quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Inventário sucinto de Lisboa, ao começo da tarde


a) as ninfetas afro desciam barulhentas, entrançadas e ágeis as escadas rolantes do Metro. Eu subi-as, a suar. Ao inverso das idades: eu é que me vou aproximando da terra.
b) um pobre tolo laureado percorria, interminavelmente, um espaço marcado e reduzido na Rua do Crucifixo. Sempre para cá e para lá. A coroa, que arranjou algures, não tinha diamantes nem safiras, mas encaixes dourados e folhas de louro artificiais. Um Vergilio enlouquecido?
c) depois do almoço, não resisto a uma ginginha, nas Portas de Santo Antão. Pedi-a fresca e "com elas" - há mais de trinta anos que não fazia isto. Estarei a reverdecer, com este Verão de S. Martinho? Mas soube-me muito bem, o resto pouco importa.
d) novas oportunidades no Rossio: de leste para oeste. Na esplanada do antigo Café Gelo, um romani entoa, ao som de uma pandeireta, um canto ininteligível bárbaro e silvestre: ttrrriii-ti, tam-tam, trriuuu.... Estará a dizer alguma coisa importante? Não faço a menor ideia. Mas os surrealistas, se ainda por cá andassem, haviam de gostar. Os grisalhos turistas de paquete, pela cara, não estavam a apreciar...
e) na antiga Rua Velha do Tesouro, vislumbro um perfil que poderia ser o do Pretendente. Iria para o escritório régio? Ou estaria a fazer uma romagem de saudade pela calçada dos antigos duques? Também não sei, mas pareceu-me cansado, e ia cabisbaixo e decadente.

3 comentários:

  1. e) Não terá sido uma visão causada pelo calor?
    Mas seja o que for, achei graça e até me ri!

    ResponderEliminar
  2. Meus Bons Amigos:
    já vi Pretendente várias vezes por aqui, hoje pareceu-me, mas não garanto que fosse, porque estava longe.
    No entanto, neste terreno ambíguo da realidade-ficção, convém sempre lembrar Simenon:
    "Fui verdadeiro, mas não fui exacto."
    ...E qualquer dia tenho que falar do homem-estátua...

    ResponderEliminar