Quando por Coimbra andei, no início dos anos 60, a pequena cidade grande era muito provinciana nos tiques das suas gentes - e não se julgue que é má vontade minha : nasci lá, muito embora tenha passado a minha infância e adolescência no Minho. Quando lá voltei para estudar na Universidade, cedo me apercebi do conservadorismo e da pequenez de horizontes mentais da urbe. Mesmo na Universidade. Embora houvesse "malgré tout" uma interessante vida cultural devida ao esforço incessante da Associação Académica que foi ferida, cobardemente, na sua autonomia, pelo decreto-lei 40.900, de Lopes de Almeida, ministro da Educação na altura, e que fora lente em Coimbra.
As livrarias da Lusa Atenas não eram muitas e limitavam o seu acervo, pragmaticamente, a livros escolares e colaterais. Não havia ousadia na oferta, mas conservadorismo e oportunidade. Alfarrabistas, nem se fala: havia um, próximo dos Gerais, no caminho para o C. A. D. C., com umas pequenas estantes, na exígua loja, e duas ou três centenas de livros, a maioria escolares. Mas a meio da Rua da Sofia, e onde menos se esperava, havia uma loja poeirenta, de móveis usados, que tinha, quase sempre, alguns livros em segunda mão, e revistas. Foi lá que comprei a 1ª edição ( hoje com mais de 50 edições ) de "A Ceia dos Cardeais"( 1902 ), de Júlio Dantas, que terá pertencido a uma senhora, de nome Emília da Camara Leite, e que foi comprada, pelo carimbo, na Teves Adam, de Ponta Delgada, Rua do Conselheiro Hintze Ribeiro, 38. Como teria chegada o livro a Coimbra, não sei. Nessa loja de móveis usados, da Rua da Sofia, comprei também, talvez em 1962, três exemplares de "La Petite Illustration", de 1930, revista que se dedicava, como se diz na capa, a publicar novas peças de teatro, romances, poemas, etc. O nº473 é dedicado a Alphonse Daudet ( 1840-1897 ): "Pages Inconnues". Do escritor francês, eu tinha lido "Lettres de mon moulin" e acompanhara, em " O Cavaleiro Andante", as "Aventuras de Tartarin de Tarascon". Não sabia é que Daudet tinha sofrido, a partir de 1884, de ataxia, doença que se caracteriza pela gradual falta de coordenação de movimentos que afecta a força muscular e o equilíbrio. O escritor teve a coragem de descrever o progresso da doença em " La Doulou" ( A Dor), referindo: "Ma douleur tient l'horizon, emplit tout...". Foi isso que aprendi em "La Petite Illustration" que comprei no adelo da Baixa coimbrã.
Hoje existem mais uns dois (?) alfarrabistas. Gostei das recordações. Também já comprei um desenho numa Loja de móveis velhos, em Coimbra. Mas não foi na rua da Sofia. Era mais para junto da Rua da Louça.
ResponderEliminarRealmente, JAD, não terá havido grande evolução em Coimbra...em relação a alfarrabistas,claro. No tempo em que por lá andei, a etiqueta da rua que refere não tinha cedillha: havia quem lhe chamasse a Rua da Louca, e não era a D. Joana...
ResponderEliminarSingularidades de um pequena cidade grande.
E foi, que me lembre, a primeira vez que vi escrito louça em vez de loiça. Por isso mantive a grafia que vi escrita.
ResponderEliminarMas uma vez fiquei furioso quando colocaram uma "cinta", envolvendo um livro que eu gosto, com a frase: "O século de oiro da História de Portugal". Contradições.