Nasceu Graciliano Ramos a 26 de Outubro de 1892, em Quebrangulo, Alagoas, Brasil. Morreu com 61 anos incompletos, em Março de 1953. Sabe-se que é um dos grandes escritores brasileiros do séc. XX ("Vidas Secas", "Insónia"...), mas o que nem toda a gente sabe é que foi, durante 2 anos, prefeito (presidente da câmara) de Palmeira dos Índios. Em 1929 fez um relatório de actividades ( inserto no volume "Viventes das Alagoas") dirigido ao Governador de Alagoas. Pela singularidade literária deste memorial, vou transcrever a conclusão do relatório do escritor-prefeito Graciliano Ramos:
"Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis. Evitei emaranhar-me em teias de aranha.
Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos. Não me entendi com esses.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anónimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.
Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.
Palmeira dos Índios, 10 de Janeiro de 1929."
P.S.: para H.N., que me descobriu e emprestou este livro de Graciliano Ramos.
Li as Vidas secas, sei que gostei, mas já não me lembro. :(
ResponderEliminarNão conhecia esta faceta de Graciliano Ramos. A conclusão deste relatório é fantástica e o final «Paz e prosperidade» como quem diz «Vão dar uma volta»...
Por cá não deve ser muito diferente e pelo Brasil se calhar está bem pior.
Todo o Relatório é uma maravilha de concisão burocrático-literária, e de alguma ironia.
ResponderEliminarO meu caminho, até aqui chegar, foi escadas rolantes paradas, Adm.Metropolitano,CML...
Voltando: são 10 páginas curiosíssimas de Graciliano Ramos, MR. As escadas, para que conste,hoje, continuam paradas...
Era um dos escritores favoritos do meu pai. As «Memórias do Cárcere» estiveram, durante muitos anos, escondidas atrás de outros livros. Uma vez resolvi perguntar porquê e achei estranho ninguém me ter respondido. Só muito mais tarde descobri...
ResponderEliminarA ironia deste relatório é uma delícia.
Todo o livro é uma maravilha, c.a.,mas atinge um dos picos neste balanço de actividade camarária.
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