LXI
Cólera Ultrapassada
No meio de um monólogo terrível, interno, toda a justiça pessoal se levanta, o olho fixo, a cólera e o despeito por tudo, à vista da vingança sobre si mesmo (que é como imolar o mundo inteiro), - através destas respostas assustadoras, destas ordens de tirano, destas palavras de juiz culpado, destas imagens excessivas - um súbito despertar acontece, que surpreende a cegueira mecânica, que escuta estas enormidades horríficas, estes clamores e estes dramas, e que faz troça e assobia ao furor, - e que remete para... a natureza, para as bestas, para as tempestades...
Há portanto uma espécie de movimento súbito para sair de este eu que acaba de ser, e para um eu capaz do meu interior apaixonado, - que vê o que viu, e julga o que julgou.
Este movimento criado no ser e que já não o possui mais, pelos choques, as surpresas, os flagrantes delitos da estupidez por que se toma, pelo eco da sua voz, - este movimento criador duma consciência mais elevada, é no entanto em si mesmo um reflexo.
Paul Valéry, in Tel Quel II (pg. 203).
Nota pessoal: apesar de a pontuação muito própria de Valéry, por vezes, criar algumas perplexidades no leitor (e eu tenho-a mantido, escrupulosamente), este texto sobre as nossas tempestades interiores, e sequentes bonanças, parece-me de uma agudeza de pensamento dificilmente ultrapassável.
Sem comentários:
Enviar um comentário