sexta-feira, 9 de julho de 2010

Em louvor do autêntico Livreiro


Livreiro é, hoje, uma palavra em desuso. Ou uma profissão em vias de extinção. Claro que há computadores que tudo informam, excepto o essencial. Vendedores não diferenciados que poderiam estar a vender parafusos e pregos, mas estão nas livrarias para tentar vender livros, por questões do destino e da sobrevivência. E, depois, há os topos de gôndola das grandes superfícies. E os contentores que, antes, venderam atum "Bom Petisco", estão agora cheios de "Códigos da Vinci". Nos outros países europeus também é assim, não se pense que é o triste fado português. Como nos filmes (ver o magnífico texto de Manuel de Oliveira, "Defesa do Cinema Português", no "Público" de hoje, dirigido à pianista e Ministra da Cultura), também em relação aos livros, há sinuosos "abafadores" de Cultura. Nem o Salazar foi tão longe...
Mas falava de livreiros. Aqueles que conheci, no Norte, já morreram todos: o Ginha ( de olhos verdes, com acne adolescente, já passava dos sessenta), o Sr. Lemos, tão baixinho que parecia um gnomo, mágico e eléctrico; o Sr. Gomes, um pouco hierático, mas solícito e generoso. Todos eles me orientaram as leituras, no bom sentido, até à adolescência. Mas aquele que mais memória me deixou, da Livraria Académica, no Porto dos anos 50, nunca lhe soube o nome. Era tão discreto, sábio e simples que nunca se me nomeou.
Claro que, em Lisboa, conheci, depois, grandes livreiros: o Sr. Almarjão, o Sr. Beckmeyer, o Sr Ernesto da Biblarte, o Sr. Tarcísio Trindade, da Rua do Alecrim, nº44. Ou o ainda jovem Luís Gomes, da "Artes e Letras". Tirante o Sr. Almarjão, todos estão vivos, felizmente. Mas são todos Livreiros-alfarrabistas. Livreiros, livreiros, na melhor acepção de vendedor de Livraria, que eu saiba, há apenas um ou dois na Livraria Portugal, e bonda! Na Férin, são todos aristocratas, e não de sangue...
Volto ao Porto e à Livraria Académica, nos anos 50 ( não confundir com a actualidade e com o Sr. Canavez que está rodeado de encadernações fulgurantes "pour épater le bourgeois"), e àquele Senhor Livreiro afável e discreto, tinha eu 15 anos, que me recomenda o primeiro livro de ensaios que eu li na minha vida: "Por um novo Humanismo", de Rodrigo Soares. Ainda hoje me lembro. Só nunca soube o nome deste magnífico Livreiro, amigo da Cultura, simples e sábio.

11 comentários:

  1. «Na Férin, são todos aristocratas, e não de sangue...» :) Nunca fui à bola com esta livraria, embora reconheça que hoje se encontram ali alguns livros interessantes.
    Também conheci livreiros fantásticos, que sabiam tudo. Fui uma grande frequentadora da Sá da Costa, da Barata (da primeira) e da Portugal.
    O mal dos vendedores não está apenas nas livrarias. Não sabem nada do que vendem, sejam livros, tecidos, ou aparelhagem. Ainda há dias: «Quer saber como funciona o gravador? Vem acompanhado de umas instruções que pode ler em casa.»

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  2. Para Mr:
    Desde que as instruções estejam escritas em Português, não de gema, mas correcto, o comprador até consegue pôr o aparelho a funcionar. O pior é quando as instruções são ilegíveis.

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  3. Praticamente não ia à Sá da Costa, nem à Barata porque me ficavam longe - mas ouvi falar bem do atendimento. Aonde mais ia era à Quadrante, na Luís Bívar, onde assisti ainda a uns "happenings" nos anos 60, com o E. M. de Melo e Castro, e outros. E também à 111, no Campo Grande.

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  4. HMJ,
    Eu sou meio analfabeta a ler instruções, mas já em aconteceu o que refere: ter de me socorrer do original dado a tradução portuguesa ser incompreensível.

    APS,
    Lembro-me bem da Quadrante, da 111 e da Universitária (do Campo Grande).
    Na sucessora da 111, a Lácio, ainda encontramos uns livros antigos, meios desaparecidos das outras livrarias.

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  5. Na Académica, então, talvez o Sr Guedes.Memória fraca.
    Mas, de justiça, o Fernando Fernandes da Leitura.
    Que fazia o Boletim.Até há poucos anos.

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  6. Terei que ser eu a defender a Férin? :) Sempre fui bem tratado... Tal como na saudosa LHU do Sr. José Maria Almarjão, personalidade sem igual.
    Mas tem razão quanto à indiferenciação generalizada e ao desaparecimento da cumplicidade entre o cliente e o vendedor.

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  7. Obrigado, António, é bem possivel que tivesse esse nome. Sei é que era casado com a filha do dono - já muito idoso, na altura.

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  8. Meu caro JP, tenho que aceitar a sua impressão, muito embora a minha não coincida e se aproxime do desconforto do atendimento da Buchholz, em determinada época. Mas também aceito que as relações interpessoais são únicas, e variam de pessoa para pessoa.

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  9. Sim, da Buchholz (a antiga) tenho más lembranças (embora, por serem tão más, possam fazer esquecer eventuais boas experiências que lá tenha tido). Por acaso fui anteontem à (nova) Buchholz e o atendimento foi estupendo.

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  10. Nem me falem daquelas senhoras da Buchholz. E daquelas pilhas de livros em frente das estantes, onde era um suplício para encontrar qualquer coisa.
    Ainda me lembro da Buchholz na Av. da Liberdade e de um livro que se desdobrava em forma de comboio que o meu pai me comprou lá - um requinte para a época.
    Ainda não fui à nova Buchholz.

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