domingo, 11 de agosto de 2013

Bibliofilia 85 : Garrett (com algumas transmigrações espúrias)


Abriu-se o Sogrape tinto de 1983, de que aqui dei imagem e notícia, há dias, nas "Mercearias Finas 76" (2/8/13). Um pouco a contra-natura, pela canícula. Mas estava excelente, este vinho do Dão com trinta anos, que se bateu lealmente com uma tábua de queijos, à altura: Azeitão, branco e finíssimo, um Emental de olheiras pronunciadas e um Serra, fidalgo austero.
Na varanda a leste, depois, sopeso e acaricio um voluminho de Garrett (1799-1854), de formosa feição. E constato que, ao falar dele, hoje, vai o Arpose ficar, inteiramente, sob o signo celta da Irlanda. Porque Almeida Garrett tinha ascendência irlandesa. E se irritava, solenemente, quando lhe pronunciavam o final do apelido à francesa: ê. Replicava logo que se devia ler e dizer: éte.
Pois este livrinho, que não é raro, mas foi, em mais de 140 anos, bem estimado e encadernado, já o comprei no dealbar do séc. XXI (2002), por 20 euros. Numa edição de 1871, promovida pela Imprensa Nacional, ocupa-se, substancialmente, com um texto inédito até à altura, que era um projecto de romance, intitulado Helena.
Anos antes (1989), fora vendido um exemplar semelhante, num leilão da Soares & Mendonça (lote 89), por Esc. 9.000$00. Devia merecê-los...
Começava assim este inédito de Garrett:
Acabava de passar uma d'aquellas trovoadas espantosas que, nos paizes tropicaes, repentinamente se formam, estalam, e de repente se dissipam tambem, deixando o ar mais puro, o ceo mais azul, e toda a natureza respirando uma frescura, um viço, uma lasciva animação de todo o ser, que não parece senão que alli foi agora a creação e começa a vida pela primeira vez. ...
Prosa límpida, não é?

6 comentários:

  1. muito límpida! eu gosto muito de trovoada pelo que ele descreve mas não saberia dizê-lo assim!

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  2. Prosa elegante, a do Garrett!
    A título de curiosidade, o romance inacabado começa na Baía (Brasil).

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  3. Não tinha presente a ascendência irlandesa de Garrett. E não conhecia este título, também um romance inacabado como o de Castilho. Dois grandes mestres da poesia e da prosa que deixaram um romance por acabar... Que pena!

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  4. E muita gente lhe continua a chamar Garré, o que me irrita. Dá logo vontade de dizer: Garré-t-t.

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  5. E também Mestres da Língua Portuguesa.
    Provavelmente este "inédito" garrettiano está na B.G. de Coimbra.

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  6. Corrigir é ensinar - nobre actividade, MR.

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