quinta-feira, 7 de outubro de 2010

No Chiado, à espera de Godot


Detesto esperar, para além da hora marcada. Até porque sou pontual e os meus amigos, normalmente, também o são. Esperar por alguém é um desperdício de tempo: nada se faz, nada se pensa de contínuo e a dúvida começa a assaltar-nos (foi este o dia combinado?, foi esta, a hora?). Vamos olhando em volta, vamos consultando o relógio, vamos observando os passantes. Identificamos, em poucos minutos, aqueles que esperam como nós - impacientes, de olhar nervoso e vagueante. E, finalmente, exasperados ligamos pelo telemóvel. E se não atende?
O Chiado é uma foz de vários afluententes: passam "Tias" e ruanos, passam romenos músicos e/ou pedintes, cruzam o Largo os "yuppies" reciclados de fatinhos todos iguais; volteiam e fotografam os italianos, espanhóis, alemães, franceses, ingleses. Passa um mulato idoso de barba curta e aspecto digno, qual "globetrotter" (como o Mountain view) que quase sempre encontro em qualquer sítio de Lisboa, com um saco de plástico na mão. Passa também um pedinte, de idade e cabelo ralo, franzino e raquítico, ou encarquilhado, que já foi acompanhante de cegas e que, às escondidas, fuma Marlboro extra-longo. E, às vezes, abordam quem está parado, à espera do amigo retardatário. Como aquela jovem de voz mansa e de écharpe escura, que surge de nenhures, e nos aproa em tom melífluo: "Gosta de poesia?", na tentativa de nos vender os seus poemas, naquela praça tutelada por dois poetas - Pessoa e Chiado, sentados, um num banco, outro na cadeira.
Passavam já vinte minutos da hora marcada e a chuva miúdinha, molha-tolos, não abrandava, nem o meu apetite. Uma hora depois, à sobremesa, acabei com um pudim do Abade de Priscos, para me compensar da amarga espera. E a comer noutro sítio. Porque já não vou ao sítio antigo e predilecto, há muito tempo, e onde a sobremesa teria sido mousse de Manga. Os três magníficos cunhados trespassaram o meu restaurante favorito e foram-se para a Linha de Sintra.
Deixo-lhes aqui os nomes, para minha memória futura: Nélson, caranguejo de signo astrológico natal, gestor implacável e atento; Armando, do signo da Virgem, meu interlocutor em vinhos; e Aníbal, o mais novo, Escorpião de grande tensão interior, mas uma simpatia!
Ah! Godot não chegou a aparecer...

4 comentários:

  1. gostei desta crónica.
    Quanto ao restaurante trespassado, deve ser um aí à beira do Chiado: vestiu-se de novo (qual yuppie reciclado), mas a (nova) cozinha piorou. Fui lá no outro dia, mas não deixou saudades.

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  2. Obrigado, MR.
    O restaurante creio que o identificou bem, e eu costumo seguir aquele dito: "Não voltes aos lugares onde já foste feliz..."

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  3. Detesto esperar. E quando as pessoas falham, sem justificação maior, ficam arrumadas. Espero nunca perder a Agenda, como já me aconteceu (não foi perdida, foi electronicamente apagada)

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  4. Para mim também é imperdoável, na maior parte dos casos.

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