Nem sempre nos lembramos que, em "Da Pintura Antiga", Francisco de Holanda (1517-1585) transcreveu nos "Diálogos de Roma" conversas que terá tido com Miguel Ângelo (1475-1564). Embora no tom empolado do diálogo renascentista literário, achei curioso recordar o que Miguel Ãngelo diz sobre a pintura flamenga, em contraponto à italiana.
"- A pintura de Flandres, respondeu devagar o pintor, satisfará, senhora, geralmente, a qualquer devoto, mais que nenhuma de Itália, que nunca lhe fará chorar uma só lágrima, e a de Flandres muitas; isto não pelo vigor e bondade daquela pintura, mas pela bondade daquele tal devoto. A mulheres parecerá bem, principalmente às muito velhas, ou às muito moças, e assim mesmo a frades e a freiras, e a alguns fidalgos desmúsicos da verdadeira harmonia. Pintam em Flandres propriamente para enganar a vista exterior, ou cousas que vos alegrem ou de que não possais dizer mal, assim como santos e profetas. O seu pintar é trapos, maçonarias, verduras de campos, sombras de árvores, e rios e pontes a que chamam paisagens, e muitas figuras para cá e para acolá. E tudo isto, ainda que pareça bem a alguns olhos, na verdade é feito sem razão nem arte, sem simetria nem proporção, sem advertência do escolher nem despejo, e finalmente sem nenhuma substância nem nervo. E contudo, noutra parte se pinta pior que em Flandres. Nem digo tanto mal da flamenga pintura porque seja toda má, mas porque quer fazer tanta cousa bem (cada uma das quais, só, bastava por mui grande) que não faz nenhuma bem."
(Clássicos Sá da Costa, "Diálogos de Roma" de Francisco de Holanda, pgs. 18/19)
Nem digo tanto mal [...] porque seja toda má, mas porque quer fazer tanta cousa bem [...] que não faz nenhuma bem."
ResponderEliminarGrande verdade.
É o chamado "bom,inimigo do óptimo"...
ResponderEliminarPor outro lado, no livro se refere, em relação a Miguel Ângelo..."do seu carácter bisonho e pouco afável".