertar do cerco" à fraude fiscal.
Tendo acompanhado o que, nesta matéria, se passa na Alemanha, não aconselho que o nosso mago siga o caminho do Ministro Schäuble, negociando um contrato com a Confederação Helvética (CH), porque parece conceder um perdão parcial aos infractores.
O caminho, até agora mais contestado, foi o de diversos Estados Federados, nomeadamente do Norte da Vestefália, na compra de uns suportes electrónicos (vulgo cd's) com dados dos infractores.
A última aquisição de um cd-rom, provocando as ameaças da Suiça na concretização de um acordo global com o Ministro das Finanças alemão, não apenas parece ter revelado algumas habilidades na transferência de capitais para praças da Ásia, como já provocou a "auto-denúncia", em número considerável, de infractores, na esperança de uma eventual anulação de um processo crime.
Ao que parece, os infractores não se livram nem de um perdão dos impostos a pagar, nem de um processo crime.
Ainda bem, porque outro qualquer fugitivo se sujeita a um procedimento judicial.
Por cá, ainda andamos a onerar o contribuinte e comprador com distinções falaciosas entre recibos e facturas. Alguma vez, um viajante, ministro ou comentador televisivo, pediu uma factura de um café que bebeu por esta Europa fora ? E os recibos que nos dão, diariamente, para que servem ?
Sugere-se, portanto, nestas como noutras questões, que o Estado se concentre no essencial e não gaste as suas energias em pormenores ridículos.
Nos últimos tempos em França, pelo menos, um grupo ultra-sionista, LDJ (Ligue de Defense Juive), tem-se desmultiplicado em pequenas acções agressivas contra israelitas (pacifistas), árabes e instituições que eles acham contrárias à existência de Israel. No seu próprio país, os judeus ultra-ortodoxos também têm mostrado o seu fanatismo irracional. O facto de o governo ter revogado a lei, com mais de 40 anos, que os isentava de cumprir o serviço militar, serviu de pretexto. Querem ter "sol na eira e chuva no nabal": serem considerados os "super-escolhidos", por um lado, e, por outro, libertarem-se das obrigações de cidadania judaica, para se dedicarem e poderem "estudar" os seus livros sagrados - suprema ironia!...
Mudemos de rumo.
Sempre pensei que as condições geográficas pré-definem e assemelham os pontos de vista de povos vizinhos; e fazem próximas as características e, até parecidas, as manifestações artísticas e culturais. Ainda hoje considero, por exemplo, a poesia espanhola muito mais próxima da portuguesa, do que a lusa da poesia brasileira, sendo que estas têm uma língua comum. Excluiria desta afirmação o caso e a obra de Cecília Meireles, que classificaria como a mais portuguesa dos poetas brasileiros. Mas a vizinhança, geográfica, favorece quase sempre a semelhança.
Finalizemos.
É por isso que, muitas vezes, penso que os fanatismos judaicos e os extremismos árabes não são assim tão diferentes quanto isso. A geografia de vizinhança irmana-os num mesmo irracionalismo anquilosado e arcaico. A mesma menorização da Mulher, os rituais operáticos, a forma de querer impor as suas causas, não pelo diálogo e pelo pensamento, mas por actos agressivos, violentos e pelo sangue, tornam-nos na imagem aberrante da mesma moeda, com duas faces.