Lido de ponta a ponta o jornal amarrotado, o homem pousou-o de lado, no banco do jardim deserto - era Agosto e não tinha para onde ir, para fugir ao calor inclemente. Pela primeira vez, na sua vida, sentiu-se totalmente sozinho na Cidade. Sacudiu, irritado, um cão vadio que lhe veio farejar as calças. Acendeu um cigarro, lentamente. A liberdade que pensou, antes, existir depois dessa morte, era apenas uma fantasia romântica que, de facto, não tinha acontecido. E de que também não precisava. Era tudo muito chão, um pouco triste é certo, mas real, como antigamente.
Para cumprir os compromissos do dia, faltava-lhe ainda uma hora, e por mais que pensasse nada mais havia que fazer, senão esperar cerca de 70 minutos, num jardim deserto de uma cidade que já não era a sua. Até reembarcar. Gradualmente foi-se habituando à realidade, com algum desconforto, cada vez mais neutro. Começou por contar as casas da praça triangular. Depois, as árvores em volta, e as pombas que vinham beber ao chafariz. As recordações todas de que se lembrava e que o lugar lhe podia trazer à memória. E, assim, o tempo foi passando, mais suavemente.
É interessante pensar como a falta de tempo, sentida numa dada altura da vida, se pode transformar numa contagem de tempo livre em que não se sente necessidade de o ocupar. Espera-se, simplesmente.
ResponderEliminarÉ verdade. E acaba por ser um dos mistérios da Vida... Essa mudança na apreensão do Tempo.
ResponderEliminar