domingo, 28 de junho de 2015

De Saramago, 4 pontos de reflexão


Para lembrar os 5 anos sobre a morte de José Saramago (1922-2010), o antepenúltimo jornal Expresso (13/6/2015) publicou um texto, que andava inédito, do Nobel português. O texto fora lido em Sevilha, no ano de 1991, e dele retirei alguns excertos que me pareceram mais significativos e bons pontos de partida para uma reflexão pessoal. Seguem:
- Como sempre aconteceu desde o começo do mundo e sempre continuará a acontecer até ao dia em que a espécie humana se extinga, a questão central de qualquer tipo de organização social humana, da qual todas as outras decorrem e para a qual, mais cedo ou mais tarde, todas acabam por concorrer, é a questão do poder, e o principal problema teórico e prático com que nos enfrentamos consistirá na necessidade de identificar quem o detém, de averiguar como chegou a ele, de verificar o uso que dele faz, os meios de que se serve e os fins a que aponta.
- Também insistentemente se afirma que a democracia é o menos mau sistema político de todos quantos até hoje se inventaram, e não se repara que talvez esta conformidade resignada com uma coisa que se contenta com ser "a menos má" seja o que nos anda a travar o passo que porventura seria capaz de conduzir-nos a algo "melhor".
- Efectivamente, dizer hoje "governo socialista", ou "social-democrata", ou "democrata-cristão", ou "conservador", ou "liberal", e chamar-lhe "poder", é como uma operação de cosmética, é pretender nomear algo que não se encontra onde se nos quer fazer crer, mas sim em outro e inalcançável lugar - o do poder económico -, esse cujos contornos podemos perceber em filigrana por trás das tramas e das malhas institucionais, mas que invariavelmente se nos escapa quando tentamos chegar-lhe mais perto e que inevitavelmente contra-atacará se alguma vez tivermos a louca veleidade de reduzir ou disciplinar o seu domínio, subordinando-o às pautas reguladoras do interesse geral.
- Num mundo que se habituou a discutir tudo, uma só coisa não se discute, precisamente a democracia. Melífluo e monacal, como era o seu discurso retórico, Salazar, o ditador que governou o meu país durante mais de quarenta anos, pontificava: "Não discutimos Deus, não discutimos a Pátria, não discutimos a Família". Hoje discutimos Deus, discutimos a pátria, e só não discutimos a família porque ela própria se está a discutir a si mesma. Mas não discutimos a democracia.

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