Luis de Góngora y Argote, nascido a 11 de Julho de 1561, morreu em 1627. Representante máximo da poesia cultista castelhana, é um hábil obreiro de poemas, plenos de alusões mitológicas e eruditas, com segundos sentidos complexos que, hoje, só com um manual anotado dos seus estudiosos, por companhia, se poderão cabalmente compreender. Inimigo declarado de Quevedo (1580-1645) que também não o poupou, sendo que este foi o expoente máximo do que se convencionou chamar poesia conceptista. As polémicas, entre os dois poetas espanhóis, foram ferozes ("...untarei as minhas obras com toucinho,/ para que tu não as mordas, Gongorilha..." disse Quevedo, que também ridicularizou Góngora, pelo seu apêndice nasal excessivo - "Era um homem a um nariz colado,/ era um nariz superlativo..."), mas também houve guerrilha literária entre Góngora e Lope de Vega.
Em 1619, Luis de Góngora visitou Lisboa, então sob o domínio filipino, e desta viagem ficou um soneto em que deprecia D. António, Prior do Crato ("mosquito antoniano"), ridiculariza o vestuário dos portugueses ("Amor com botas, Vénus com baeta"), se queixa da falta de gelo para as bebidas, nesse Verão ("Estrela dispensada...") e estranha a alta construção das casas lisboetas ("...aposento nas gáveas o mais baixo;"). Deste soneto - "En la Jornada de Portugal" -, aqui deixo, traduzidos, a segunda quadra e o primeiro terceto:
"...Salga o outro com lança e com trombeta
mosquito antoniano resoluto
e ainda com pesar por tempo mais enxuto,
Amor com botas, Vénus com baeta;
fresco verão, cravinhos e canela,
de neve mal, de uma Estrela dispensada,
aposento nas gáveas o mais baixo;..."
Nota pessoal: em abono da verdade, devo dizer que prefiro a poesia de Quevedo aos poemas e sonetos de Góngora. Por outro lado, Quevedo deixou um lídimo representante português: Francisco Manuel de Melo; enquanto Luis de Góngora contaminou, fatalmente, os colaboradores portugueses de "A Fénix Renascida"...
Sensacional, como habitualmente, esta resenha histórico-poética.
ResponderEliminarE a minha memória deste Luís cujo estilo deu um adjectivo (gongórico)não compreendia esta prosaica e deliciosa "falta de gelo nas bebidas".
Muito obrigado, Luís Barata. Há ainda, pelo menos, de Góngora, um soneto a uma Senhora de Santarém, mas teria de o pejar de notas para, aqui, o incluir...
ResponderEliminarDesculpe colocar a minha colher em prato alheio..., mas por vezes gosto de provar da comida dos outros pratos. Assim, sem pedir licença, ou pedindo, meto uma garfada.
ResponderEliminarfresco verão, cravinhos e canela,
de neve mal, de uma Estrela dispensada,
aposento nas gáveas o mais baixo;..."
Vi o contrário deste Verão. Um Verão fresco, que convidada a beber bebidas quentes (com cravinho e com canela, que davam aroma ao vinho e o tornavam mais quente). Um Verão que não queria gelo "neve" nas bebidas, de uma Estrela dispensada...
E aqui, para mim, é a referência ao produtor de gelo natural que chegava, no século XVI, a Lisboa. Diz um comentador que conhece bem, Manuel de Severino de Faria, num relato que faz da sua viagem de Lisboa a Roma, que a Serra da Estrela está toda a ser cortada e embalada para ser enviada para Lisboa, para refrescar as bebidas... estou a transmitir apenas a ideia, não estou a citar, nem sei onde tenho o livro dizendo, a terminar o seu comentário, qualquer coisa como: por este andar qualquer não temos Serra.
Assim era Lisboa tão fresca neste Verão que [a Serra] da Estrela estava dispensada de vir até Lisboa. E está tão fresco este Verão, como um aposento situado no fundo...
Mil perdões, pela colherada e garfada... posso estar errado.
Um abração
Ficou um de a mais no nome de Manuel Severino de Faria
ResponderEliminardizendo, a terminar o seu comentário, qualquer coisa como: por este andar qualquer dia não temos Serra.
ResponderEliminarFaltou a palavra dia no longo comentário.
As suas "garfadas", JAD, são sempre oportunas e bem-vindas. As notas explicativas, de Salcedo Coronel, tirei-as, via Biruté Ciplijanskaité, do volume "Sonetos Completos" de L. de Góngora (Clásicos Castalia, Madrid, 1969), pgs. 192/3. Transcrevo, no original,as notas em causa:
ResponderEliminar"9. Según SC, "fresco" se usa irónicamente: clavos y canela se usan en los días más calurosos; añade que las especias aluden al comercio con el Oriente que florecía en Lisboa.
10. Alusión a la Sierra de Estrella y a la escasez de la nieve para enfriar las bebidas.
11. SC refiere que las casas de Lisboa eran muy altas; probablemente es una alusión al echo de que a los huéspedes, se les ofrece sólo buhardillas, donde hace más calor."
Muito grato, JAD, pela sua visita e troca de ideias, sempre enriquecedora.
Não conhecia este poema que só se consegue ler com manual de instruções.
ResponderEliminarO gongorismo, no geral, é odioso. Mas gosto de «Gongorilla». E de Quevedo, claro.
No restaurante onde hoje jantei, havia um empregado com um nariz gongórico. :)
ResponderEliminarOs espanhóis são estranhos e curiosos, por vezes, nas suas escolhas. Grande parte dos estudiosos de literatura destacam Góngora, ou igualam-no a Quevedo - o que me parece injusto.Por outro lado, uma grande maioria das Histórias de Literatura espanhola ignoram, pura e simplesmente, Aldana que até foi, na época, um espanhol exemplar: bom e heróico soldado,bom poeta, bom cristão (embora com dúvidas). Destinos...
ResponderEliminar