sábado, 24 de outubro de 2015

A par e passo 150


Eu vivia completamente arredado da literatura, puro de intenções naquilo que dizia respeito a escrever para ser lido e, por isso, em paz com todos os leitores, quando, por volta de 1912, Gide e Gallimard me convidaram para reunir e imprimir alguns poemas que eu tinha feito vinte anos atrás e que tinham aparecido em diversas revistas dessa época.
Fiquei espantado. Não pude mesmo deixar de pensar, insistentemente, neste pedido que não se tinha orientado para com alguma coisa que tivesse sobrevivido no meu espírito e em que houvesse ainda algum tipo de sedução remanescente. A lembrança muito vaga dessas pequenas obras não me era agradável: eu não sentia qualquer espécie de ternura por elas. Se, algumas delas tinham agradado bastante, na altura, e num pequeno círculo, esse tempo e esse meio tinham desaparecido, como também o meu próprio estado em relação a elas. Além disso, eu não ignorava, embora não tivesse acompanhado, minuciosamente, o percurso e os destinos da poesia, por essa época, que o gosto já não era o mesmo: a moda tinha mudado.

Paul Valéry, in Variété V (pg. 79).

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